O futuro do trabalho passa pelo confinamento?

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Alguns trechos do artigo do Thiago Braga Por que não um centro de usabilidade? (ao lado) justificam bem a necessária mudança do fluxo de trabalho das produtoras. Aliás, minha defesa incondicional da criatividade e da qualidade de vida põe abaixo inclusive coisas que eu mesmo escrevi anteriormente aqui mesmo no Webinsider, como o primeiro parágrafo do artigo Veja o site corporativo como uma peça (ao lado).

Hoje, percebo que a grande empresa, a linha de montagem, a contratação de terceiros e o fluxo de trabalho à imagem e semelhança da cadeia produtiva do mercado publicitário não vêem o lado do profissional, daquele que precisa produzir e criar. A vida desse profissional está sendo sugada, independentemente de ele adorar o que faz ou se ganha bem.

A roda–viva da criação e da produção decorre de uma absurda desorganização e de uma corrida desenfreada por dinheiro. Vejamos um exemplo do dia–a–dia:

a) Uma produtora de qualquer porte tem um número x de profissionais em todas as áreas. Quando aumenta a demanda, eis que surge o primeiro problema: contrata empresas terceirizadas e free lancers, que cobram caro e não estão comprometidos em sinergia com o job.

b) O profissional de atendimento ou gerente de contas costuma ser formado em comunicação e faz pós em marketing. Sua apresentação deve ser impecável e seus grandes trunfos são a simpatia, a desinibição, a paciência e, acima de tudo, o networking.

É o atendimento que faz o meio–de–campo entre a produtora e o cliente: ele vende o peixe da produtora para o cliente e retorna com todas as informações necessárias para a execução do projeto.

O segundo problema está aqui: salvo em raríssimas e honrosas exceções, a única visão (portanto, mediada) do cliente e de seus objetivos de comunicação é de apenas uma pessoa na produtora inteira.

Ainda, o atendimento está em uma encruzilhada, onde, para ganhar moral com o dono da produtora, costuma aceitar tudo o que o cliente pede e acaba também oferecendo novos serviços ao cliente, sem saber se as demandas da criação e da produção estão esgoeladas ou não.

Dessa forma, surge o terceiro problema: um cliente que pede mais jobs acaba viciado em exigir prazos cada vez menores, atropelando os jobs da produtora com outros clientes. Isso obriga a produtora a deslocar pessoas de jobs menores para outros, empurrando com a barriga trabalhos de clientes que proporcionam um faturamento menor.

E os terceiros? Bancos de imagens, áudio, vídeo, redação, tradução, alterações nos bancos de dados, alterações na interface e na arquitetura da informação… A vida de toda essa gente também é alterada. Todos precisarão trabalhar muito mais horas. E o “mercado” (detesto essa expressão, pois não sou escravo nem produto) “regula” que todo mundo pode cobrar a mais por horas extras. Enfim, é o dinheiro que manda e pronto.

Neste caso, outro problema grave: forçar o terceirizado a suprir a demanda da produtora muito além de sua capacidade só pelo dinheiro. A quantidade de erros e a perda da memória em função do cansaço geram atrasos e muito incômodo. É dinheiro que desce pelo ralo.

Agora, o problema mais grave: dormindo menos, se alimentando mal, enfiado o dia inteiro na tela do computador em um cubículo tendo com únicas referências anuários, catálogos, sites e a palavra do briefing, a qualidade da criação cai vertiginosamente.

Normalmente, o dono e o atendimento têm medo de negar fogo, sob pena do cliente procurar outra produtora. Mas isso vai além da perda de faturamento: a vaidade e o volume do portfólio infuenciam esse círculo vicioso.

Recapitulando: o foco no produto/serviço do cliente sem medir conseqüências, somente para satisfazê–lo imediatamente; os constantes desentendimentos entre atendimento e criação; o fato do ser criativo ficar enfurnado muitas vezes trabalhando vários turnos a fio dentro da produtora em frente a um computador tendo como referências apenas a navegação na web, alguns portfólios, livros, revistas, anuários e catálogos de imagens; ter que criar acreditando no briefing passado por uma pessoa que tem a sua própria visão sobre o cliente e sobre o que ele quer; e, finalmente, criar em cima de algo que nunca vira antes, sem nem saber ao certo para que serve, mostram que o ideal deste modelo está caindo por terra, não é mesmo?

Quero dizer que um novo mundo, um novo fluxo de trabalho, é possível, sim. Que, em plena Era da Informação, o modelo de negócio e de relação de trabalho dentro da cadeia produtiva ainda é baseado nos conceitos da Revolução Industrial da Inglaterra de dois séculos e meio atrás e do Fordismo, dos EUA de 90 anos atrás.

O tempo livre é tão importante quando o tempo dentro do escritório. Aliás, o escritório é um ambiente criativo? Cumprir expediente facilita e disciplina a criatividade?
Definitivamente, não.

Passemos a enxergar o nosso negócio da seguinte forma: que tal os profissionais escolherem cada um o seu horário, trabalharem em casa através do e–mail, do FTP e da videoconferência?

Bem… Aí, os mais conservadores perguntam, céticos: “E quanto aos prazos e ao comprometimento?”

Sob contrato, ninguém pode deixar furo. O cronograma deve ser seguido à risca. Contudo, se o prazo é de, por exemplo, um mês, se um designer quiser trabalhar todo dia das 04h às 10h ou se, em um dado momento, preferir trabalhar das 15h às 19h e depois das 22h às 02h, o problema é dele!

O que eu e o cliente ganhamos com isso? Qualidade de vida e uma busca de referências reais no mundo real. Com tempo suficiente para praticar esportes, fazer cursos de especialização e de idiomas; cursos de desenho; ir ao cinema, ao teatro, a shows, a exposições, jogar uma pelada com os amigos, namorar, cuidar dos filhos, visitar os parentes, ver os amigos mais freqüentemente, contemplar a natureza, visitar os “templos do consumo”, assistir a documentários, ler bastante, apreciar uma boa comida, assumir algumas tarefas domésticas, tocar um instrumento musical ou cantar…

…O profissional vai ter um leque de referências sócio–culturais muito mais vasto. Ele vai encontrar soluções para seus problemas de trabalho no lazer e no estudo; vai resolver pendengas domésticas no trabalho e no lazer.

Mas essa é uma mudança de atitude que não nasce do dia para a noite: é preciso disciplina, comprometimento e uma enorme disposição para livrar–se dos velhos vícios.

Cada profissional é dono de si mesmo. Deve satisfações ao seu cliente e nada mais. As pessoas juntar–se–ão para projetar um site e, em outro job, a equipe pode ser totalmente diferente. Vamos juntar–nos àqueles que tiverem maior disposição e know–how para um determinado segmento.

Outro aspecto importante do teletrabalho e do ócio criativo é que, finalmente, não será mais apenas o profissional de atendimento o responsável por munir a criação sobre o negócio do cliente: agora, o criativo está mais disponível para visitar a fábrica, bater um papinho com o executivo, conhecer a linha de montagem, bater um papinho com os operários, ver como funciona a logística, como o produto está exposto no PDV, como o consumidor reconhece e encara o produto e assim por diante.

Dessa forma, a originalidade e a precisão da linha de criação têm muito mais chances de se enquadrarem rapidamente àquilo que o cliente precisa. [Webinsider]

<strong>Hélio Sassen Paz</strong> (heliopaz@mac.com) é publicitário, professor e profissional de design interativo.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *