Cliente de marca pirateada também tem valor

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O rapaz despenca da Ilha do Governador e vai até ao Comércio Popular no Centro da Cidade, no Rio, para comprar seu uniforme completo, por acaso, daquela marca das três listrinhas. Ele pega um ônibus lotado, desce correndo – está com R$ 150 na carteira e tem medo de ser assaltado –, se enfronha por becos escuros e insuportavelmente quentes, é privado momentaneamente do oxigênio exterior enquanto percorre, mais ou menos uns 3 km de bancas, boxes, entre gritos, brinquedos, ferramentas e calcinhas com frases, no mínimo, curiosas.

Ele compra, regateia e não experimenta porque quer vestir em casa, onde viverá momentos de suprema realização pessoal, quebrando por alguns minutos/horas a exclusão a qual é submetido a todo momento. Entenderam? Realização pessoal e quebra do ciclo vicioso da exclusão.

Aí, tem a outra menina. Ela desceu do AP, andou duas quadras, calçou um tênis, mero acaso, mero acaso, também da marca das três listrinhas. Gostou, imaginou que seria útil na meia hora diária em que malha. Puxou o cartão, passou, assinou. Subiu novamente e voltou a assistir seu seriado preferido que está na segunda temporada. A garota é gente fina, tranqüila e ficou feliz, porque comprou o objeto utilitário que, enquanto correr na esteira, não a fará sentir o pé doer. Vá lá, o tênis é bonitinho também. Utilidade e tranqüilidade de ter comprado, como sempre, um objeto que vale o preço.

Claro que para fins didáticos escolhemos dois opostos. O que não impede que, teoricamente, a garota da Zona Sul vá até o Centro e o cara da Ilha até Ipanema. O que só reforçaria o que queremos propor aqui. E vamos logo: quem aderiu com maior convicção ao campo semântico (semiótico?) que a marca “tenta” representar? Quem será mais fiel? Quem responderia qual sua marca preferida, assim, na lata numa pesquisa de “top of mind” realizada na rua? Quem a propaganda, a promoção, os eventos e todas as ferramentas que viermos a inventar devem atingir…enfim, sobre qual personagem devemos depositar nossas fichas? A reflexão mais imediatista nos leva a decidir pela menina. Ela está do lado de lá da concentração de renda. Ela estuda, tem cartão de crédito, ela fala inglês. Ah, com certeza é ela. Será?

Seria. Se o mundo ainda fosse o mesmo e os canais de representatividade pessoal oscilassem em torno do mesmo padrão de 100 anos atrás. Seria. Se, apesar de toda a evolução nos meios de comunicação, participar de sua grande ciranda de afirmação das individualidades e coletividades fosse menos excludente do que ter TV a cabo, assinar jornais e ter uma educação decente. Seria. Se o rapaz não concentrasse todas as suas fichas no consumo, mesmo que ilegal de um ícone consagrado, e dele tornando–se dependente, visceral, firmasse um pacto de silêncio com seu fornecedor. Ele burla o esquema que o exclui, não para consumir a ilegalidade, mas para encontrar sua forma, sua caverninha platônica. Consume a simulação da simulação, sabe disso, mas cala. Ele é o herói que vai atrás do Minotauro e, como vivemos de reescrever ecos de nosso passado clássico, ele não tem o tal novelo de lã. Está perdido. Mas, já, já terá companhia.

Isso porque os Gerentes dessas Marcas não acordaram. Ou se o fizeram não deixaram perceber. Investem continuamente em nossa garota (calma, críticos: ela é uma menina muito legal, assim como o nosso rapaz), fazendo girar uma grande moenda que já triturou cana–de–açúcar, café, laranjas, empregos.

Não que seja totalmente inadequado vender para quem tem dinheiro para comprar…o que tem que ser repensado é se estamos vendendo só pares de tênis e se nosso herói tem algo mais valioso do que dinheiro para investir.

Os conceitos colocados aqui são básicos e qualquer curso de Marketing os apresenta como Estudo de Marca ou Branding e naquele famoso texto “Miopia em Marketing”, que se você não leu, deveria. E nosso herói vai continuar a comprar sua marca simulada. E nossa marca vai continuar a deixar de ganhar seus clientes reais. O que é uma pena para todo o mundo.

Como dizem escritores muito espertos que saíram diretamente da Neurolingüística para a Auto–ajuda: para obter resultados diferentes é preciso pensar diferente. Como seria um novo modelo, então? Aliás, será que precisamos de um? Acho que podemos começar com uma boa dose de respeito. Vamos respeitar o esforço de nosso rapaz e vamos recompensá–lo por isso. Vamos vender a marca, vamos fazer representante da marca, não reafirmar o seu gueto, mas retirá–lo dele.

Leve o seu tênis pirata a uma loja da nossa marca e ganhe um desconto de 50% no mesmo modelo. Traga seu DVD, ou Vídeo CD e ganhe uma Camiseta do filme e um cupom para participar da promoção e mais um desconto de 25% no seu filme da Trilogia famosa que todo mundo quer, antes mesmo de ir ao cinema. Você sabia que não existe essa cor no catálogo original dessa sua camisa pólo? Quer conhecer as cores oficiais? Traga aqui sua camisa com a etiqueta mal costurada e ganhe um desconto. Ganhe sempre, porque você já nos ganhou, nos escolheu.

Mas peralá…Vender produto falso é crime. Sabemos todos que, cada tênis, cd, dvd, camisa, casaco…a cada pirata na prateleira ou na banca dos camelôs, é um desrespeito à propriedade intelectual, é uma evasão de impostos, que não são pagos e, até mesmo, menos empregos (oficiais) que são gerados. O nosso amigo vai continuar comprando produtos piratas para trocar por produtos novos originais? Os próprios piratas virão atrás da marca para trocar seus produtos falsos? Então porque não nos associamos aos vendedores ambulantes e fazemos uma parceria? Eles vendem mais barato em pontos de venda legais, ganham um emprego e aproximam a marca da rua, de seus usuários. Contratemos os camelôs como fontes inestimáveis, mais valiosos do que mil pesquisas em salinhas espelhadas onde se come biscoitos e presunto enquanto se fala sobre vários assuntos.

Aliás, o que é uma marca, afinal, senão o que se fala sobre ela? O que é uma marca senão um discurso, gritado pelo preço e acessível, ilegal, irrestrito, reinventadao pelas ruas das grandes cidades? Ou nas lojas de grandes cidades? Ou no bazar de pequenas cidades?

Falar ( vender, falsificar, copiar) não é o problema. Excluir sim. [Webinsider]

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Mauro Amaral é redator, arquiteto de informação, estrategista de conteúdo e editor do CarreiraSolo.

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