Conteúdo, copyright… onde está o valor das coisas?

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O guru Nicholas Negroponte, professor do MIT, previu há mais de uma década que haveria uma troca de papéis nas telecomunicações. O que tradicionalmente fluía pelo ar, como rádio e televisão, passaria a percorrer cabos (tv a cabo, rádios via internet etc). E o que nasceu como algo preso a fios ? telefonia ? se tornaria livre. Os celulares estão aí tocando sem parar nas salas de cinema para não nos deixar mentir.

No começo deste ano, outro visionário, o autor de A Cauda Longa e editor da Wired Chris Anderson, criou sua versão desta previsão: tudo o que nasceu pago ficará gratuito e vice-versa.

Ousado? Com certeza. Mas vejamos: a TV, além de livre, era gratuita. Agora é a cabo e paga. Os canais de rádio via satélite são pagos. Idem para as rádios online como o Pandora ou o Sonora, do Terra. Nunca se comprou tanta água engarrafada. E até o ar tem preço. O que são os créditos de carbono se não taxas que se paga para gastar/estragar o ar?

Produtos ? de modems de banda larga a filtros e geladeirinhas ? se transformam em serviços, por meio das soluções de comodato e aluguel. E os bens digitalizados imploram para ganhar o mundo, povoar a matrix, se espalhar como gremlins.

Tudo que se digitalizou ? de livros e músicas a nossas próprias identidades e privacidade ? perdeu o conceito de propriedade junto com os átomos que os compunham. Música já não se compra. Ou você aluga ou simplesmente copia. Junto com o Orkut, a pirataria foi um dos grandes vetores da inclusão digital no Brasil. Procure nos mercados populares por CDs piratas. Eles perdem cada vez mais espaço para os DVDs. Isso porque até o CD ?genérico? de R$ 3 é caro perto de um clique no eMule. A pirataria é tão feia e errada como real e inevitável. Ignorar isso é fingir que aquele iceberg jamais afundaria um transatlântico como o nosso.

E tem mais. Digitalizado, o conteúdo pede não só para ganhar o mundo, mas para evoluir. Mudar, mitoses, meioses, osmoses, fagocitoses de idéias, imagens, sons… bricolagem frenética e digital. Criação coletiva, colaborativa. Máquina fazendo arte. Gente e máquina fazendo máquina. Um ?eu? que vira ?nós?. Um ?nós? que vira ?eu?. De quem é o conteúdo? Patente do quê? Quem se ousa se clamar ?dono? da idéia? De quem é a foto do Corcovado? Se eu fotografo um quadro que é refeito em calda de chocolate por Vik Muniz e depois ganha versões nas mãos de anônimos e um camelô imprime e vende em Guadalajara, quem merece receber os direitos autorais?

Copyright é algo tão na moda quanto mullets e polainas. E não porque está errado. Simplesmente o mundo mudou. Não que ele precise ser abolido. Ele simplesmente não se aplica mais às regras do jogo.

Falando de negócios, estamos dizendo que o grande desafio dos proprietários de conteúdo é torná-los rentáveis de uma maneira sintonizada com o momento do mundo. E não como uma Durval Discos anacrônica.

Mas ainda é cedo para os produtores de átomos rirem de nós, seres digitais. Se ainda não existe a cópia em massa de átomos, tudo que é material virou commodity. Já não há diferença de fato entre tipos de arroz, tipos de carros, tipos de laptops. E as marcas, que assumiram a responsabilidade de diferenciar os produtos, estas sofrem com pirataria, clones, mudanças de humor do mercado.

O futuro, apostam os especialistas, está na customização em massa. Ou seja, produzir em larga escala produtos que rivalizam com os artesanais na capacidade de ser a cara do consumidor. Só que quando todos os produtos tiverem a minha cara, todos serão iguais (a mim). Um Apple e um Sony seriam a mesma coisa. Talvez com uma diferença de aura, de estilo, benefício acessível a um punhado de sortudas e bem-trabalhadas marcas.

Se uma ponte ou uma geladeira já não vale o que valia e se tudo que é digital se copia, onde está o valor? Eu aposto no artesanal. Não por ser tosco, barato. Nem por ser uma oportunidade de dar uma ?esmola? a quem se esforça com calos nas mãos. O artesanal se destaca porque possui algo que nenhum MP3 baixado pelo Torrent nem nenhuma Louis Vuitton de camelô pode oferecer: uma história autêntica. É mais que o produto, é a história que ele percorreu até chegar a suas mãos. Veja o valor que você dá a estúpidos souvenires de viagem. Quanto vale aquele chaveirinho vagabundo que você comprou na Tailândia? Para você, uma fortuna.

