Kony 2012 e nossas lágrimas de crocodilo

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Stalin dizia que matar uma pessoa é uma tragédia; matar milhares é uma estatística.

É importante refletir sobre essa frase, à luz da hipocrisia de nossas lágrimas de crocodilo ocidentais. Milhões de bem nutridos ao redor do mundo chacoalham-se, consternados, em arrepios de vergonha, diante do mais básico dos apelos: uma criança que prefere a morte às abomináveis provações de que é vítima. O simplório documentário Kony 2012 é um entre centenas, milhares de pedidos de socorro que chegaram de toda parte do mundo, em particular da África, nos últimos anos.

No começo da década de 90, quase um milhão de ruandeses tutsis foram assassinados em menos de 100 dias por ensandecidos hutus. Isso dá 7 assassinatos por minuto sob o olhar estéreo do ocidente. Todos os dias, centenas de apelos como o do documentário blockbuster chegavam às redações dos jornais e nos gabinetes dos governos, da ONU, das ONGs. Especialistas acreditam que com poucos milhares de homens bem treinados, armados e com licença para agir, o genocídio teria sido evitado. Como o garoto que prefere morrer a continuar vivo, milhares de hutus inocentes preferiam matar a morrer, por recusar-se a colaborar com o esforço de limpeza étnica (muitas vezes armado com armas ocidentais, claro).

Em 1996, um poder contrário ao governo que apoiava o Poder Hutu, reunido nessa mesma Uganda e no antigo Zaïre (atual República Democrática do Congo), majoritariamente constituído por Tutsis refugiados, retomou controle da situação e forçou mais de um milhão de Hutus a refugiar-se também, aonde?, em Uganda e no Zaïre. Foi o maior fluxo de pessoas desesperadas de que se tem notícia na história da Terra.

Dessa vez, os crocodilos compadeceram-se e montaram colossais campos de refugiados nos países vizinhos a Ruanda, sob a proteção dos governos ocidentais, da ONU, das ONGS e o olhar atento de centenas de jornalistas.

Um milhão de hutus que haviam assassinado um milhão de tutsis recebiam um milhão de dólares por dia de ajuda humanitária (muito mais do que a renda média diária dos sobreviventes em Ruanda).

Em outras palavras, ignoramos o genocídio e ajudamos os “genocidaires“, com a maior das inocências.

Moral da história, somos bilhões de idiotas governados por milhares de cretinos.

Kony 2012 – sei não. Mas se 40 milhões de pessoas doarem mínimos 10 dólares por mês, isso soma quase 5 bilhões por ano. Dinheiro pra acabar com muita miséria.

No entanto, a hipocrisia ocidental é maior do que a sede de líderes iluminados por apelos transcendentais (como Kony): é suficiente derramar lágrimas sinceras, elevar preces inócuas e fazer documentários virais nas redes sociais. [Webinsider]

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Fernand Alphen (@Alphen) é publicitário. Mantém o Fernand Alphen's Blog.

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6 respostas

  1. Guilherme,

    Aprovar e divulgar, só divulgar, para mim não tem nenhuma utilidade. A mídia – e não precisou da “nova mídia” para isso – divulga há décadas atrocidades ao redor do mundo. Adiantou alguma coisa? Mudaram-se as mentalidades com isso? Sou cético e pragmático. Se cada post de indignação, cada like, cade view do vídeo desse um dolar, resolveríamos muitos, muitos problemas. Mas o povo acha que like vale dinheiro….

  2. E mais facil sentar no sofá digitar umas palavras sem sentido do que ajudar. Ao menos os “bilhões de idiotas governados por milhares de cretinos” estao achando uma forma justa de atingir o maior grupo de pessoas – jovens – a se mobilizarem em criar um mundo melhor! Eu apoio a causa KONY 2012!

  3. Guilherme,

    Seu comentário faz sentido, claro. Mas veja só: o documentário tem uma função publicitária. Ele foi feito para arrecadar fundos para a causa. No seu caso, não rolou. Isso significa que ele não serviu (assim como não serviu para muilhões de outras pessoas). No meu caso, sou mais ingênuo talvez. Para poder criticar, me senti na obrigação de doar.

  4. sirdkt, é verdade, as coisas mudaram, o mundo mudou, mas nem tanto como a gente gostaria. Na década de 90 não tinha Internet nem bilhões de pessoas que nem se conhecem se relacionando. Mas isso não significa necessariamente que todas as causas populares sejam legítimas e verdadeiras. Não é porque todo mundo concorda que tenh q concordar. Tenho muito medo dessas histerias coletivas mesmo quando elas aparentam (apenas aparetam) serem para o bem. Quantos dos 100 milhões de pessoas que viram Kony foram atrás de mais informações, aprofundaram-se na questão e de fato construiram uma opinião própria e madura? Em Rwanda, não foi apenas a opinião pública internacional que foi indiferente (seja porque a mídia foi censurada ou displiscente): um milhão de pessoas ingênuas mataram um milhão de pessoas inocentes, um muilhão de assassinos foram socorridos por milhões de pessoas ao redor do mundo. Em suma, também compartilho da sua fé, mas sou um pouco mais cauteloso com as conclusões.

  5. Vc só esqueceu do fato de que, na década de 90, não existiam sistemas de interação social que abarcasse boa parte da população mundial. Se quiser, diga-se idiota governado por bando de cretinos por conta própria, não generalize. Caso queira, culpe os editores-chefes das redações dos meios de comunicação em massa daquela época e os atuais, que sequer noticiam fatos como esse no Brasil.

  6. Certo Fernand, mas e se acreditarmos que isso pode dar certo e realmente der, pode ser um exemplo de como são fortes as redes sociais e que podemos fazer mais companhas como a de KONY! Não sou a favor de doar dinheiro para nada disso, participo da divulgação e investigo a veracidade de tudo isso. A questão é, problemas existem, gente esperta também, mas o que nós enquanto humanos estamos fazendo pelo proximo? Certamente cada um fazendo sua parte alguma coisa vai mudar, então por que não “curtir” esse tipo de iniciativa? Agradeço se puder dar sequencia ao raciocinio. Bom dia.

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