As horas invisíveis na remuneração de professores

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Alguns profissionais exercem a carreira de professor universitário, além de sua atividade principal dentro da empresa onde cumprem 40 horas semanais. Pode parecer uma rotina extenuante, e de fato é, para quem está começando a carreira como docente e não está acostumado com os atalhos e traquejos que vêm com a experiência.

Esse cenário de jornada dupla só é possível se o profissional gerenciar bem suas horas trabalhadas e a empresa incentive ou no mínimo tolere a segunda carreira. Além disso, a negociação dos horários com seu chefe é fundamental, para evitar eventuais esticadas no expediente até o fim da noite nos períodos de pressão que possam coincidir com os dias das aulas.

Quando chega o complemento de renda proveniente das aulas no fim do mês, junto com ela, vem a sensação de que se dedicou esforço demais para tão pouco. Esse é justamente o ponto que gostaria de discutir, são as ?horas invisíveis?, que são consumidas na preparação das aulas, elaboração de avaliações, listas de exercícios e na correção das mesmas.

O objetivo não é desestimular, mas sim gerar reflexão naqueles que desejam ser professores; fazer com que pesem o esforço e o tempo gasto com uma série de atividades ligadas à docência, que consomem um número grande de horas e que não são remuneradas pelas instituições de ensino.

Premissas do modelo

É possível fazer um ensaio para estimar o quanto essas horas não contabilizadas pesam em um semestre, semana, ou até em um dia útil. Por se tratar de um primeiro modelo, somente os fatores mais relevantes para o cálculo dessas horas não remuneradas foram levados em conta.

Os leitores notarão que os números levantados não têm origem em uma grande pesquisa de campo utilizando dados de questionários respondidos por outros professores, como deveria ser e que até me foi sugerido.

A idéia aqui é apenas dar uma ordem de grandeza, e exercitar um pouco a imaginação. Por esse motivo, a preferência por números estimados obtidos através de referência bibliográfica, na troca de experiências com colegas professores ao longo dos anos e pela minha própria experiência na função. Importante frisar, que todos os cálculos serão sempre feitos sobre o valor bruto da hora-aula.

Considerando as premissas anteriores, vamos continuar o ensaio estimando o número total de horas invisíveis consumidas em um semestre. Para isso vamos supor uma disciplina típica com carga horária de 60 horas-aula no semestre, a ser lecionada uma vez por semana por um período de 3 horas-aula. A suposta turma terá 25 alunos e serão aplicadas duas avaliações e algumas listas de exercícios, e será a primeira que o professor irá lecionar esta disciplina.

Tempo para preparação de aulas

O primeiro fator a ser levado em conta é o tempo que se leva para se preparar uma aula. Segundo a metodologia utilizada para medir os custos nas universidades públicas do estado de São Paulo, a distribuição do tempo médio de trabalho de um professor, em regime integral de 40 horas, prevê que sobre as 8 horas-aula obrigatórias, exista um acréscimo de 100% somente para preparação de aulas (1).

As horas restantes seriam distribuídas entre as atividades de extensão e pesquisa. Portanto, segundo essa metodologia, a relação é de que para cada hora-aula lecionada será consumida uma hora na sua preparação, relação esta que está de acordo com a realidade e experiência observadas.

Embora o documento faça referência a professores com dedicação integral, esse fato não invalida a hipótese para os demais casos de dedicação existentes, que é o de regime parcial de 20 horas, e a de professor horista, sendo esta última, a forma abordada neste modelo e a mais praticada pelas faculdades particulares na hora da contratação. Com isso, obtemos as primeiras ?horas invisíveis?, que com certeza não constarão no seu contracheque.

Por mais que se domine um assunto, preparar aulas é uma tarefa que exige entre outras coisas, pesquisa, construção de conhecimento, reflexão e escolha da metodologia de ensino a ser utilizada. Por esse motivo é necessário tantas horas de dedicação, além disso, dependendo do tópico da disciplina, e da metodologia escolhida pode-se gastar até mais tempo.

