Quando a empresa é inimiga da usabilidade

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Olá! Volto ao bom e velho tema da gestão das empresas e da sua relação com as interfaces – um dos assuntos abordados em minha dissertação de mestrado para a PUC–Rio, que analisou o diálogo entre usuários e organizações na web.

Sabe–se que não são poucas as vezes que um projeto de interfaces reflete a estrutura gerencial existente, com impactos desastrosos. Estruturas organizacionais obsoletas – tipo as excessivamente verticalizadas e burocratizadas -, não contribuem em nada para o saudável fluxo de informações e de idéias e podem representar sérios obstáculos para o adequado projeto da interação humano–computador. Você já trabalhou em uma organização assim?

Arquitetos de informação e designeres visuais já começam a suspeitar que as políticas internas das organizações ou as preferências individuais de executivos influentes tornam–se, algumas vezes, mais importantes do que as diretrizes estritamente técnicas, na determinação do sucesso ou do fracasso dos sistemas interativos.

Vamos dar um exemplo: casos em que a chamada “média gerência” (aquela casta do escritório que balança entre o staff diretor e a peãozada) se sente ameaçada por um novo sistema que se propõe a mostrar informações, em tempo real, aos gerentes sêniores e tenta provocar o seu fracasso (consciente ou inconscientemente) atrasando, comprometendo ou simplesmente barrando o fornecimento de informações.

Leia o testemunho de um amigo: “Eu trabalhava em uma grande instituição, como webmaster. Uma das minhas tarefas era atualizar informações que saíam no portal internet e que eram lidas pelos membros do conselho e pela imprensa. Para isso, eu dependia do fornecimento de textos aprovados pelo chefe de assuntos institucionais, que não gostava que eles fossem divulgados na web antes de sair no house–organ tradicional, que era a “sua praia”. Como este dependia de licitação para ser impresso, o atraso total poderia chegar a uns dois ou três meses.”

Segundo SHNEIDERMAN (1998), os projetistas de interfaces devem solicitar a participação dos usuários de modo a assegurar a explicitação dos problemas – cedo o suficiente para neutralizar esforços contraprodutivos e resistências às mudanças que venham a surgir dentro das empresas.

Entre os fatores que inspiram a integração de métodos de usabilidade às organizações, MAYHEW & BIAS (1994) citam: um forte advogado interno, um desastre com alta visibilidade, a percepção da concorrência, a demanda do mercado etc.

Algumas vezes, um único indivíduo pode assumir o papel de agente de mudanças. Ele pode estar em qualquer nível hierárquico: desde um coordenador de projetos que decide contratar especialistas em usabilidade até um vice–presidente de pesquisa e desenvolvimento, que decide fazer da usabilidade o seu “território organizacional”. Nesses casos, a visão de um único indivíduo poderia motivar as mudanças gerenciais necessárias.

Estruturas organizacionais gangrenadas apresentam obstáculos para o desenvolvimento de uma boa interface com o usuário. Não são poucas as vezes em que o projeto de interface reflete a organização existente, com impactos nefastos sobre a comunicação com os usuários. Em outros casos, a organização existente direciona as decisões de design.

Mais um exemplo: programas de processamento gráfico e de textos podem ser separados em diferentes aplicativos (em vez de integrados entre si) porque diferentes departamentos foram incumbidos dessas funções. Bancos de dados e sistemas de ajuda online podem ser implementados de modo separado porque grupos com competências profissionais especializadas são divididos, em termos de gerenciamento de equipes.

Nos grandes projetos, pode ser mais fácil obter dinheiro para contratar programadores extras se a sua função for separada, em vez de integrada à dos designeres visuais, por exemplo. Equipes são normalmente organizadas de modo a facilitar o comando, o controle e a divisão técnica do trabalho. Conseqüentemente, as interfaces tendem refletir essa organização, mas a eficácia dos resultados é duvidosa.

Como sabemos, é mais fácil gerenciar grupos funcionais do que uma equipe coordenada. Nesses casos, a facilidade da gerência e a divisão do trabalho se sobrepõe ao objetivo maior de se atingir a comunicação eficaz com o usuário.

Há organizações que impõem distâncias proibitivas entre os usuários e os desenvolvedores, com o intuito de defender o status quo. As separações – políticas, culturais, organizacionais ou geográficas – entre os dois grupos (usuários e desenvolvedores) podem impactar a comunicação estreita que otimiza os requisitos essenciais às boas interfaces.

Os arquitetos ROSENFELD e MORVILLE (1998) afirmaram que, devido às suas características intrínsecas, o design de portais institucionais e de intranets pode envolver uma forte disputa política. Os seus resultados influenciam o modo como os clientes percebem a empresa, os seus departamentos e os seus produtos. Para os dois autores, em alguns casos, deve–se simplesmente focalizar o que é melhor para os usuários (a facilidade de uso, por exemplo). Em outros casos, mais delicados, devem–se alinhavar e aceitar compromissos de modo a evitar grandes conflitos – um equilíbrio de interesses entre as diferentes partes e visões envolvidas.

Apesar das dificuldades comumente existentes, nas organizações e nas empresas, os setores de marketing e os serviços de atendimento aos clientes estão se tornando mais conscientes da importância das interfaces e são uma fonte de encorajamento construtivo para deflagrar mudanças pela usabilidade, acredita SHNEIDERMAN (1998). É que, quando diante de produtos competidores de funcionalidades equivalentes, as técnicas de usabilidade tornam–se determinantes para a aceitação do produto pelos clientes e usuários finais. [Webinsider]

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Referências

AGNER, Luiz C. Otimização do diálogo usuários–organizações na World Wide Web: estudo de caso e avaliação ergonômica de usabilidade de interfaces humano–computador. Rio de Janeiro, 2002. (Dissertação de Mestrado). Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de Design. PUC–Rio, 2002.

MAYHEW, Deborah J.; BIAS, Randolph. Organizational inhibitors and facilitators. In: COST–justifying usability. San Diego, CA: Academic Press; M. Kaufmann, 1994, p. 287.

ROSENFELD, Louis; MORVILLE, Peter. Information Architecture for the World Wide Web. Sebastopol, CA: O’Reilly; 1998. 464p.

SHNEIDERMAN, Ben. Designing the user interface; strategies for effective human–computer interaction. 3. ed. Chicago: Addison Wesley; Nova York: Longman, 1998, 639 p.

KOTTER, John. Liderando mudança. São Paulo: Campus, 1999. 188 p.

Luiz Agner (luizagner@gmail.com) é doutorando em Design pela PUC-Rio e programador visual do IBGE

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