A delegação de tarefas e a gestão do conhecimento

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É comum gerentes não refletirem a delegação como prática essencial de alocação de recursos. Por esta razão muitos deles acabam não colocando o melhor conhecimento em ação. Com relativa freqüência não percebem o quanto é importante a constatação prévia de conhecimentos, competências, habilidades e experiências, antecedendo decisões e aos processos de delegação. Você já parou para pensar sobre isso em sua empresa?

A importância da delegação é inquestionável para aqueles que se preocupam com a gestão do conhecimento. Contudo, nunca li nada que relacionasse os processos de delegação à gestão do conhecimento e muito do que encontrei sobre delegação não aborda questões e aspectos qualitativos relacionados.

Ainda que delegar seja transferir o poder a outro para realizar, a essência da delegação na prática está longe de incorporar a transferência das condições para tal. É muito provável que você nunca tenha parado para pensar sobre os prejuízos reais das empresas associados a falhas de delegação, ou seja, erros de escolha e de engajamento dos talentos para os desafios.

Erros de delegação são, antes de tudo, falhas na gestão dos recursos. Logo, evitá-los deveria ser uma preocupação gerencial de maior atenção. O que determina a importância do que é delegado não é a quantidade ou complexidade do que é delegado, mas sim o valor corporativo daquilo que é delegado.

Podendo assumir similar importância e valor estratégico, existem dois tipos básicos de delegações: a do tipo pontual, onde a delegação é transferida uma a uma pelos superiores funcionais, e a do tipo inerente, em que a delegação é transferida automaticamente como conseqüência direta do cargo, posto, processo, fluxo de trabalho, poder ou função que o ?delegado? ocupa na empresa. Independentemente do tipo de delegação, a revisão do que é delegado e do resultado delas deve ser constante.

Vários profissionais com quem conversei sobre este assunto relataram experiências e decepções nessa área. Apesar de demonstrarem não gostar de falar sobre o assunto, alguns deles reconhecem que já falharam pelo menos uma vez na escolha daquela que parecia ser a pessoa mais indicada para a tarefa ou desafio. Claro que não só as competências devem influenciar ou determinar as escolhas ou mesmo o sucesso das delegações. Muitas outras circunstâncias acabam determinando o que será delegado, a quem e com qual êxito.

As causas mais citadas como causadoras dos erros de escolha foram:

? falta de conhecimento sobre a real potencialidade dos talentos
? subestimar a complexidade que cercava o desafio
? pouco envolvimento de pessoas, que embora tivessem passado por treinamentos formais não se encontravam devidamente preparadas para os desafios
? decisões apressadas e prematuras motivadas por pressões de todos os tipos
? falta do estudo exaustivo das alternativas de busca por talentos
? falta de uma interpretação clara dos requisitos e perfis adequados aos desafios
? falta de tempo e ou recursos para processos seletivos novos
? superestimação do talento.

Além das causas apontadas, é interessante ressaltar que o custo da delegação errada quase sempre é maior do que o tempo e o preço que se levaria para planejá-las e conduzi-las mais adequadamente à luz do conhecimento. Na verdade, muitas empresas investem milhares de reais anualmente no potencial humano. Contudo, despejam este esforço na lata do lixo quando delegam atividades e desafios para pessoas inadequadas.

Probabilidades da delegação

Em relação aos defeitos da delegação para os propósitos da gestão do conhecimento, gostaria de enfatizar quatro possibilidades básicas:

A ? Serviço certo (tarefa, projeto, responsabilidade, atividade etc.) para a pessoa certa.
B ? Serviço errado para a pessoa não preparada.
C ? Serviço errado para a pessoa certa.
D ? Serviço certo para a pessoa não preparada.

Entenda-se por ?serviço certo? as atividades alinhadas com a estratégia e que agreguem valor ao negócio. Entenda-se por ?pessoa certa? a pessoa competente, com potencial, experiência, habilidades e conhecimentos favoráveis à execução da atividade ou tarefa delegada. A pessoa certa é também aquela cuja realização dos trabalhos delegados traz satisfação e realização profissional.

