No dia em que o Brasil parou, o Twitter decolou

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No dia 10 de novembro de 2009, um apagão assolou parte do Brasil. Pela falta de possibilidades de obter informações através de meios de comunicação que dependem da energia elétrica, inúmeros brasileiros recorreram ao Twitter pelo telefone celular. Brasileiros fora da área do blecaute atualizavam as informações, enquanto os afetados pelo apagão consultavam a tela do aparelho.

Vale voltar um pouco no tempo. No dia 11 de março de 1999, uma queda de energia elétrica afetou 70% do Brasil e parte do Paraguai, configurando o episódio como o maior ?apagão? ocorrido no país. Teve início às 22h16 em uma subestação de Bauru, São Paulo. Na época, inúmeras emissoras de televisão não tinham geradores e ficaram fora do ar.

Em 2001, iniciou-se o chamado ?escândalo do apagão?, uma crise que atingiu o país envolvendo a distribuição de energia elétrica e uma campanha contra o desperdício. Agora, em 10 de novembro de 2009, tudo pareceu um deja-vú. O Brasil se viu às escuras sem razões explícitas.

O microblog Twitter, ferramenta conhecida pela limitação de até 140 caracteres por cada ?twittada?, tem sido constantemente usado em situações que geram debate, sendo capaz de hospedar diálogos pulverizados, assíncronos, produzidos e recebidos por muitos indivíduos ao mesmo tempo, constituindo um espaço de ?comunicação todos-todos?, como cita Lévy.

Como um dos principais efeitos da transformação em curso, aparece um novo dispositivo de comunicação no seio de coletividades desterritorializadas muito vastas que chamaremos de ?comunicação todos-todos?(LÉVY, 2003, p.114).

De acordo com estudo divulgado em outubro pelo The Nielsen Company, 18% dos internautas do mundo fazem uso de sites como Wikipedia, Facebook, Twitter e blogs em busca de novas informações.

Em pesquisa divulgada no dia 4 de novembro de 2009 , elaborada pelo Instituto QualiBest, 91% dos brasileiros já conheciam ou já ouviram falar do Twitter até o momento do estudo; e 34% dos entrevistados já haviam criado um perfil no site.

O Twitter é também uma ferramenta que tem forte apelo para uso mobile , ou seja, favorecendo a sua execução através de aparelhos digitais, como telefones celulares, dos mais simples aos mais modernos. Tal facilidade muda o hábito do usuário, deixando-o mais à vontade para fazer uso do serviço. Katz e Aakhus falam sobre o telefone no cotidiano das pessoas e a mobilização que seu uso pode acarretar:

O telefone mudou dramaticamente o modo como as pessoas vivem suas vidas e enxergam o mundo. Outra mudança, com talvez a mesma magnitude, está por vir com a mobilização não somente do discurso mas também com uma nova tendência de comunicação e interação social mediada por computadores (Katz, Aakhus, 2002,p.1).

Os celulares comercializados costumam ser dotados de tecnologias que oferecem o acesso à internet independente de aparatos físicos como modens, roteadores, computadores e… energia elétrica.

Por ter afetado grande parte do país, o apagão acaba se tornando um assunto recorrente dentre os que sofreram ou tomaram conhecimento do ocorrido, trazendo à tona a teoria de agendamento formulada por McCombs e Shaw (1972), que trabalha o conceito de que as agendas pública e políticas estabelecidas pelas mídias de massa exercem influência nos temas públicos de diálogo, levantando a questão do poder que a imprensa tem sob a opinião pública.

Menos de uma hora após o início do apagão, o assunto já se tornara um dos mais citados entre os brasileiros.

O site intitulado Blablabra é capaz de rastrear as conversas públicas feitas através do Twitter e gerar números relacionados para análise. Com base neste sistema e na própria página inicial do microblog, podemos observar o comportamento dos brasileiros conectados ao serviço durante o período de 23h55, do dia 10, até 03h28, do dia 11.

A primeira consulta ao site (Figura 1), às 23h55 já mostrava que os três termos mais citados entre os brasileiros eram relacionados ao problema.
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Figura 1: Os três termos mais citados no Twitter entre brasileiros. Fonte: http://blablabra.net/. Consulta feita no dia 10/11/2009 às 23h55

Pode-se observar que antes das palavras ?Apagao?, ?Itaipu? e ?blackout? é usado o caractere ?#?.

