Android é o PC 2.0, a versão mobile do IBM PC

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Computeiros, tautologicamente, têm suas vidas focadas no computador. Ficamos com o tocador de música ligado o dia inteiro, com nossas coleções imensas de canções nem sempre obtidas legalmente. Resgatamos contato com nosso amigo que se mudou para o Curdistão para popularizar o futebol de botão. Mantemos nossas memórias, vídeos, fotos, cartinhas de amor que queríamos enviar para a nossa musa mas ficamos com vergonha de mandar, já que você, no fundo, no fundo, sabia que não era muito romântico declarar algo como ?você é tão bela quanto a Lara Croft no Tomb Raider 2?. O computador é o meio, começo e o fim de boa parte de nosso cotidiano.

Para nós e para os profissionais que já estão fazendo parte diretamente ou indiretamente da Economia Digital, a linha que separa o computador-pessoal do computador-ferramenta-de-trabalho é tênue, cada vez mais imperceptível. Entretanto, há muitos outros que olham o computador como uma besta indomável, complexa, para não dizer supérflua.

Isso não quer dizer, entretanto, que eles estão livres da evolução tecnológica. Mesmo aqueles que se recusam a sentar na frente de um monitor estão fazendo parte da revolução que começou nos anos 80, da computação pessoal.

Simplificando: computação pessoal é tudo que envolve o uso de um computador, cuja finalidade principal não é o trabalho. Aquela viagem chata em que você levava o Game Boy? Computação pessoal. O seu primeiro Discman? Computação pessoal. O seu decoder de TV a cabo? Câmera digital de 32 Gigapixels? Tudo é computação pessoal.

O ponto mais interessante. Mesmo os tecnófobos, estes que não sabem nem mexer em um mouse, provavelmente têm o seu ?computador pessoal?. À diferença de nós, estes fazem uso da tecnologia através de outro dispositivo. Para eles, o PC é outro e cabe no bolso: é o telefone celular.

Até aqui nenhuma novidade. A velocidade do ciclo de desenvolvimento dos aparelhos celulares, as toneladas de funcionalidade presentes nos aparelhos mais básicos, as inúmeras apresentações de executivos falando sobre a questão da convergência digital, etc, etc. Você não precisa de mais um chato querendo dizer ?Eureka! Celulares vão se tornar tão poderosos quanto computadores?, não é mesmo?

Padronização do desktop: um pouco de História

Computadores, hoje, são quase oni-presentes e aparentemente são bastante diferentes. Mas, por baixo de marca, gabinete ou até mesmo sistema operacional, todos acabam muito parecidos. Todo mundo (e por todo mundo, entenda ?mais de 99,99% dos consumidores normais?) tem um computador que usa um chip com arquitetura x86 (ou alguma extensão dela, como a x86-64).

Placas auxiliares são instaladas em slots padronizados (AGP, PCI ou PCI-x). Periféricos se comunicam através de USB. Comunicação sem fio é predominantemente feita por Wi-Fi (802.11*).

Tudo isso não acontece por acaso. São padrões determinados pela indústria, com o propósito primário de facilitar o desenvolvimento e a fabricação de componentes para um sistema complexo. Assim, subsistemas desse sistema complexo podem ser trocados com razoável segurança. Assim como eu sei que eu posso colocar qualquer motor elétrico de 110V na tomada aqui de casa, eu sei que eu posso comprar qualquer pen drive USB para o meu computador, e sei que vai funcionar.

É claro que essa padronização não surgiu de uma hora para outra. Os primeiros mini-computadores e computadores que pretendiam ser de uso doméstico tinham arquiteturas completamente diferentes entre si. Um computador como o Altair rodava apenas programas feitos para ele, e era arquiteturalmente diferente de um TRS-80. Um usuário entusiasta de um computador aprendia a programar para uma máquina e assim ficava, pois não havia necessidade de portar seu aplicativo para outra arquitetura.

Isso é muito comum, se analisarmos o progresso e a evolução de inventos humanos.

Traçando um paralelo com a teoria de evolução de Darwin, uma nova tecnologia pressiona o surgimento de novos produtos (assim como uma mudança no ambiente causa um aumento no número de mutações genéticas em espécies já existentes), e desses novos produtos sobrevivem os que se mostram mais aptos ao ambiente (o produto que satisfaz melhor o público é o que acaba sendo mais copiado e prospera), determinando qual será a tendência de design de produtos. Veja como os aparelhos de TV e os primeiros aviões eram diferentes entre si, e vejam o quanto eles são similares hoje em dia. Dá pra sacar que, até com memes, existe o que é chamado de ?survival of the fittest??

