O deslocamento da libido para o social e a mídia

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O telefone da Redação de uma emissora de tevê toca insistentemente. Do outro lado, uma voz ansiosa.

“É o seguinte: tem um vizinho ameaçando a minha família. Ele bebe muito, não gosta do barulho das crianças. Discutimos várias vezes e agora ele ameaça invadir minha casa. Vocês podem mandar uma equipe pra cá?”

O jornalista, surpreso, dividindo a atenção entre a conversa e o texto incompleto, teve calma suficiente para perguntar:

– Você chamou a polícia?

– Polícia?! Não, ainda não!

– A gente só faz reportagem e registra o que está acontecendo. E se ainda você corre perigo de sofrer uma agressão, tem que chamar a polícia.

O diálogo, rigorosamente verdadeiro, é mais um pequeno exemplo da importância da mídia, no dia–a–dia das pessoas. Batendo na mesma tecla, mas em outro tom, é importante refletir sobre o papel e a função dos veículos de circulação e comunicação de massa.

E para cada um de nós, como fica a função da mídia dentro de nossas cabeças? Até que ponto mexe com a nossa privacidade? Com as referências familiares e sociais?
O que se sabe é que todo dia estamos “respondendo” de alguma forma aos estímulos, propostas e “ordens” dessa indústria cultural – especialmente a tevê – que nos induz a adotar um novo bordão (lembra dos bordões que Jô Soares e Chico Anysio criaram ao longo dos anos?) ou utilizar um tipo de roupa, de carro. Sem contar, os modismos criados pelas telenovelas, que se infiltram subliminarmente no inconsciente. Basta observar como as tramas da novela das oito da Globo acabam sendo referência para pessoas que vivem problemas semelhantes aos dos protagonistas.

Novela com muita separação de casais, por exemplo, é batata. Logo, logo, uma porção de gente acaba indo pelo mesmo caminho. Quantos divórcios ou desquites, não teria provocado na época “Malu Mulher”, por exemplo, que escancarou a justa bandeira dos direitos femininos? Daí a tentativa (não aceitável) de controle político do veículo por todos os governos por causa da eficiência do sistema audiovisual.

Já pensou usá–lo para fazer uma “revolução cultural” no País, com programas educacionais? Quem gosta desse assunto, não pode deixar de ver o filme “Boa Noite, Boa Sorte”, dirigido pelo ator George Clooney, que mostra a importância de uma equipe de jornalistas da CBS, liderados pelo âncora Ed Murrow, na luta contra o famigerado senador Joseph McCarthy, que via comunistas em todo lugar.

José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, – que durante décadas implantou a Rede Globo e criou o exaustivamente copiado “padrão Globo de qualidade” – é um dos poucos homens de mídia que sabia exatamente o que estava fazendo: “condicionando” platéias e cativando audiências.

Plim…Plim… associa a imagem da Globo, com som marcante, cores quentes, tal qual um Pavlov moderno, que se socorreu em Skinner também (conscientemente), para gerar comportamentos desejados. A emissora sempre procurou cumprir o que prometia para não frustrar o telespectador. Prometia um presentinho e sempre dava para criar hábito e dependência. O telespectador, é bom lembrar, é bombardeado também pelos técnicos de publicidade, que associam os produtos em promoção nos comerciais a imagens prazerosas (comida, sexo, belas paisagens) para aumentar o consumo.

Vance Packard, no clássico, “Arte de Convencer”, explica como é possível a pessoa comprar um refrigerante ou uma marca de cerveja induzido, inconscientemente, pela carência de carinho, sexo ou poder. Atualmente, a publicidade vende também a inclusão social e os segundos de celebridade.

O próprio Boni acreditava que os modismos criados pela TV eram temporários e não ameaçavam a “integridade” dos telespectadores. Será?

A coisa se complica quando a gente aprofunda um pouco mais o papo e verifica que a mídia tem tudo para ocupar um dos conceitos que a Psicanálise chamou de “constelação familiar”. A TV pode tomar o lugar, na mente das pessoas, do pai, mãe ou parentes íntimos?

Teses de especialistas mostram que entre as mudanças ocorridas nas famílias a partir dos anos 60 está a perda do seu poder regulador, da privacidade do casal e o que é mais preocupante: há uma hipótese de que a mídia passa a ter função de juízo crítico.

E por aí vai: nos anos 70 a publicação da intimidade familiar e de lá para frente, veio a publicação da vida íntima, privada e particular. É uma coisa complicada, para especialistas que acreditam no deslocamento da libido para o social e os meios de comunicação… Com a chegada da internet então, surge mais uma tecnologia a se apropriar das atividades imaginárias.

Da próxima vez que assistir TV, mexer no computador, desconfiar de uma manchete esquisita, não se esqueça, portanto, de que nem tudo é o que parece. Principalmente no mundo encantado das mídias. [Webinsider]

Rubens Zaidan é jornalista e radialista, com especialização em Jornalismo Científico, e membro da comissão multidisciplinar Psicanálise e Comunidade, da Sociedade Brasileira de Psicanálise em Ribeirão Preto.

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4 respostas

  1. Oi Rubens, parabéns pelo texto. Sugiro que leia os seguintes livros: A justiça em ondas médias: o programa Gil Gomes. Campinas: Ed. Unicamp, 1992. Análise do programa policial Gil Gomes. O outro é Vida, o Filme de Neal Gabler onde ele faz uma análise da tênue linha divisória entre real e imaginário. Tem também televisão subliminar de Juan Ferres.

    Eu também escrevo para o webinsider, veja meu último artigo que também trata deste tema:

    http://webinsider.uol.com.br/index.php/2009/01/09/o-falo-semiotico-como-recebemos-os-discursos/

    Abraços

  2. MUITO INTERESSANTE O ARTIGO E A PROPRÓSITO A TV NÃO SÓ TOMA O LUGAR DO SELF COMO NOS REMETE TAMBÉM Á MODELOS DE FAMÍLIA, POR EXEMPLO DE BRAD PITT E SUA MUSA ANGELINA JOLIE. UM NOVO PADRÃO DE FAMILIA BASEADO NA TRILOGIA STARS DE HOLLYWOOD. PRÉ-HUMANOS ADOTADOS DOS PAÍSES EM CONDIÇÕES HUMANAS DEPLORAVÉIS FAZEM PARTE DESSA NOVA FAMILIA, CADA UMA DELAS, TEM UMA ÉSPECIME EM SEU MINI ZOO-HUMANO.

  3. Artigo de excelente qualidade. Me espanta ser eu, após mais de dois anos da publicação do mesmo, o primeiro a comentá-lo. Rubens Zaidan argumentou sob a luz de ciências psicológicas e eu gostaria de contrubuir ao mesmo modo. O conceito de representação social não diz respeito apenas as idéias presentes na atmosfera social, mais profundo ainda, são as representações que nos permitem aproximação da realidade. Tais idéias, quaisquer que sejam, então, conduzem de fato o pensamento e a atuação cada indivíduo que existe. Há uma saída para essa torrente de manipulação. Essa saída compreende uma busca épica por aquilo que atende por autonomia.

    Agnaldo Bartho
    agnaldo.bartho@gmail.com

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