A criação do Overmundo e algumas decisões envolvidas

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Tive o prazer de participar da coordenação do desenvolvimento do site Overmundo através da Tecnopop, que recebeu uma RFP (request for proposal) do pessoal que coordena o Overmundo (Hermano Vianna, Ronaldo Lemos, José Marcelo Zacchi e Alexandre Youssef). A partir dela desenhamos a proposta que nos parecia a mais interessante e completa para o projeto. Ao fim a nossa foi a escolhida, dentre as agências consultadas.

Concebido originalmente por um pessoal com grande conhecimento da economia digital e das questões ligadas a ela (Ronaldo, por exemplo, é professor e um dos principais especialistas em direito na internet no Brasil, além de líder do projeto Creative Commons no país), o projeto trouxe grandes desafios. Os desafios vieram por conta do porte, da complexidade e da relevância do projeto, do qual o site é apenas o principal canal.

O primeiro foi o de não cair na tentação do abuso da tecnologia. O fato de ser um site pioneiro de web 2.0 no Brasil fez com que algumas pessoas entendessem que deveria ou poderia funcionar como laboratório tecnológico em que entram todas as novidades em tecnologias para a web, mas não é este o propósito.

O site tem objetivos culturais acima de tudo. Deste modo, toda a tecnologia empregada deve estar voltada para atingir estes objetivos, mas tendo em vista também, é claro, a melhor experiência do usuário.

Onde estão as referências?

Um segundo desafio foi o de trabalhar num projeto completamente novo: apesar de haver referências pontuais desejadas em relação a um ou outro aspecto do projeto (principalmente o Collective da BBC e o OhMyNews, no ínicio), não havia um modelo total pré-determinado por outro projeto pré-existente. Assim, foram meses de pré-projeto, discussões e desenvolvimento no papel, até chegarmos ao modelo atual, ao qual incorporamos idéias de inúmeros outros projetos, como se vê na página de créditos do Overmundo.

São influências pontuais e visam diretamente os objetivos do site, que é um projeto complexo em relação ao conjunto de conteúdos: matérias, produtos culturais, guias culturais de cidades, agenda cultural, blogs, fóruns, tudo produzido pelo próprio público e com uma licença Creative Commons.

Há idéias importantes aproveitadas de outros projetos, como o modelo de sala de edição e sala de votação com tempos pré-determinados, que foi mais ou menos inspirada no Kuro5hin.org e parecia mais apropriada para receber, editar e filtrar os textos de forma colaborativa. Já o esquema de votações rápido, com um único botão, se inspirou no sistema de votações do Digg, apesar de a lógica de exibição de overpontos ser bastante distinta da exibição de votos do Digg.

Entrada de dados

Trabalhar onde as principais entradas de dados são feitas diretamente pelo próprio público foi ainda outro desafio. Era um modelo novo para nós, onde em vez de uma interface administrativa de um publicador protegido por senha/https, temos quase só interfaces públicas e alteradas conforme o contexto do usuário.

A entrada de dados pública trouxe também inúmeras implicações de regras de negócios, de usabilidade, de políticas do próprio site, além de questões legais e de direitos autorais. E, logicamente, de segurança também.

Dois meses depois de lançado o site, estamos começando a abrir mais a comunicação entre usuários, e abrindo mais informações do perfil de cada um, no sentido de aumentar as trocas entre eles e estimulá-los a convidar mais usuários. Talvez seja um passo na direção de um Orkut dentro do Overmundo, mas fazer um software de rede de relacionamento não é o nosso objetivo. Cultura tem tudo a ver com relacionamento, mas não se pode inverter as prioridades.

Organizando o conteúdo

O Overmundo emprega um cruzamento de tags livres e tags obrigatórias, coisa que eu nunca havia visto e que nos pareceu necessária para a organização do conteúdo. Por exemplo, você é obrigado a vincular um determinado conteúdo a um estado e uma cidade brasileira e também a uma grande categoria (como música ou cinema, por exemplo, dependendo do tipo de conteúdo). O resto são tags digitadas livres. Para quem está lendo aparecem apenas tags. Pode-se descrever como uma folksonomia não tão democrática assim, pois força o usuário a um mínimo de pré-organização, facilitando a localização posterior do conteúdo.

Em breve, de qualquer forma, todas serão acessíveis por URLs amigáveis, como http://www.overmundo.com.br/tag/rock, não só para tornar mais visível a taxonomia, mas também por questões de indexação em mecanismos de busca.