No fim de 1970, as apostas de todos provavelmente seriam na Apple, com o Apple I e com o Apple II. Seus computadores poderosos e fáceis de usar começaram a ganhar momento. Empresas passaram a desenvolver aplicativos para ele. O sucesso do Visicalc serviu como um efeito bola de neve. Mais pessoas queriam o Apple por conta do Visicalc, que aumentava o interesse dos desenvolvedores pela plataforma Apple, que fazia da Apple a arquitetura com uma coleção de software mais interessante. Darwin trabalhava, enquanto a concorrência padecia. Por mais simples que fossem as arquiteturas da época, era trabalhoso portar software. Muitos programas ainda eram desenvolvidos em linguagem de máquina. Compiladores BASIC eram caros e para profissionais. A Apple parecia a grande vitoriosa.

Parecia. A Apple passou a ter concorrência da IBM e do padrão PC. Aproveitando a explosão do mercado de computadores para uso doméstico, a IBM deu a sua tacada: um padrão livre, que pudesse ser seguido por qualquer que quisesse montar um computador compatível. Dessa forma, uma empresa que quisesse entrar no mercado de desktops poderia fornecer apenas um componente do produto, ao invés de ter que desenvolver todo um computador (e ainda ter que tentar competir com a Apple). Isso também serviu para incentivar a concorrência, o que levou a uma redução acelerada dos custos.

Vá lá: tudo que a IBM acertou com o padrão-PC, ela errou ao ter dado uma licença de fornecimento exclusiva do sistema operacional para uma empresa pequena, chamada Micro-soft-com-hífen. Mas a estratégia do padrão aberto funcionou. A Apple, que manteve-se verticalizada (oferecendo hardware e software) acabou perdendo terreno para os milhares de concorrentes horizontais que trabalhavam no padrão IBM-PC.

A Apple teimou um bom tempo em manter-se vertical e só recentemente abriu mão disso; foram obrigados a admitir que a estratégia vertical não deu certo. O hardware de um Macintosh é, hoje, virtualmente idêntico ao de um computador da HP ou da Dell. Para desgosto de muitos fanáticos, hoje é um Intel que roda em Macs. Até mesmo software para o mercado de DTP tem menos features em suas versões para Mac OS, comparada com a versão para Windows. Muito do charme some quando se tira o teclado com backlight.

Pois bem. Não é de hoje que o mercado de desktop é chato, sem grandes surpresas. O POSIX já ganhou, e boa parte do pacote de soluções que gerou bilhões para a Microsoft-sem-o-hífen já é ?good enough? há uns bons 6 anos. Se é que existe alguma coisa que ainda é sexy para desenvolvedores, isso está em aplicativos que fazem uso da internet e dos avanços de telecomunicações.

O mercado de mobile

Entra o mercado de mobile. Acho que foi em 1999 que meu pai chegou em casa com um StarTac, da Motorola. O que tinha de especial? Pouca coisa, além de um desenho moderno e o fato de ser um dos primeiros modelos no Brasil que foram trazidos para as linhas digitais. De qualquer forma, podemos ver o quanto mudou em apenas oito anos. Celulares hoje em dia mandam mensagens de texto, mensagens multímidia, possuem câmera integrada, mp3, possuem jogos, conectam à internet, fazem cafezinho e até pagam suas contas – inclusive aquela conta absurdamente cara da sua última fatura de celular.

Tudo muito legal, tudo muito divertido. Mas ainda falta alguma coisa. Por exemplo: e se eu quiser trocar a minha câmera digital? Ou como faço para adicionar um HD ao meu smartphone? E se eu quiser usar outra bateria, ou adicionar uma placa que me permita usar dois chips GSM no mesmo aparelho?

Mudanças em hardware, nem pensar. Software deveria ser um pouco mais flexível, mas ainda está longe do satisfatório. Diferentes sistemas operacionais, diferentes versões, diversos padrões de rede (GSM, CDMA, iDen, entre outros) e – mais importante – diferentes plataformas de desenvolvimento de software fazem com que planejar um produto para o mercado mobile seja tão fácil quanto atirar em um grilo usando uma escopeta numa sala pequena, depois de tomar meia garrafa de tequila.
Chamar de ?mercado dinâmico? é um eufemismo. É um mercado caótico.

