Opções Reais ajuda a analisar e clarear cenários

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Colaborou Pedro Bramont

No nosso último ensaio, foi proposto um modelo decisório – envolvendo a Teoria das Opções Reais – para pequenos (e privados) negócios.

Agora, apresento um estudo de caso (fictício) aplicado à saúde pública. Com ele espero contribuir, de alguma forma, para buscar alternativas que amenizem o sofrimento daqueles que precisam de atendimento público de saúde.

A questão da saúde pública

A gestão da saúde pública é um desafio universal, seja em países ricos seja em países pobres: a demanda (sempre crescente) é impossível de ser atendida em sua plenitude.

Isso acontece porque o principal “cliente” desse serviço, a própria população, aumenta (“Imagine all that people!”, como dizia Lennon, risos), envelhece e demanda cada vez mais serviços de saúde (em maior quantidade e mais diversificados).

Além disso, a disseminação de informações vem aumentando o nível de exigência da população (que bom!), que passa a demandar serviços que, até bem pouco atrás, eram exclusividade de clínicas e hospitais privados. Sejamos sinceros: quem, há 10 anos, imaginaria que até mudança de sexo poderia ser realizada em hospitais públicos?

O mais curioso, entretanto, é que as maiores dificuldades em gerenciar saúde pública não nascem da demanda cada vez maior e mais diversificada, e sim na sua oferta e nos processos a ela relacionados.

Primeiro, temos a questão dos múltiplos stakeholders. Se, às vezes, surgem desavenças em famílias na escolha de onde passar férias, que dirá quando tentamos unir interesses de grupos tão distintos como pacientes, administradores públicos, médicos (de diferentes especialidades), enfermeiros, farmacêuticos, atendentes, laboratórios conveniados e assim por diante?

Em segundo lugar, processos burocráticos envolvendo os recursos que deveriam ser totalmente direcionados à saúde. O dinheiro do SUS, enviado pelo governo federal, acaba rateado nas três esferas – federal, estadual e municipal. No mundo ideal, cores partidárias não deveriam influenciar na distribuição desse recurso. Alguém aí acredita? E olha que nem estamos falando de corrupção e outras ilegalidades…

Pensando nisso, e baseado em uma breve experiência como funcionário de planejamento em uma secretaria de saúde pouco tempo atrás, resolvi mostrar como um problema típico vivido em municípios pode ser analisado sob a ótica de Opções Reais.

Terminologia

Mas antes de entrar no estudo de caso propriamente dito, é importante conhecermos, em linhas gerais, três “categorias” de pontos de atendimento público de saúde existentes em municípios:

a) Unidade Básica de Saúde (UBS)

Mais conhecida como Posto de Saúde, é gerenciada pela Secretaria Municipal de Saúde e recebe recursos tanto do Ministério da Saúde quanto da própria Prefeitura.

É composta, normalmente, de uma equipe médica (clínico geral, obstetra e pediatra), uma equipe de enfermagem, pessoal administrativo e, em alguns casos, de um dentista.

b) Policlínica

De forma similar às UBSs, também são gerenciadas pela Secretaria Municipal de Saúde, a qual, junto com o Ministério da Saúde, providencia os recursos.
A diferença principal está na equipe de atendimento, que é mais ampla. Há médicos com diversas especialidades, tais como cardiologia e oftalmologia, além de equipamentos para exames básicos (sangue, raio-X, eletrocardiograma e assim por diante).

Para termos uma noção de grandeza, em Florianópolis (onde moro), há atualmente 4 Policlínicas que atendem uma população de 450 mil habitantes.

Observação importante: UBSs e Policlínicas não funcionam nos fins de semana e feriados, além de não abrirem 24 horas nos dias de semana. Atendimento 24 horas é feito apenas em unidades de prontoatendimento, que não são foco deste ensaio.

Em região sem Policlínica, seus serviços são fornecidos por clínicas particulares conveniadas à Secretaria Municipal de Saúde. Nestes casos, a Secretaria Municipal de Saúde não tem os custos fixos de manter a Policlínica: só há os custos variáveis em função do número de procedimentos realizados pelas entidades conveniadas.

Além disso, há uma disponibilidade maior de tempo na oferta desses serviços, pois não há greves nem “pontos facultativos” (risos) nessas entidades: se elas não abrem, não oferecem os serviços e, obviamente, não recebem por esses serviços.

Há um órgão nas Secretarias Municipais de Saúde, comumente chamado de Regulação, que gerencia a alocação desses procedimentos. Esse órgão é necessário para poder compatibilizar a demanda com a oferta desses serviços, respeitando, em teoria, a ordem de chegada dos pedidos.

Projeto Botafogo

Nosso estudo de caso (fictício) tem o nome “Projeto Botafogo”. Por que o nome? Por dois motivos: é meu time do coração e pelo fato de a mera apresentação de um projeto como este desperta os “mais baixos instintos” em determinadas categorias, como as que consideram tais convênios uma “privatização da saúde”.