A boa notícia é que se esta disciplina for ministrada pelo mesmo docente nos semestres seguintes, não será necessário consumir novamente as 3 horas, mas um pouco menos, algo em torno de duas horas, afinal o material de aula já está pronto e pode ser re-aproveitado. Nesse contexto, preparar aula se resume em rever a teoria, elaborar alguns problemas novos, inserir um novo case ou pensar em uma outra metodologia de ensino a ser utilizada.

Naturalmente cada caso tem que ser analisado separadamente, nos cursos Superiores Tecnológicos, e menos nos Bacharelados, parte da grade é composta por disciplinas teóricas, cuja ementas são mais estáveis ao longo do tempo.

Outras disciplinas desses mesmos cursos são constituídas por ementas mais voláteis, e que se ajustam de acordo com a versão da ferramenta de desenvolvimento com maior participação no mercado. São esses os casos, onde o material de aula produzido pelo docente necessita de atualizações mais freqüentes.

Voltando à nossa hipotética disciplina, podemos estimar o tempo gasto para preparação das aulas, avaliações e listas: Todo o material didático precisa ser construído do zero, então é o pior caso, onde será gasta uma hora para preparar uma hora-aula, logo, para a preparação de todo o material didático para o semestre, será gasto um tempo total de 60 horas.

Tempo para elaboração de avaliações

O tempo gasto na elaboração de avaliações e listas de exercícios, nesse modelo, já está incluso na cota de horas para preparação de aula, visto que os instrumentos de avaliação são aplicados dentro da carga horária prevista da disciplina, e não fora dela.

Devo lembrar que os métodos utilizados para medir os conhecimentos dos alunos não se resumem apenas a avaliações escritas, utilizei esses exemplos que são os mais comuns e tornam mais fácil o cálculo das estimativas.

Aqui também a boa notícia é que uma vez elaborada, a forma geral das avaliações e listas de exercícios pode ser re-aproveitada, bastando alterar um pouco a estrutura dos problemas para que não fique repetitivo.

Tempo de correção das avaliações

A correção das avaliações é uma tarefa que exige bastante concentração, devido à necessidade de acompanhar diferentes linhas de raciocínio, frequentemente em meio a rabiscos e frases truncadas, o que pode levar a ponderações na avaliação de cada aluno.

Por experiência, estima-se que o docente demore algo em torno de 15 minutos para corrigir a avaliação de cada aluno e outros 20 minutos no final para passar a nota da turma. Naturalmente estes não são números absolutos, depende dentre outros fatores, do tipo de avaliação aplicada: se for totalmente dissertativa o tempo gasto na correção é bem maior, do que uma avaliação apenas com questões de múltipla escolha.

Para a nossa hipotética disciplina, obtemos a estimativa de tempo gasto para correção de avaliações e listas: Serão necessários cerca de 15 minutos para a correção de cada avaliação mais 20 minutos para passar as notas da turma.

Como são 25 alunos, e duas avaliações são aplicadas à turma, serão gastas em torno de 13 horas somente nessa atividade. Para listas de exercício estima-se mais 6 horas. Dessa forma obtemos o total de: 19 horas

Análise

Somando 60 horas com 19 horas obtemos o total geral: 79 ?horas invisíveis? por semestre, por disciplina lecionada. Parece um número muito grande de horas não remuneradas para um único semestre. A idéia agora é estimar quantas ?horas invisíveis? ocupam uma semana ou um dia, para isso vamos estimar o número de dias úteis em um semestre.

Por praticidade, serão levados em consideração somente os dias úteis no semestre e serão ignorados os feriados que caiam em dias úteis. Os meses não letivos como janeiro, parte de dezembro e julho entrarão na conta, pois nada impede que se produza material didático nesse período. Aliás, é o que se recomenda para se evitar picos de trabalho no período letivo.

Dada as condições acima, multiplicando os 5 dias úteis da semana por 26 semanas, obtém-se 130 dias úteis por semestre. Dividindo 79 ?horas invisíveis? por 130 dias obtemos como resultado: Aproximadamente 36 ?minutos invisíveis? por dia útil.

Ou seja, pouco mais de meia hora de trabalho não remunerado por dia útil, ou 3 horas por semana, para uma única disciplina lecionada. E se fossem duas disciplinas diferentes? Trabalho dobrado, onde seriam consumidas 1h e 12 minutos de trabalho não remunerado por dia útil ou 6 horas por semana, e assim por diante.