Quer adicionar uma outra variável na brincadeira? A penetração de aparelhos celulares é muito maior que a de computadores domésticos. No Brasil, já passamos há tempo a marca de 60 milhões de aparelhos ativos. Isso passa (em muito) o número de computadores. Na Itália, mais de 90% da população possui telefone celular. Os números de usuários de Internet não chegam à metade. O celular é, sem dúvida, o verdadeiro computador pessoal.

E aí apareceu a oportunidade de ouro para a Apple e o iPhone. Do mesmo jeito que fizeram com o Apple I e com o Apple II, a estratégia para o iPhone é reduzir o número de subsistemas (poucos aplicativos de terceiros, sistema operacional próprio, software próprio) e lutar para manter controle sobre cada uma das partes. Quem melhor que Steve Jobs, com seu senso de design, para delimitar o melhor ponto para atender todos os requisitos conflitantes que existem num mercado caótico como o mobile?

Enquanto todos batem cabeça e não se entendem, a Apple usa a sua vantagem como fabricante de hardware e espera neutralizar as operadoras de telefonia futuramente, apostando no crescimento do Wi-Fi e pensando que o seu iPhone poderá ser um telefone (VoIP) e, principalmente, como um dispositivo para a distribuição de conteúdo digital. Só depois, e quando for do seu interesse, ela precisaria abrir o iPhone para terceiros. Ela nem mesmo precisaria ter um ?Visicalc?, pois ela já se encarregou de fazer isso antes: chama-se iTunes Music Store.

Do jeito que se vê hoje, a Apple tem tudo em mãos para se tornar a força dominante do mercado de mobile computing. A vingança de Steve Jobs, tardia, seria em sua dominação do Verdadeiro Computador Pessoal.

Android: estamos de novo em 1981

Not so fast, Steve. Você ia mesmo achar que todo mundo ia ficar assistindo você ficando com todo o bolo? As operadoras de telefonia ainda querem briga. E aqueles que desenvolvem software também precisam ter um ambiente onde eles sabem que seu sistema rode sem que eles tenham que pedir permissão para ninguém.

Qual a melhor maneira de garantir isso? Ora, lançando um padrão de referência para quem quiser desenvolver dispositivos móveis! Foi exatamente isso que a Google fez essa semana. Ao invés de lançar um aparelho de celular, foi anunciado o Android. O Android é uma plataforma aberta de desenvolvimento, com especificação de sistema operacional, middleware e aplicativos finais. Quem quiser desenvolver um aplicativo para um celular que seja Android, basta trabalhar de acordo com a spec.

Os fanáticos por Java vão apontar para o JavaME, como forma de ter uma plataforma de desenvolvimento livre e definida. Eu vou dizer ?Nice try, but no.? Do mesmo jeito que acontece no desktop, aplicativos JavaME acabam limitados pela qualidade da implementação das bibliotecas que funcionam ?embaixo?. Por exemplo: assim como um toolkit como o SWT tem que ser um mínimo denominador comum entre os ambientes gráficos subjacentes (GTK, MFC, Cocoa), uma implementação de JavaME é, no máximo, tão poderosa quanto o pior sistema usado atualmente nos aparelhos celulares. O padrão do Android é a partir do zero, não fica obrigado então a fazer nenhum tipo de compromisso por conta de limitação tecnológica. É grande o potencial futuro da Open Handset Alliance.

Em suma: Android é a versão mobile do padrão IBM-PC. Não importa se você for um desenvolvedor de aplicativo ou de componentes para celular, você poderá ter um pouco mais de segurança na hora de começar o seu investimento. Isso levará a muita inovação no mercado, pois teremos mais empresas tentando arriscar algo novo, sem medo de ver seu investimento sendo jogado fora por alguma reorientação tecnológica. Isso levará a redução ainda maior de custos. De comoditização total de hardware. Até mesmo podemos pensar em maior integração entre serviços que hoje só são pensados para web. Um celular Android poderá, efetivamente, tornar-se o PC 2.0.

Apple vs o resto. Dessa vez, até pode ser diferente

Cabe a Apple decidir se vai querer que o iPhone se torne um sucesso como o Mac ou como o iPod. Usuários (e lucros) ela terá em qualquer hipótese. Entretanto, a insistência da Apple em manter todo o controle da arquitetura se mostrou falha na guerra dos desktops. Até hoje, com geeks tietando a Apple da mesma forma que adolescentes tietavam Britney Spears, o mercado da Apple não passa de magros 3%. Será que ela vai se posicionar, de novo, para manter apenas um nicho ou pretende ir para as cabeças?