Software livre

Naturalmente, pela natureza da proposta do Overmundo, havia desde o início a recomendação de evitar o uso de software comercial. Como já trabalhamos regularmente com LAMP, para nós foi ótimo. Em 2000 eu coordenei o desenvolvimento do Cliquemusic, outro grande site de cultura todo desenvolvido em plataforma Microsoft, o maior banco de dados de biografias e discografias da música brasileira. Não houve problemas, mas o custo dos ambientes de desenvolvimento e de produção era grande e hoje não vejo porque voltar à plataforma Microsoft.

Estas plataformas livres têm custo reduzido, comunidades ativas que se ajudam, além de código livre e maduro à vontade que pode ser incorporado em diversos pontos do desenvolvimento.

Uma série de ferramentas que foram importantes no desenvolvimento do site só poderiam ter sido implantadas rapidamente neste contexto: nosso sistema de controle de versão (Subversion), nosso bugtracker (Mantis) e até o wiki (MediaWiki) usado pra documentação da política editorial e de estilo do site.

Aliás, o controle de versão com o Subversion é um assunto à parte: ele vem viabilizando o trabalho remoto e a colaboração em níveis não imaginados antes ? mas isso é assunto pra um artigo inteiro, não cabe aqui.

Design

Por um lado, já havíamos chegado a um acordo com o cliente em relação ao fato de que o site deveria ter um visual extremamente leve, sem maneirismos: HTML puro, uso extensivo do branco, simplicidade etc. Mas como definir a linguagem visual de um projeto que pretende abarcar todas as culturas de todo o Brasil? Como descrever ou representar tudo isso?

A solução foi usar o mínimo de grafismo e de imagens, fora o próprio conteúdo do site, privilegiando a tipografia e ressaltando a facilidade de leitura e tornando possível um site quase todo baseado em CSS. Assim, o texto e as imagens do próprio conteúdo podem falar por si.

Pessoalmente, prefiro usar tipos grandes para hierarquizar claramente o conteúdo. Além disso, muita gente simplesmente não consegue ler fontes pequenas, e essas pessoas não podem ficar de fora. Muita gente acima dos 45 anos já não dá conta de ler texto em Verdana 10px, é um fato.

Impactos do projeto. Com o projeto inteiramente financiado pela Petrobras, é interessante ver como, anos depois da bolha e depois da depressão que se seguiu a ela, o alcance da internet como canal torna-se percebido pelos grandes patrocinadores de cultura.

Em relação ao retorno sobre o investimento, os resultados são positivos, apesar de os números de visitação ainda não serem monstruosos (mas já são grandes). É natural, pois a divulgação é apenas boca-a-boca e através de mídia espontânea.

O site segue em desenvolvimento, criando e aperfeiçoando ferramentas, e o que importa estamos conseguindo: a curva ascendente de produção de conteúdo e de visitação, de um lado, e a divulgação cada vez maior das produções culturais de todo o país contidas no site e a catequização dos usuários no sentido de produzir o seu próprio conteúdo cultural.

Um exemplo de retorno interessante: o personagem de uma das primeiras colaborações do site, um diretor pornô do Amazonas que faz filmes com índias e trilha sonora de heavy metal, foi logo em seguida chamado para uma entrevista no Jô Soares. Isso é um excelente resultado – faz com que a cultura da região circule em todo o país, quebrando as barreiras impostas pelos grandes jornais das principais capitais, que só vêem e fazem circular o mainstream da cultura. [Webinsider]

Felipe Vaz é diretor de projetos e músico sempre que possível.

Share on facebook
Share on twitter
Share on linkedin
Share on whatsapp
Share on telegram
Share on pocket

Mais lidas

3 respostas

  1. O Overmundo é um pioneiro de alguns conceitos no Brasil. Estes, por sua vez, devem ser potencializados e extendidos a outros segmentos de informação. Bacana ter lido sobre o processo de criação de algo tão importante. Abraços a todos!
    Bruno Maia

  2. Ah! Será que não teriam outros artigos ou mesmo outros documentos com mais informações sobre o site? Histórico, etapas, idealização, dados estatísticos atuais…Como funciona isso? Estou precisando muito e urgentemente.
    Agradeço desde já!

  3. Parabéns pelo artigo Felipe!
    Estava mesmo procurando algo que falasse e descrevesse mais concretamente sobre a idealização do site. Sou membro desde abril e é como vc disse mesmo, a divulgação é feita boca-a-boca. Eu mesma, estou sempre recomendando sobre, tanto que resolvi fazer o tema da minha monografia baseado no site.
    Abs
    Tânia Brito

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *