CLIHC 2003: antes que a tecnologia vire sucata

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Em entrevista exclusiva ao Webinsider, Clarisse de Souza, professora associada da PUC–Rio e organizadora do CLIHC2003 (Congresso Latino–Americano de Interação Humano–Computador) fala sobre IHC no Brasil e o como vem se desenvolvendo no novo contexto chamado internet.

O evento mostrou que a área de IHC se redescobre em função das novas abordagens e pensamentos sobre a tecnologia. Novos componentes, como comunicação e relacionamento entre pessoas, estão mudando a forma de se encarar o estudo da interação entre humanos e computadores.

Por definição, a área de IHC diz respeito a todo tipo de pesquisa ou atividade profissional que envolva centralmente o estudo, o projeto, a avaliação, ou algo semelhante, sobre a forma de como, para que, e em que contextos de uso as pessoas interagem com tecnologias de base computacional.

Com a explosão da utilização de computadores por causa da internet, os estudos e pesquisas de IHC têm muito a contribuir para a formação de padrões e critérios de construção de interfaces e artefatos que nos permitam, cada vez mais, interagir através da tecnologia, sem até que seja percebida. Que tal? Sonho? Não, a IHC está aí para isso.

Webinsider – Como você vê a área de IHC hoje no Brasil?

Clarisse: – A exemplo do que se passou em países como os Estados Unidos e a Inglaterra, por exemplo, no Brasil a “área de IHC” foi reconhecida como parte integrante e importante da Informática/Computação. E é no esteio deste reconhecimento que nos últimos anos temos consolidado uma “comunidade de IHC” no Brasil, que atrai pessoas de fora da Informática, como por exemplo da Ergonomia e Design, da Psicologia, da Comunicação, e assim por diante.

A área vem ganhando um rápido reconhecimento no Brasil. Entre as evidências que se podem citar está a realização, desde 1998, de seis conferências de IHC sob a chancela da Sociedade Brasileira de Computação (SBC) – uma delas o CLIHC2003, de escala continental. A matéria de IHC fazer parte do currículo de referência recomendado pela SBC para os cursos de graduação de Informática no Brasil; e, não menos importante, já contamos com mais de 10 doutores formados em IHC, em programas de pós–graduação em Informática brasileiros.

Além disto, a área é de crucial importância para um país onde há um programa oficial do governo federal – o Programa Sociedade da Informação, do MCT – dentre cujos objetivos constam a capacitação nacional e o aumento da competitividade brasileira no setor de Tecnologias da Informação (TI), bem como o uso disseminado de TI para atingir ideais de cidadania e resgate social. É a área de IHC que deve oferecer soluções de boa usabilidade e ampla utilidade para os produtos de TI, possibilitando que estes ideais estejam mais próximos do nosso alcance.

– Como o CLIHC 2003 e outros futuros CLIHCs podem contribuir para a área em nosso país?

– Sem dúvida promovendo a possibilidade de pesquisadores e outros profissionais envolvidos com IHC se reunirem para compartilhar e discutir avanços alcançados em países que têm em comum desafios muito similares. Destes encontros certamente surgirão oportunidades de cooperação bilateral ou multilateral importantes.

Outro ponto que conferências como o CLIHC2003 ajudam a alcançar é a visibilidade externa do trabalho que aqui se faz. Isto se pode medir pelo perfil dos conferencistas convidados e dos participantes que vêm de outros países de fora da América Latina para prestigiar o evento.



Um terceiro resultado do CLIHC2003 que esperamos manter e aprimorar nos próximos é a maior participação de empresas, nacionais e estrangeiras, não apenas como patrocinadoras mas sobretudo como parceiras em projetos tecnológicos avançados como os que se discutiram nesta conferência.



– Como estamos posicionados em relação a outros países nas pesquisa de IHC?



– Relativamente bem. A pesquisa em IHC é feita em várias frentes, dentre as quais se destacam duas: a tecnológica e a teórica.