Tal caractere transforma a palavra em questão em uma ?hashtag?, que funciona como uma palavra que identifica o assunto postado pelo usuário. Deste modo, é possível ver que o principal assunto dentre aqueles que faziam uso do recurso hashtag era relacionado ao problema de energia elétrica que assolava o país.

No momento em que a imagem acima foi capturada, o site Blablabra registrava a movimentação de brasileiros no Twitter com o registro de 11,1 ?tweets? por segundo.
Um gráfico exclusivo para a palavra ?apagao? foi criado a partir do site para observar o fluxo de citações da mesma (Figura 2).

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Figura 2: Evolução de citação do termo “apagao” entre brasileiros. Fonte: http://blablabra.net  Consulta feita no dia 10/11/2009 às 23h56

Com base na imagem acima é possível perceber o início do uso da palavra pouco depois das 22h, tendo sua frequência fortemente acentuada a partir desse momento.

Com tais imagens já podemos observar a independência do usuário para publicar no Twitter mesmo sem energia elétrica.

Neste mesmo momento, às 23h56, o Jornal da Globo exibia uma entrevista exclusiva com Gilmar Piola, assessor de comunicação da usina de Itaipu. Por ser a primeira declaração oficial sobre o assunto, foi possível ver também o assunto sendo desviado para a entrevista que acontecia na TV (Figura 3).

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Figura 3 Evolução de citação do termo “Jornal da Globo” entre brasileiros. Fonte: http://blablabra.net  Consulta feita no dia 11/11/2009 às 00:20

A citação do termo ?Jornal da Globo? até às 23h30 não passava de 66, e dez minutos depois deu um salto para 132 devido ao início da entrevista.

Considerando que hoje o celular pode ser considerado um ?teletudo? (Lemos, 2004) por agregar câmera fotográfica, televisão, cinema, difusor de mensagens eletrônicas, receptor de notícias, atualizador de sites, localizador GPS, tocador de música, gerenciador de dados pessoais, entre outras funções, a democratização do aparelho propicia uma mudança na comunicação do ciberespaço.

Na ocasião apresentada, pode-se considerar que os celulares daqueles que não podiam ver TV pela falta de energia elétrica, serviu como substituto do aparelho de televisão.

Mais tarde um pouco, às 00h09 já era possível ver o nome da hidrelétrica envolvida no caso, Itaipu, gravada nos Trending Topics do Twitter, que é a reunião das palavras mais citadas no microblog entre todos os usuários do mundo. (Figura 4)

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Figura 4 Palavra “Itaipu” nos Trending Topics. Fonte: http://blablabra.net.  Consulta feita no dia 11/11/2009 às 00:09

O fenômeno ocorrido dentro do Twitter na noite do apagão mostrou que a ferramenta oferece um assustador poder de instantaneidade e reafirma a quebra de paradigmas então conhecidos (e talvez estabelecidos) pela mídia antes do advento da internet.

O paradigma foi quebrado, e agora o telespectador não é mais um ente passivo ? podemos chamá-los de usuários. O desafio tecnológico está lançado. Resta agora que os produtores de conteúdo e difusores do mesmo se adaptem, evoluam e inovem à luz das novas possibilidades, principalmente no tocante à intensa troca de informações (feedback imediato) (Pretto e Silveira, 2008, p.178).

Com o conteúdo mostrado acima, podemos concluir que o Twitter é capaz de ser um meio de informação veloz e, de certa forma, interdependente de determinadas outras mídias, uma vez que a falta de energia elétrica, principal motivador de toda a situação estudada, não foi um obstáculo para o acesso e uso do serviço de microblog.

___________
Referências

FORTUNATI, L., Italy: stereotypes, true and false., in KATZ, J.E; AAKHUS,M.,
Perpetual Contact. Mobile communication, private talk, public performance.
Cambridge University Press, 2002, pp. 42-62.

LEMOS, André. Cibercultura e Mobilidade: a Era da Conexão. (Artigo publicado
em 2004). Disponível em
.

McCOMBS, M. e SHAW, D. L. (1972): The agenda-setting function of
the mass media. Public Opinion Quarterly,

PRETTO, Nelson De Luca, SILVEIRA, Sérgio Amadeu da. Além das Redes:
Internet, diversidade, cultural e tecnologias do poder. Editora EDUFBA, 2008.

