Está nascendo uma cultura popular digital

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Muito bonito todo esse papo de new media, mas o fato é que, mesmo com todos os plug–ins, webdesigners e adjacências, a web mudou muito pouco. Desde os primeiros exercícios quase acadêmicos do começo da década de 90 até hoje, os sites continuam lerdos, feios e chatos, com quase as mesmas coisas: barras de links à esquerda, logotipos no canto superior, coisas animadas que piscam e pulam, skip intro, conteúdo excessivo, desnecessário, confuso ou desfocado, ícones esquisitos, textos com “clique aqui”, muito barulho e pouco serviço de verdade.

Enquanto isso os videogames estão cada vez mais sensacionais, filmes com qualidade de DVD são distribuídos antes mesmo de saírem nos cinemas, sua coleção de MP3 faz com que você amaldiçoe o pouco espaço de seu disco rígido e os milhares de reais gastos em CDs, programas opensource ameaçam até a pirataria, blogs e fotologs transformam todo mundo em Big Brother, vê–se vídeo por e–mail ou MMS em celular, Palms batem fotos, câmaras gravam sons, adolescentes de piercings e cabelos coloridos continuam sendo o único grupo capaz de acertar o relógio de um videocassete, crianças decoram todos os nomes dos malditos Pokémons e eu e você, perdidos nesse turbilhão, ouvimos profetas profetizando sobre qualquer coisa e não sabemos a quem recorrer.

Que raio de abismo cultural separa as crianças de hoje dos adolescentes, estes dos jovens profissionais de trinta e poucos anos e estes de seus experientes colegas de cinqüenta e poucos? Boa parte da culpa é da lei de reserva de mercado para produtos de informática, que só caiu em outubro de 92.

Essa bravata tupiniquim deixou em todos nós seqüelas culturais incuráveis: enquanto crianças que nasceram há sete anos ou menos acham o computador mais natural que uma bicicleta ou pião, para o resto de nós ele pode até ser prático, interessante e útil, mas temos medo. Medo que ele quebre sem motivo aparente, apague o disco rígido, assuma poderes sobrenaturais, incube vírus maiores que a SARS ou o Ebola, entupa nossa caixa postal com spam, fique à mercê dos malvados hackers ou – pior – nos roube o número do cartão de crédito.

Esse medo nos faz ter um orgulho ingênuo e infantil em pensar que, no íntimo, poderíamos até viver muito bem sem computadores. E nos faz ter vergonha de, para eles, não sermos nada mais que reles usuários.

Mas quem é esse tal usuário? Usuário, no meu tempo, é quem usava drogas. Provavelmente no seu também. Talvez por isso se diga tanto que algumas pessoas estão viciadas em internet. Honestamente, isso é ridículo. É como dizer que alguém está viciado em falar. O usuário é uma pessoa comum, como nós, a quem é oferecido um poder formidável, e que não sabe muito bem o que fazer com isso, pois no fundo, é uma pessoa simples, que gosta de coisas simples, como amigos, família, conforto. Como uma bela menina de 14 anos, que não faz a menor idéia do fascínio que causa em velhos de mais de 30 e até tem um bocado de medo deles.

O usuário não quer saber de MMS, Bluetooth, WiFi, P2P ou outros bichos. Essa profusão de nomenclaturas o deixa confuso, perdido. O que ele quer é alguém para conversar, uma boa sugestão de presente, uma dica bacana de restaurante, um hotelzinho na praia para o feriado. Pensando bem, todos nós conhecemos muito bem os usuários de tecnologia digital: eles são nossos irmãos, sobrinhos, tias, aqueles sujeitos que conhecemos no aeroporto, aquele que nos fechou o carro no trânsito. Será que é tão difícil fazer comunicação para eles?

Acredito que não. Mas para isso é preciso conhecer as armas usadas e seu poder de fogo. Na maior parte das vezes, a tecnologia é a resposta para uma pergunta que ninguém fez. E o melhor que pode ser feito é descobrir como usá–la como ferramenta para se conseguir os melhores resultados sem que isso implique em uma nova curva de aprendizado (pode parecer óbvio, mas a maioria das empresas faz exatamente o contrário e acaba por vender cada nova tecnologia como uma panacéia, desconsiderando os custos e a habitual decepção do consumidor).

A resposta normalmente não está em uma nova técnica, mas exatamente no contrário. Não é difícil lembrar do estardalhaço com que todos os produtos e serviços viraram “e–”, só para depois perceberem que não adiantava nada ser eletrônico se a entrega não fosse significativa.

Hoje as ações eficientes de marca no mundo digital passaram a escutar o usuário e estão trocando de prefixo: mudam de “e–” (eletrônico, focado na tecnologia) para “i–” (interativo, focado na relação). É um bom começo. Mas essa interação ainda se dá com base no que a empresa tem a oferecer, não no que o usuário realmente quer. Pois só quando o prefixo for “u–” (usuário, ou em inglês, you, focado no que o consumidor realmente quer) é que teremos uma fidelidade e confiança efetivas. De certa forma, é isso o que serviços como o Google fazem hoje.

Está nascendo uma cultura popular digital. Nós somos as suas tias, acostumados com Jeannie é um Gênio e achando que isso é televisão. Os novos Spielbergs estão agora em casa, sujando fraldas ou jogando videogames e não se preocupam com o que vem pela frente. Nunca teremos sua visão, mas podemos estar preparados para eles. [Webinsider]

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<strong>Luli Radfahrer</strong> (luli@luli.com.br) é professor de comunicação digital, publicitário e autor dos livros ?Design/web/design?, ?Design/web/design:2? e ?A Arte da Guerra Para Quem Mexeu No Queijo Do Pai Rico?.

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2 respostas

  1. O pior realmente é perceber que não iremos vê-lo. Saber que não será capaz de dizer o que se passará na Terra nos próximos 100 anos. PQ vc não estará mais aqui. Já terá morrido há alguns anos,e os novos Spielbergs lançarão uma nova ultra-super-nova idea e o mundo seguirá seu rumo. Não sei, acho péssimo chegar anos depois da festa, tá certo que viemos em uma época divertida, a mais divertida das conhecidas, contudo, que passagem +++ transitória! Sairemos de cena antes do fim do espetáculo e isso não é legal. Sei lá… fica uma curiosidade.E uma certa inveja. Dos que ainda estarão por aqui.
    Parabéns pelo texto!ótima inciativa!

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