A pesquisa tecnológica é fortemente determinada pela disponibilidade de equipamentos de última geração, tais como dispositivos móveis, recursos de realidade virtual, e assim por diante. É uma pesquisa cara, sem dúvida, e comparativamente aos países desenvolvidos, que também vêm experimentando fortes reduções nas verbas destinadas à pesquisa, temos ainda menos recursos humanos, menos centros de pesquisa, menos investimentos.



Porém, na área teórica são muito poucos os centros que têm contribuído de maneira mais sustentada para o avanço do conhecimento que independe das tendências de mercado que impulsionam a tecnologia.



E neste particular, o Brasil está bastante bem posicionado, pois surgiu aqui uma linha teórica original – a Engenharia Semiótica – que busca fundamentar em teorias semióticas as investigações sobre o que se passa entre usuários e artefatos de base computacional. Esta teoria é fruto de uma pesquisa feita aqui na PUC–Rio, há cerca de dez anos, em nosso grupo de pesquisa dentro do Departamento de Informática.



Para se ter uma idéia, são reconhecidas hoje apenas quatro ou cinco linhas teóricas que consistentemente têm fundamentado pesquisa mais aprofundada em IHC. A mais importante delas é a linha de teorias cognitivas, mas entre as demais tem despertado cada vez mais interesse a linha semiótica. Em 2004 publicaremos pela MIT Press um livro sobre esta teoria, brasileira. Sem dúvida é um sinal importante da aceitação internacional da pesquisa em IHC que vem sendo feita no Brasil.



– O que a internet trouxe de novidades para a área de IHC?



– Trouxe as mesmas novidades radicais que afetaram todo o restante da Informática e Computação. Provavelmente o fator mais interessante de todos foi a explosão do uso de computadores para a comunicação entre pessoas, um campo conhecido como CMC (Computer–Mediated Communication – comunicação mediada por computadores).



A avalanche de oportunidades (e sua contraparte em desafios técnicos e teóricos difíceis, como por exemplo o lidar com questões de privacidade e segurança) multiplicou as possibilidades de IHC e evidenciou algo já sabido há tempo, mas pouco mencionado no passado: a Informática depende tanto das Ciências Exatas quanto das Ciências Sociais e Humanas. Por isto mesmo é uma área tão fascinante.



Penso que a internet tirou a Computação da cristaleira e a inseriu no campo das atividades, dos interesses e dos valores sócio–culturais. Para onde vai a Informática a partir daqui é uma pergunta cuja resposta já não depende apenas de muita Matemática e muita Lógica.



– Você acha que a internet amplia as oportunidades profissionais para que a IHC possa se tornar uma prática mais imprescindível?



– Concordo. A internet deixa mais patente a falta que faz um certo tipo de formação nas equipes de desenvolvedores de produtos que ela veicula. Mas é preciso dizer que o espectro de conhecimentos importantes para um bom produto interativo está tipicamente fora do alcance de uma única pessoa.



O importante é saber formar as equipes em que as várias competências estejam presentes. Não basta ter alguém que um dia fez um curso de IHC (embora isto já seja melhor do que não ter ninguém com esta formação). Aliás, esta é uma verdade bem mais ampla na Informática/Computação: a complexidade dos sistemas que hoje se desenvolvem extrapola os limites das competências individuais. O importante é saber formar equipes, identificar a complementaridade de conhecimentos e dar condições de o todo ser mais valioso do que a soma das partes. Tanto em projetos de pesquisa quanto em projetos comerciais.



– Tanto a palestra de abertura como a de encerramento deixaram claro que nossos colegas no EUA estão focando bastante em comunicação e no estudo do comportamento das pessoas. O que você pensa sobre isso?



– Há cerca de cinco anos foi publicado um trabalho onde o autor, Mark Ackerman, afirmava que a tecnologia já possibilitava que se construíssem então sistemas tecnicamente muito mais sofisticados do que social ou individualmente úteis nos contextos organizacionais reais a que se destinavam. Um imenso vão, entre a sofisticação técnica e a falta de conhecimento sobre as condições sócio–culturais de uso destes sistemas, dizimou vários projetos empresariais que consumiram muitos recursos em tempo, dinheiro e pessoas.



Ackerman usou para caracterizar este fosso a expressão inglesa “social–technical gap” (lacuna sócio–técnica). Sua percepção é representativa de uma corrente de pensamento que já vinha chamando a atenção para as negligências sucessivas que a área de Informática vinha cometendo em relação à sua vocação de gerar produtos que atendam às necessidades e aos anseios do público usuário, mas que também intervenham de maneira responsável no funcionamento das comunidades e das sociedades onde estão inseridos.



Um de nossos palestrantes, por exemplo, Terry Winograd, é um dos fundadores de uma associação que promove esta visão mais ampla e mais ética sobre a nossa área de atuação – a Computer Professionals for Social Responsibility (Profissionais de Computação pela Responsabilidade Social). É também co–autor de um livro que desafiou, em meados da década de 80, toda a tradição racionalista que imperou na Computação e a manteve como uma disciplina idealizada e desconectada da realidade cotidiana. Conseqüentemente seus produtos só eram usados por quem compactuava com este idealismo.



Nos últimos anos, justamente pela dimensão que assumem as questões sociais na internet, o bordão de Ackerman tem ressoado de maneira bastante forte e tem tido o sucesso de motivar as pesquisas de caráter sócio–cultural dentro da própria Informática. É sem dúvida uma forma de tentar diminuir o fosso e dar mais sentido a todo este superávit tecnológico antes que ele seja precocemente sucateado.



– Que lições podemos tirar do CLIHC 2003?



– Cada um de nós que participou do CLIHC2003, como organizador, como apresentador de trabalho, como palestrante, como patrocinador, como promotor, ou como público, terá tirado diferentes lições deste evento, único até aqui.



As minhas lições são marcadas pelo tipo de participação que tive – presidente da conferência, junto a Alfredo Sánchez, do México. Dentre elas posso destacar a constatação de que a comunidade “brasileira” de IHC está andando a passos largos e exerce uma forte liderança na América Latina.



Acho que estamos também aprendendo os caminhos da aproximação entre as universidades ou centros de pesquisa e as empresas. Foi extremamente gratificante contar não apenas com o patrocínio decisivo de uma empresa brasileira como a Petrobras, nosso exclusivo Champion Sponsor, mas também com a participação de profissionais estabelecidos no mercado, que promoveram workshops, apresentaram trabalhos, freqüentaram as sessões técnicas, debateram os resultados dos colegas, e assim por diante.



Além disto, é um sinal importante de reconhecimento internacional termos tido o apoio do prestigioso Human–Computer Interaction Institute, da Universidade de Carnegie–Mellon, na Pennsylvania, bem como a chancela do ACM SIGCHI, a organização que promove a maior conferência de IHC do mundo – a CHI.



Outras lições serão aprendidas com o decorrer do tempo, quando as repercussões de médio e longo prazo do CLIHC2003 estiverem mais claras para todos nós. Uma delas já desponta no horizonte: a responsabilidade dos presidentes e organizadores do próximo CLIHC será ainda maior do que foi a nossa – haverá uma expectativa de que os acertos deste sejam replicados e que os desacertos sejam corrigidos. A nossa tarefa é compartilhar amplamente esta nossa experiência inicial e fazer tudo para que os próximos CLIHCs consolidem IHC no nosso continente e – ideal de muitos, que é meu também – seja um dos instrumentos a contribuir para que se atinja a cidadania plena em inúmeras populações latino–americanas. [Webinsider]

Igor Broseghini (igorbros@facemedia.com.br) é diretor da Facemedia Marketing Digital e professor.

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