Bom, mas suponhamos que, em uma determinada área, não atendida ainda por uma Policlínica, haja a previsão de instalação de uma Policlínica no instante 1 (indicado no gráfico adiante).

Ocorre que, por uma razão ou outra (orçamento insuficiente, tempo insuficiente, questões políticas – a inauguração seria feita na gestão seguinte, de um adversário político e esse “faturaria” dividendos políticos, “minha obra”, risos) no instante 1 essa Policlínica não estaria funcionando como planejado.

A boa notícia é que entre (i) ter a Policlínica funcionando e (ii) não ter coisa alguma (ou melhor, as pessoas tendo de se deslocar para uma Policlínica distante, fora de sua área), podemos gerar outras opções, como mostrado na figura 1, utilizando alguns insights proporcionados pela Teoria das Opções Reais.

Figura 1

PP_OpcoesReais_Figura

Policlínica completa: a população é atendida em sua plenitude por uma nova Policlínica. Nesta opção, a Prefeitura constroi uma Policlínica ou, no caso de já existir uma, amplia seu escopo para atender todos os serviços e atendimentos possíveis;

Convênio total: a população é atendida em sua plenitude por clínicas e/ou hospitais privados conveniados com a Prefeitura. Nesta opção, a Prefeitura não constrói uma Policlínica;

Híbrido: a população é atendida parte em uma Policlínica (procedimentos mais básicos) e parte em clínicas e/ou hospitais privados conveniados com a Prefeitura. Nesta opção, a Prefeitura constrói uma Policlínica, mas limita seu funcionamento a alguns serviços e atendimentos mais elementares;

Sem atendimento: a população continua não tendo acesso a serviços e atendimentos normalmente oferecidos por uma Policlínica;

Manter: a população continua na mesma situação observada no instante anterior;

Desativar tudo: independente da decisão anterior, a região volta ao estágio “Sem atendimento”. Ou seja, a Prefeitura cancela quaisquer convênios e/ou desativa eventual Policlínica que estiver em funcionamento.

Na figura 1, no instante 1 (T=1) vemos as várias alternativas geradas, desde a alternativa “ideal” (a implantação da Policlínica em sua plenitude, oferecendo todos os serviços previstos) até a alternativa “Sem atendimento”.

Novas opções surgem em cada momento de decisão e, exceto a “Sem Atendimento”, cada uma possui pontos positivos e negativos. Vejamos algumas análises que podem ser feitas:

Se um administrador público, por exemplo, ainda tem dúvidas sobre a necessidade de uma Policlínica em determinada região, a alternativa “Convênio total” mostra-se interessante. Analisadas as consultas e exames realizados na rede conveniada, pode-se tomar uma decisão mais segura sobre a viabilidade de se instalar uma Policlínica.

Já no caso de uma região apresentar algum tipo de sazonalidade (exemplo: cidades litorâneas), a alternativa “Híbrido” ganharia força, uma vez que grande parte dos exames e especialistas poderia ficar ocioso durante a maior parte do ano. É importante lembrar que a desativação de um ambiente instalado normalmente é mais cara que o simples encerramento de um convênio.

Acredito, inclusive, que haveria uma concorrência sadia entre as instituições conveniadas (opções “Híbrido” e “Convênio total”), o que pressionaria os preços para baixo e até elevaria a qualidade dos serviços.

Uma idéia interessante seria alocar profissionais da área de saúde nas próprias instituições privadas conveniadas, que fariam o papel de um supervisor de qualidade.

Dentre as atribuições desse supervisor estariam a de fiscalizar os atendimentos e exames realizados, obter o feedback dos pacientes, aprender eventuais novos procedimentos para replicar em outras unidades públicas de saúde e, claro, identificar possíveis problemas de saúde pública que merecessem ações mais efetivas de prevenção ou remediação.

É evidente que opções alternativas à construção de uma Policlínica só seriam interessantes se exigissem menos recursos que a própria construção da Policlínica. Por isso, é necessário um cálculo preciso dos custos e riscos envolvidos em cada uma das alternativas.

Conclusão

Este ensaio fecha uma série publicada aqui no Webinsider a respeito do tema “Opções reais”, uma “filosofia” interessante para abordar problemas que envolvam decisões, principalmente de investimentos.

Vimos que a administração da saúde pública também pode se valer de insights proporcionados pela Teoria das Opções Reais.

Exemplifiquei isso com um estudo de caso fictício que apresenta possíveis alternativas entre construir uma Policlínica e deixar a população de uma região sem um atendimento gratuito de saúde mais abrangente. Até mais! [Webinsider]

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Pedro Paulo Bramont (pp@mktpeople.net) é doutor em avaliação de projetos pela UFSC (1996) e tem um livro publicado pela Editora FURB sobre o mesmo tema. Atualmente gerencia projetos especiais. Nascido no Rio, reside em Floripa há bastante tempo e traz as duas cidades no coração. Mantém o site MKT People.

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2 respostas

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