O período mais crítico ocorre durante o período letivo: Somando as 40 horas cumpridas na empresa, com as 6 ?horas invisíveis? mais as 6 horas-aula que efetivamente se passa em sala de aula, o profissional terá sido cumprido um total de 52 horas de trabalho na semana.

Como é fácil perceber, lecionar duas disciplinas distintas já gera uma carga considerável de horas na semana, para quem já trabalha no meio corporativo sob pressão, quiçá para quem se aventurar lecionar todas noites! Não é um modelo exato e preciso e nem se pretendeu que fosse, por outro lado foi útil para fornecer uma ordem de grandeza.

Segundo esse modelo, podemos concluir também, que o valor bruto da hora-aula que consta no contracheque não é o efetivo, real. Devido às 79 horas trabalhadas não remuneradas por semestre por disciplina, o valor da hora-aula, nesse caso, deve ser dividido por um fator 2,3 o que evidentemente dilui os ganhos.

Conclusão

Naturalmente cada pessoa tem seus limites, o ideal é que o profissional consiga racionalizar bem o seu tempo de trabalho para cumprir as tarefas exigidas na corporação, em sala de aula e ainda por cima ter qualidade de vida. Ainda assim, ocorrerão fins de noite em que se volta para casa esgotado mentalmente, e começa a lembrar das mazelas do sistema brasileiro de ensino, do baixo nível dos alunos.

Por outro lado, também lembra dos pequenos milagres que acontecem em sala de aula quando se consegue despertar a curiosidade, o gosto pela pesquisa ou uma fagulha de espírito crítico em poucos alunos, ou a recompensa quando muitos deles ao final do semestre lhe agradecem pelo mestre que tiveram.

Agora convido o leitor a construir o seu próprio modelo para a medição de ?horas invisíveis?: Por exemplo, em vez de considerar apenas cinco dias úteis, leve em conta o sábado como dia de trabalho; considere uma disciplina hipotética que tenha carga horária de 80 horas-aula no semestre, a ser lecionada para uma turma de 20 alunos onde serão aplicadas três avaliações; suponha que é a segunda vez que o professor irá lecionar a disciplina, portanto o material didático já está pronto. [Webinsider]

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Referência bibliográfica:

1 – Anexos metodológicos. Indicadores de Ciência, tecnologia e inovação em São Paulo – 2001. FAPESP, 2002, p. 40.

Nota: 1) Hora-aula é a unidade consagrada entre os estabelecimentos de ensino, que determina que cada aula tenha a duração de 50 minutos com 10 minutos para descanso, o que na prática pode ser visto como um período de 60 minutos. Essa forma foi regulamentada pelo decreto lei nº 2.028, de 22 de fevereiro de 1940, e que à parte das pendências jurídicas, ainda é o modelo vigente.

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Sthefan Berwanger atua na área de BI.

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13 respostas

  1. Gostaria de parabenizar o Prof Marin pelas suas colocações. Coordeno um curso ligado a área de TI no PR e amigos sempre me abordam com pedidos de umas aulinhas para complementarem a renda pessoal, sem sequer imaginar a complexidade de exercer a atividade didática.

    Parabens ao autor pelo artigo.

    Humberto Kleist.

  2. Não sei o que é pior: o professor não ser remunerado pelas horas invisíveis, os alunos perguntarem se o professor só dá aula ou trabalha ou ter professores que não preparam suas aulas e até se orgulham disso.

  3. Ao professor Túlio marim. Senti-me orgulhosa ao ler seu texto.Que bom que você pode esclarecer algumas dúvidas para aqueles que dizem que professor não trabalha, só dá aula.Seria bom que mais pessoas pudessem ler seu texto.

  4. Sinto-me realizada por ser professora, gostar, amar o que faço por isso passo por cima de todos os comentários maldosos de pessoas que não são da área e maldizem nossa profissão. quanto ao texto as horas invisiveis na remuneração de professor penso: até que enfim alguém lembrou que professor não trabalha somente em sala de aula, trabalha mais fora da sala com preparo de material, aula prova, atividades diversas, para aulas agradáveis, e facéis onde o aluno possa compreender melhor o conteúdo. Parabenizo o autor do texto por este mérito a nosso favor.