Só a probabilidade A é capaz de decolar, prosperar e produzir bons resultados no ?time? da competitividade. O êxito estratégico com produção e aplicação do saber só é atingido com os serviços certos para as pessoas certas.

Se olharmos para os riscos resultantes dos modelos perversos (B, C e D) em relação à prática e coerência em gestão do conhecimento, teremos:

Probabilidade B (serviço errado para a pessoa não preparada). Como riscos associados ao profissional, teremos constrangimento, falta de realização, desmotivação, refúgio em esconderijos, ausência de aprendizagem etc. Como riscos associados à empresa, teremos falta de resultados efetivos, dispersão de esforços e desperdício de recursos.

Probabilidade C (serviço errado para a pessoa certa). Como riscos associados ao profissional, teremos baixa motivação, baixo comprometimento, desempenho insatisfatório, frustração etc. Como riscos associados à empresa, teremos evasão e perda do talento, desperdício de potencial humano de valor, desperdício de recursos com potencial.

Probabilidade D (serviço certo para a pessoa não preparada). Como riscos associados ao profissional, teremos sentimento de impotência, insatisfação profissional e frustração. O profissional pode nem perceber que está despreparado e gastar muito tempo procurando ajuda, etc. Como riscos associados à empresa, teremos uma atividade nobre não executada a tempo ou ao contento, perda de time-to-market, de resultados, clientes, oportunidades etc.
O que fazer?

As probabilidades C e D requerem atenção emergencial e prioritária da gestão. A solução para os casos detectados no modelo C seria a alocação do recurso para um serviço estratégico de valor para a empresa e para o profissional.

A probabilidade D requer uma ação no sentido de passar o serviço certo para a pessoa certa, ajustando as necessidades da empresa à realização pessoal.

As pessoas encontradas na probabilidade B podem ser reavaliadas e destinadas a programas de reseleção, recapacitação (T&D) e demitidas em casos extremos.

Benefícios atingidos nas delegações do tipo A

Como benefícios ao profissional e à empresa no caso de serviço certo para a pessoa certa, destacamos realização profissional, crescimento, satisfação pessoal e maiores chances de ascensão e carreira. E também mais resultados, mais aprendizagem, mais empowerment, mais motivação e satisfação.

Quem atingiria excelência operacional, intimidade com o cliente, liderança por produto ou qualquer outra façanha, sem o empenho e a predominância de pessoas nas delegações do tipo A?

Delegação pontual

Com freqüência vejo executivos sobrecarregados. Em função disso, acabam delegando o tratamento de assuntos importantes a outras pessoas da empresa e abrem mão de participar de encontros interessantes que seriam muito mais produtivos a partir da presença deles. Muitos destes subestimam a importância das ofertas de valor dos fornecedores e desprezam as oportunidades de idéias que normalmente afloram nestes encontros.

Por várias vezes atuei na seleção de soluções de tecnologia da informação em grandes empresas e sempre mantive forte relacionamento com parceiros e fornecedores do mercado. Nestas companhias sempre consegui produzir boas idéias em seções de demonstração de produtos e a partir de entrevistas com candidatos às vagas de trabalho. Aprendi muito e jamais abri mão de ouvir o que eles tinham a me dizer sobre o mercado, suas idéias, produtos, soluções, experiências e planos. Sempre ganhei muito com esta postura. Embora o tempo também me seja escasso, sempre reservo uma parte dele àqueles que se propõem a apresentar inovações, idéias ou projetos interessantes (colaboradores, fornecedores, parceiros etc).

Muitas vezes, a presença de algumas destas palavras (inovação, novidade, solução, idéia) no discurso me bastavam para agendar uma reunião de no mínimo 45 minutos com aqueles que me procuravam. Ainda que abordado por e-mail, sempre os lia com ânsia de encontrar boas oportunidades e preciosidades a partir de potenciais encontros promovidos.

Freqüentemente executivos e gerentes são convidados para participar de eventos potencialmente ricos, capazes de gerar resultados muito além dos propósitos iniciais e reuniões cheias de idéias e oportunidades. Devidamente autorizadas, muitas secretárias acabam decidindo o destino destes eventos e reuniões, filtrando abordagens e contatos, muitas vezes indicando, outras pessoas para participar em lugar dos seus diretores.

Será, por exemplo, que ao evitar que o diretor tome conhecimento de uma oferta ou solução, a secretária faz o melhor para a empresa? Ao indicar outra pessoa para avaliação das ofertas estará fazendo o melhor para o diretor e não o melhor para a empresa? Embora os resultados destas escolhas trocadas e decisões muitas vezes não se tornam conhecidas da empresa, não é difícil concluir que algumas delas podem gerar conseqüências terríveis.

A intenção aqui não é criticar a atuação das secretárias e sim evidenciar uma atuação que pode estar resultando em delegações erradas pelo não envolvimento dos executivos em encontros importantes, incorrendo em reuniões menos produtivas e com prejuízos ao surgimento de idéias relevantes. A proposta é repensar este tipo de atuação e a própria delegação no contexto da gestão do conhecimento.

O efeito da delegação neste exemplo é duplo: executivos delegam às suas secretárias a tarefa de filtrar aquilo que é importante para eles e para suas empresas. Algumas secretárias a partir de suas experiências (e não dos executivos) e orientações, ?julgam? os contatos, as ofertas, as correspondências e os e-mails e interferem nos encontros, definindo o descarte, o encaminhamento, o curso e o destino dos eventos produtores de idéias e inovações.

Muitas vezes decidem em lugar dos executivos quem falará com fornecedores ou com parceiros potenciais. Além de não caracterizar sua atribuição, será que elas se encontram prontas para julgar o real valor das ofertas? Quando o assunto envolve uma oportunidade de inovação, quem melhor poderia avaliar e tratar o tema? Quem de fato deveria estar presente em cada reunião sugerida?

Ao se ausentar das reuniões e contatos produtivos, os executivos não estariam de certo modo abrindo mão da vasta experiência que possuem e delegando a outros uma responsabilidade peculiar, chamada geração de idéias e insights? Como podem delegar a outros o que ninguém conseguirá reproduzir em lugar deles?

Ainda que visíveis ou invisíveis, os resultados das delegações erradas prejudicam em muito o desempenho e o êxito organizacional. Os resultados destes encontros e as expectativas dos executivos ausentes quase sempre deixam de ser atingidos por razões como:

1- Os profissionais distantes das realidades estratégicas muitas vezes acabam não tendo uma visão ampla sobre as necessidades e planos da empresa, distanciando também a produção de contextualizações positivas.

2- Os profissionais isolados em seus departamentos tendem a analisar as novidades apresentadas sobre o viés da sua área de atuação.

3- As inovações podem conflitar com interesses pessoais. É comum verificar funcionários que, por medo, evitam mudanças no “status quo”. Funcionários podem condenar inovações bem interessantes à empresa se vistas como ameaças pessoais.

4- As inovações podem gerar mudanças radicais. Quem estará disposto a acabar com a própria área ou processo, ainda que isto represente uma melhoria fundamental para a companhia?

Hoje não somente as secretárias filtram abordagens e evitam encontros promissores. Os servidores de e-mail são configurados para bloquear não só mensagens intrusas, como também ofertas de valor e oportunidades ímpares em contextos de negócios atuais.

Será que parar para ouvir boas idéias deixou de ser considerada uma boa prática para os executivos? Por trás do tempo escasso e em prejuízo do conhecimento e de sua gestão efetiva, muitos profissionais diariamente acabam delegando tarefas próprias e muitas oportunidades geradoras de insights (situações e atuações).

Delegando o impossível

A constatação interessante é que muito pode e deve ser delegado nesta vida, exceto a geração de insight. A capacidade em produzi-los é intransferível. Se você coloca alguém em seu lugar para uma experiência, seja ela uma demonstração, um trabalho, uma entrevista ou uma reunião, a pessoa escolhida poderá ter boas idéias. Contudo, raramente terá as idéias e os insights que você teria.

Não estou defendendo uma atuação centralizadora, pois também é contrária à gestão do conhecimento. Muito menos estou apoiando a participação exclusiva dos executivos nas oportunidades que dão origem ao conhecimento, idéias e inovações interessantes. Em benefício do conhecimento e de sua gestão, os executivos devem participar com os seus colaboradores nos processos criativos, incluindo reuniões com promessas de entrega de valor. Estas são ótimas oportunidades para compartilhar conhecimentos, expectativas, realidades, idéias e etc, outra boa razão para que os executivos não se ausentem delas. Além disso, um insight mais outro insight quase sempre é mais do que dois insights.

Você acredita que é possível delegar insights?

Tudo ao nosso redor produz faíscas e nossos cérebros têm caixinhas de pólvoras prontas para explodir e produzir bons insights. Na verdade, nossa experiência de vida e os nossos interesses moldam e embalam estas caixinhas de pólvora e ao mesmo tempo fazem produzir as faíscas que determinam se haverá queima e produção de idéias. Ou não.

Entre as muitas ações coerentes em gestão do conhecimento, duas delas são cobrar e reconhecer a produção de idéias, não se ausentando jamais da responsabilidade de fazê-las surgir. Profissionais em qualquer função, mas principalmente um executivo, devem sempre se lembrar que a experiência acumulada os habilita a vivenciar momentos impares para a criação de insights em oportunidades e ocasiões únicas que talvez nunca se repitam.

Se todos os profissionais pudessem enxergar os insights represados, aqueles prontos para explodir e também àqueles que deixaram de produzir por se ausentarem de lugares que deveriam estar e por abrirem mão de reuniões que deveriam participar, eles não acreditariam e muitos ficariam surpresos com o alto volume deles. Infelizmente, nós jamais conheceremos aqueles insights que evitamos, desperdiçamos e ou negligenciamos.

Entregar a outro a responsabilidade pela criação de insights em seu lugar pode ser comparado a um desperdício sem proporções. Jamais delegue a outro a sua capacidade de produção de insights. Seus insights só serão produzidos em você por você mesmo. Não abra mão deles e se abrir, tenha consciência dos prejuízos que pode estar causando a sua empresa e a você mesmo.

Um funcionário que se ?recusa? a participar do processo criativo e negligencia a produção de insights raramente será acusado por isso. Todavia corre o risco de jamais ser reconhecido, entre outras coisas, como um produtor de boas idéias. A indicação de substitutos, em alguns casos, pode significar abrir mão da produção de idéias, resultando no mesmo que delegar a outro algo que jamais será realizado.

Pense sobre estas questões sempre que tiver que transferir uma tarefa, promover, contratar alguém ou mesmo quando lhe convidarem para ver algo interessante. Jamais despreze oportunidades de valor, pois em muitos casos só você terá condições de torná-las de valor de fato. [Webinsider]


Referência bibliográfica

Gestão do Conhecimento – Estratégia Competitivas para a Criação e Mobilização do Conhecimento na Empresa
Autor: Saulo P. Figueiredo
Editora: QualityMark
Edição: 2005

Saulo Figueiredo (sfigueiredo@soft.com.br) é Pós-graduado em Engenharia da Informação, professor de Pós Graduação e Consultor da Soft Consultoria. É autor do livro Estratégias Competitivas para a Criação e Mobilização do Conhecimento Corporativo lançado pela editora QualityMark e co-autor do Livro Gestão de Empresas na Era do Conhecimento lançado em Portugal.

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6 respostas

  1. As accoes aqui lidas acontecem no dia a dia dos gestores estes encontram se numa situacao de luta por o que fazer para o futuro.

    Lucia

  2. Nas adversidades, adquirimos conhecimentos e habilidades antes desconhecidas em nosso perfis. Portando boa vontade, coragem e determinação pode fazer com que os profissionais encarem as tarefas de frente, optando em aprender e dar o melhor de si sempre.

  3. Se todos os textos que eu lesse me permitisse aprender tanto, certamente eu participaria de pouquíssimos cursos.
    Parabéns ao autor !
    Penso que a delegação deve ter por premissa a real necessidade em razão de melhorias a serem obtidas. Sugiro uma análise de custo x benefício, entendendo-se aqui que o custo não é somente o financeiro. Vivenciar, seja da mais simples à mais complexa tarefa, é acumular experiências que não se transmitem por relatórios.

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