Você não pode copiar uma história autêntica. Você não pode se apropriar da história de outro produto. Você pode até copiar a marca, mas o valor da marca não leva junto o valor da experiência de fazer parte da vida daquilo que se tem em mãos. Quanto você pagaria por uma cópia de um autógrafo?

Não se pirateia um repente. Uma bolsa de palha do Jalapão. Uma serenata sob a janela ou um pocket show do U2 na Quinta da Boa Vista. Não se pirateia ou patenteia experiência. Mil corridas de avião em plena enseada de Botafogo não mimetizariam um Red Bull Air Race. Você pode até forjar uma história, como fez brilhantemente o sorvete Haagen-Dazs, mas ela é sua, só sua. A experiência é o DNA do produto. Deixem o conteúdo correr. Deixem que se crie, que se recrie. Ninguém vai roubar aquilo que realmente tem valor para você: sua alma. Se você tiver uma, é claro. [Webinsider]

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Roberto Cassano (rcassano no Twitter) é blogueiro e diretor de estratégia da Agência Frog.

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10 respostas

  1. Eu pessoalmente acho que gradualmente a sociedade achará uma forma de compensar os autores legítimos principalmente no que se refere à arte, sob pena de sepultarmos toda iniciativa genuinamente criativa.
    O artista, seja músico, escritor, pintor, etc, precisa sobreviver e não pode ficar desprotegido ou contar apenas com eventuais frequentadores de seus shows ou eventos para comercializar suas obras. É preciso criar mecanismos que protejam o autor legítimo e sua obra.

  2. Isso me faz lembrar voltar no tempo…2000, 2001 com o Freak Show. Performances que misturava música e vídeo para promover as tipografias criadas pelos designers Marcelo Rosauro, Elesbão e Haroldinho.
    Raros sao os tipografos que conseguem vender suas fontes, logo, o modelo de negócio deles era vender a experiencia dos shows e as tipografias por tabela.

    Excelente artigo.

  3. A duras penas, a indústria aprendeu a prestar serviços e oferecer experiências, em vez de produtos commoditizados.

    Agora, quem produz conteúdo está passando pelo mesmo desafio. Mas a transição pode ser mais traumática. Muitas empresas, como gravadoras e jornais, não têm fôlego financeiro para suportar essa fase transitória, até encontrar seu novo modelo de negócios. Aí bate o desespero.

    O jornal o Globo mandou cartinha ontem para os assinantes avisando que vai fechar o conteúdo que estava disponível na internet. Agora, só pagando, ou seja, só assinando o jornal…

  4. O problema é que nem todos tem acesso aos melhores produtos. Então utiliza-se um clone, semelhante, ou consegue-se de maneira indevida. Não porque desconsidera o autor ou o produtor, mas porque o capitalismo o excluiu…e ele NÃO TEM DIREITO DE COMPRAR.

  5. Isto me fez lembrar que os últimos 10 CDs que eu comprei, nos últimos 2 anos, foram adquiridos nos próprios shows, das mãos dos seus autores, devidamente autografados – o mais barato, de um amigo, custou-me 5 reais e o mais caro de um grupo musical que se apresentava pelo Sonora Brasil (SESC) na minha cidade 30 reais.
    Remetendo ao teu artigo, são coisas que não se encontra na Internet para baixar, nem na loja para comprar (HA! HA! HA!): a música, o autógrafo, o aperto de mão com os autores ou as autoras, enfim, como bem definiste: a experiência.
    E os Livros, então? Há autores(as) que ganham mais vendendo-os em suas palestras (e ainda ganham nas palestras!) do que através da editora.

  6. Argutos o argumentos do articulista, contudo a pergunta mais pertinente talvez fosse, de que tipo de conteúdo, afinal, estamos falando?

    Aqueles conteúdos expressos na sequência genética de uma fórmula patenteada, avanços teóricos e empregos práticos de uma determinada pesquisa no campo de partículas, a fórmula de uma vacina que combata algum tipo de câncer, enfim, conteúdos que têm valor de mercado como geradores de riqueza e não apenas cultura e comportamento sempre estarão protegidos, sem copyleft que questione, menos do que a autoria, a propriedade.

    Em resumo, nos termos do capitalismo contemporâneo, que tem na estrutura de rede informacional o seu modelo de propagação e geração de negócio (riqueza), são os conteúdos citados acima que demandarão de fato a geração de riqueza e manterão, sim, seu valor privado e protegido de mercado.

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