<strong>Raquel Camargo</strong> (contato@raquelcamargo.com) é jornalista e consultora. Produz estudos relacionados ao Twitter, blogs e redes sociais e mantém os blogs <strong><a href="http://raquelcamargo.com/" rel="externo">Raquel Camargo</strong></a> e <strong><a href="http://www.twitterbrasil.org/" rel="externo">Twitter Brasil</strong></a>.

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8 respostas

  1. Pingback: No dia em que o Brasil parou, o Twitter decolou | Livros e afins
  2. Olá,
    Não devemos esquecer do Radio, teve papel ainda maior que o twitter, claro o twitter o sms alimentaram as radios de noticias em todo o Brasil.
    E dos nossos irmãos do Paraguay.

  3. Olá Manuel,

    tudo bem?
    É verdade, é válido demais pensar que não foi apenas o celular que salvou o acesso daqueles que estavam no escuro, entretanto eu gostaria de frisar que não afirmo isso, apenas levanto e reforço esta questão, que de fato, é muito forte no Twitter (seu acesso pelo celular).

    Além dessa situação dentro do Twitter, certamente esse apagão gerou impactos em várias outras redes sociais.

    Hoje é fácil (e praticamente certo) observar o impacto de escândalos que envolvem a sociedade nas redes sociais. Esses canais já estão tão fortemente inseridos no nosso dia a dia, que fica inevitável não comentar algo do cotidiano, ou gerar algum conteúdo a respeito.

    Sua idéia sobre as eleições do ano que vem é ótima. Certamente 2010 será um ano delicado e marcante, pelo encontro intenso que haverá entre essas mídias sociais e a política e outros fatores.

    Que venha, portanto, o próximo ano e essas barbeiragens. rs

    Abraço!

  4. Raquel, receio que esteja tirando uma conclusão errada, que é dizer que quem usou Twitter durante o apagão foi apenas quem tinha celular.

    Quem tem um nobreak (que hoje em dia custa menos de R$200) ou ficou em empresas e prédios com gerador, pode ficar usando a Internet durante muito tempo depois que o apagão começou.

    Eu tenho um computador com nobreak no qual está ligado o modem da Net Virtua e pude ficar mais de uma hora ligado na Internet com o notebook.

    Ainda a propósito de mídias sociais e apagão, o YouTube permitiu perpetuar as famosas afirmações da ministra Dilma Roussef há menos de 2 semanas falando que não ia ter mais apagão.

    http://www.youtube.com/watch?v=QvVStF4G79U

    Depois do apagão, falou que não ia era ter mais racionamento, tentando de forma grosseira corrigir a jornalista na esperança de confundir as pessoas alegando que apagão e racionamento é a mesma coisa, e o que ela falou era que não ia ter racionamento, e afinal sempre pode ter mais blecaute.

    http://www.youtube.com/watch?v=HOtblcfWO9o

    Que eu saiba apagão e blecaute é a mesma coisa. racionamento não é apagão porque que eu me lembre durante o racionamento de 2001 ninguém ficou sem luz.

    Engraçado foi que ainda falou que o problema do apagão era falta de planejamento do governo anterior e que foi uma barbeiragem.

    Pelos vistos o apagão foi igualzinho ao de 1999. Uma falha de transmissão desligou o país inteiro. Afinal o planejamento da ministra Dilma não adiantou de nada porque o país continua não aguentando uma falha num lugar só.

    Está fácil sabotar o Brasil inteiro e a ministra Dilma ainda diz que o o sistema de energia é seguro e robusto. No próximo apagão ela redefinirá o significado dessas palavras.

    Raquel, seria interessante também fazer um estatística sobre as mensagems do Twitter em que as palavras dilma e apagão aparecem e ver quantas dessas é que não são xingamentos ou ironias.

    Seria mais interessante repetir as estatísticas durante a campanha para as presidênciais de 2010 e ver quantas vezes as palavras dilma e apagão aparecem de novo. Assim de poderá saber se por acaso a maior barbeiragem (política) foi da candidata Dilma Roussef.

  5. Ei, Raquel, td bem? Sumida… 😛

    Gostei bastante do artigo. Você conseguiu explicar muito bem o poder das novas mídias com argumentos sólidos.

    Estou recomendando seu artigo pra algumas pessoas, elas precisam ler isso… hehehe

    Ah sim, escrevi sobre o assunto também, no meu blog. No meu caso, fiz uma certa crítica às pessoas que dizem que o Twitter é (e não é) o marco do Jornalismo Colaborativo.

    Bjinhos,
    Diana

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