Dois fatores pesam a favor, dessa vez. O primeiro: é muito difícil que o Google faça por alguma empresa o que a IBM fez pela Microsoft, o que levaria a uma grande procura por celulares com o padrão Android e a um possível monopólio de algum serviço dentro dele.

O outro: o mercado de mobile business está bem mais maduro, hoje, do que o mercado de computadores era em 1981. Quase metade dos habitantes do planeta usa um celular, e a imensa maioria já está acostumada a mudar de aparelho a cada 18 meses. Não há nada que impeça que eles resolvam fazer a mudança.

De um jeito ou de outro, é uma época bem interessante para trabalhar com o desenvolvimento de aplicações para o verdadeiro computador pessoal. [Webinsider]

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<strong>Raphael Lullis</strong> (raphael@log4dev.com) é Engenheiro de Computação, atua na área de telecom e mercado mobile e um dos autores do <strong><a href="http://log4dev.com/author/rglullis/" rel="externo">Log4dev</a></strong>, blog escrito por desenvolvedores para desenvolvedores.

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8 respostas

  1. Estamos assistindo uma nova transição: cinema mudo > cinema falado, televisão p&b > televisão colorida, válvula > transitor e… internet Desktop > internet móvel.
    Ninguém garante que o Google vá migrar com sucesso do mundo em que ele é supremo para o mundo desconhecido. Tudo pode acontecer quando os celulares dominarem a rede. Cada transição é marcada por rupturas. Quem viver, verá.

  2. Muito bom Raphael, seu paralelo, seu pc 2.0, me surpreendeu. Mais que isso você mostrou duas vias da situação. Acredito que não da para ter uma bola de cristal e saber se o Android vai ou não vai, mas é fato que a necessidade de uma padronização nos sistemas móveis vai obrigar a eleição do vencedor na disputa. Vamos ver.

  3. Não sou uma conhecedora abalizada deste assunto.Nem mesmo sei se compreendi todas as implicações do que seria na prática os benefícios finais para um simples e leigo usuário(leia-se também,consumidor(a)). Não obstante, se o assunto em pauta se trata de quebra de monopólio e simplificação tipo: tudo em um (tão portátil quanto possível), creiam! torço para que se torne tangível o quanto antes.
    Torço, ainda, para que eles simplifiquem também a linguagem dos manuais (inclusive deixo a sugetão para os redatores). Pois nem todos os que leêm assuntos como este, detém conhecimento para a tradução simultânea. Pode ser alguém que como eu, aos 41 anos de idade começa a tomar gosto por um mundo tecnológico que avança na velocidade da luz, e busca absorver e assimilar lendo tudo que se lhe mostra sobre o assunto.

    Desculpe a ousada intromissão!

  4. Oba! Faço parte dos 00,01% que ainda usa um Powerpc G3. Não sou um fanático, mas gosto do meu produto. Voltando à discussão do Android, acho que pega, pois a Google tem um toque de Midas incrível. Hoje, todos temos contas no G-mail, alguns (muitos, mesmo que não assumam) usam Orkut, editam suas planilhas, documentos e apresentações no Google Docs, sincronizam suas agendas de celular com o Google Calendar via Goosync, e tudo gratuitamente. Opa, esqueci-me do youtube. Por isso, acho que qualquer iniciativa da Google é sempre promissora.

  5. Pensei a mesma coisa no meu blog, mas bem mais resumidamente e sem as pomposidades clássicas e virtuosas do Webinsider.

    Mesmo tendo opção, o usuário final tem uma opção que será, a longo prazo, nitidamente desbalanceada. Se todos fazem programas para o Android, qual a vantagem de ter um iPhone?

    Espero que a Apple não cometa o mesmo erro e permitir a entrada do Windows em seu sistema somente anos após a necessidade. Não gostaria de ver celulares Google e turminha da Apple; vulgo Windows e turminha da Apple.

  6. vejo o android como outros padrões de sistema mobile como o window$ mobile, Symbian e por ai a fora… a vantagem do android é por ser padrão aberto, assim como me parece 13 outros padrões. No desenvolvimento de aplicativos, o unico padrão que hoje o mercado tem para desenvolvimento é o J2ME que é hibrido, com limitações, mas hibrido. Creio que apenas fara realmente sucesso se elevar o patamar de desenvolvimento bem mais acima do que hoje está, otimas IDEs para densenvolvimento(rad, porque nao) e adoção tão maciça ou maior que o J2ME nos celulares. Lembrando o slogan Compile once, run anywhere. O jeito é esperar e creio que ninguem irá querer ficar de fora disto.

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