  5. Muito bom artigo!

    Deveria ser divulgado nas universidades e faculdades que cada vez pagam menos aos professores.
    Lembrando ainda que estamos na época de prestar contas ao leão e os profissionais com dupla jornada acabam tendo que pagar valores altos na hora do acerto. Dinheiro este que deveria estar sendo utilizado para melhorar as condições dos estuidantes que chegam aos bancos universitários.
    Viva o congresso de pilantras.

    Sou analista de sistemas e professor, amo a docência, mas preciso de dignidade para continuar.

    Abraços a todos.

  6. Muito bom artigo!

    Me identifiquei com o que escreve…ser professor é somente para quem gosta mesmo…

    parabéns stefan

  7. Acho incrível como nós, professores, aceitamos esse desrespeito que tem consequencias terriveis para nossa vida pessoal e para nossa saúde. O pior é saber que muitos pseudo-educadores ganham dinheiro sem nenhuma preocupação pois não se comprometem com atualização.

  8. Caro Stephan,

    Lendo seus artigo, e concordando com parte dele, gostaria de fazer um questionamento : professor não é profissão ? Ou será que você trabalha e faz um extra para aumentar a renumeração ?

    Essa minha colocação deve-se ao modelo arraigado que sempre escuto quando um profissional identifica-se como professor e o interlocutor pergunta : Ok, mas vc trabalha com que ?. Ou seja, não se qualifica professor como profissão.

    Tenho anos de cátedra e fui empresário no ramo de software e pensava exatamente como o colega expôs no artigo. Somente quando assumi a carreira acadêmica interinamente percebi que o pensamento de ter umas aulas na academia visando um extra é errôneo e prejudicial para o professor e para o aluno.

    A forma como foi exposto, denota uma grandiosidade de caráter em ministrar aulas noturnamente e trabalhar o dia inteiro.

    Sou ciente que a academia deve ter professores ligados ao mercado, mas esse profissional de mercado deve encarar as aulas como um trabalho e, se esse não dá compensações financeiras, nem deve pensar em fazê-lo, a não ser que seja para o terceiro setor.

    Enfim, não gostaria de forma alguma polemizar o tema, mas vale a reflexão.

    Atenciosamente,

    Prof. Túlio Marin
    Coordenador de Pós Graduação, Pesquisa e Extensão
    Faculdade de Computação e Informática
    FAAP – Fundação Armando Álvares Penteado

  9. Reamente esse artigo descreve nossa jornada e principais dificuldades nessa área, onde nem sempre é lucrativa ($$$)
    Por isso q digo q ser professor não é fácil nesse país, e cada vez mais as Instituições de Ensino se aproveitam do problema do desemprego e desvalorizam nossa classe como um todo, onde deveríamos ser super valorizados.
    Hoje não aceito qq proposta de trabalho, ministro aulas desde 2001 na área de TI e gosto muito dessa atividade, mas sempre respeito meus limites para não ter problemas mais sérios e principalmente de saúde.

  10. Sthepan, e ainda há dois pontos a considerar: grande parte das faculdades particulares não querem contratar professor apenas para 01 disciplina. E cada vez mais exigem participação do professor além das atividades regulares…

  11. Excelente artigo!

    Um dia parei para fazer uns cálculos e descobri que gastava R$ 10,00 a mais do que recebia com gasolina / tempo e etacionamento.

    Apesar de tudo, dar aulas é muito gratificante.

  12. Parabéns pelo texto!
    Realmente você abordou perfeitamente o que ocorre nos bastidores do universo docentes. São horas de trabalho antes e após cada aula trabalhada. É preciso ter muito amor pelo trabalho para continuar enfrentando as grandes dificuldades.

  13. excelente artigo!

    também sou professora do ensino superior, e vc tocou num ponto nevrálgico: no trabalho de bastidores que nunca é remunerado pelas particulares, já tive também a sensação de muito esforço para tão pouco. além de todos os pontos levantados, ainda temos os impostos que pagamos para o governo…que no fim das contas diminuem ainda mais a remuneração…

    parabéns stephan!

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