Poder de propaganda da embalagem de produtos não anunciados

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Com Geraldo A. Seabra*

Em um mercado cada vez mais acirrado em termos de oferta de produtos, até que ponto é possível identificar os fatores que influenciam os consumidores na tomada de decisão na hora da compra? Diversos estudos comprovam que esse processo decisório é sempre penoso, pois misturam elementos racionais e emocionais, geralmente resultando em conflito de caráter pessoal. Até que ponto a publicidade usa essa fragilidade do consumidor induzindo-o a comprar? O que comprar, como comprar e qual a real necessidade de se obter determinado produto? Quais aspectos pesam mais na hora do consumo? Até que ponto o culto à marca leva à fidelidade do produto? De fato, os consumidores estão mais sensíveis a preços e cada vez mais infiéis às marcas.

A guerra de preços tem provocado fortes oscilações nas participações de mercado das marcas, principalmente no segmento de sabão em pó, produto cuja embalagem foi alvo de um estudo compilado dentro do Programa de Pós-graduação “Latu Sensu” (Prepes), concluído em 2004. Embora feita há oito anos, a especialização em “Comunicação Contemporânea e Informação Visual”   ainda serve como parâmetro. Afinal, em termos de percepção do consumidor, poucas coisas mudaram. O estudo desenvolvido por Geraldo Seabra sobre o “Poder de propaganda da embalagem de produtos não-anunciados na hora da compra” pode servir de referencial para novas análises de mercado. Afinal, “os meios de comunicação de massa podem facilitar o processo de escolha(Rego, 1986).

O recorte do levantamento se restringe a duas marcas não anunciadas na grande mídia (TV, rádio, jornais e revistas), quando muito, em folhetos promocionais. Os impressos promocionais não foram alvo da pesquisa devido ao fato de estarem fora do alcance do conceito tradicional de comunicação de massa. Na investigação buscou-se identificar quais fatores são trabalhados na composição gráfica das embalagens para aumentar a sua eficiência de venda. Foram analisados os elementos visuais das embalagens sob o ponto de vista da Semiótica, da linguagem publicitária e da sintaxe da imagem, a fim de aferir a sua importância na tomada de decisão do consumidor na hora da compra.

Em linhas gerais, as marcas ainda são responsáveis por mais de 30% das compras, ficando o preço em segundo lugar na tomada de decisão. No segmento de produtos de limpeza, o preço representa em torno de 42% na escolha de determinado produto. Isso revela certo discernimento na hora da compra por parte das donas de casa, que representam cerca de 82% das compras no supermercado. Os dados são da Pesquisa do Perfil do Consumidor realizada pela Associação Mineira de Supermercados (AMIS), em 2002. De todo modo, houve uma ruptura cultural no consumo geral, o que demonstra que não podemos afirmar que exista fidelidade a marcas ou produtos.

Dentro da pesquisa, as marcas (Rizzo e Extra) foram analisadas a partir da disposição do layout do hipermercado Extra, em Belo Horizonte (MG). Na escolha levou-se em conta o fato de serem as únicas não-anunciadas no mix de produtos expostos na gôndola com embalagens standart de 1kg – as mais consumidas pelas donas-de-casa na época da pesquisa. A marca Rizzo custava R$ 3,39, enquanto a marca própria Extra era negociada a R$ 4,95. Numa situação de escolha, a tomada de decisão acaba assumindo aspectos de percepção psicocognitiva sob estímulos visuais, ficando a questão financeira relativizada muitas vezes. Com efeito, o poder de propaganda das embalagens assume papel de destaque e torna-se um grande fator de persuasão do olhar e desejo do consumidor.

No hipermercado pesquisado, a localização dos produtos na gôndola segue uma hierarquização em função dos preços dos produtos, de forma decrescente, partindo do valor mais alto para o mais baixo. Na disposição dos produtos na gôndola, a marca Rizzo situava-se no lado oposto da marca líder (Omo), enquanto que a marca Extra, era disposta ao centro, mantendo o mesmo alinhamento visual (altura dos olhos de um consumidor de tamanho mediano). Portanto, no aspecto de capacidade de apreensão visual, as duas marcas mantêm quase o mesmo poder de propaganda, com realce substantivo para a marca Extra, pelo fato dela estar disposta na região central da gôndola, “local para onde a vista tende a se fixar” (VESTERGAARD, 2000), embora “os olhos tenham uma ampla visão periférica” (DONDIS, 1997).

O segredo de venda das embalagens

Na hora da compra, as embalagens assumem um papel importante de venda, principalmente produtos não anunciados pela grande mídia (TV, rádio, jornais e revistas). Afinal, a partir do advento da vitrine em 1800 (Paris), a embalagem ganhou status de vedete devido ao fato da aparência sobrepor o conteúdo do produto. Nesse cenário, como o consumidor se comporta na hora da tomada de decisão de comprar, momento em que ele sofre infinidades de estímulos visuais? Certamente, muitos fatores influenciam o seu comportamento, afinal as embalagens falam como um corpo vivo e interagem com o consumidor mesmo que ele não entenda a sua linguagem infovisual. O objetivo é identificar quais fatores são trabalhados na identidade visual (responsável pelo apelo que o produto exerce junto ao consumidor) das embalagens das marcas analisadas.

  1. Tipografia
  2. Dimensões
  3. Proporções
  4. Cores
  5. Tons
  6. Texturas
  7. Relações compositivas

O estudo teve a finalidade de dominar técnicas de composição gráfica usadas em rótulos e embalagens, visando elevar a eficiência de venda de produtos não anunciados. Afinal, apenas perto de 10% das mercadorias colocadas à venda em supermercados (mix médio de 30 mil itens) são anunciados (ABEM, 2003). O restante, ou 90% dos produtos expostos, é quase ou inteiramente desconhecido pelos consumidores, em função de não serem anunciados, quando muito, impressos em folhetos promocionais. Claro, há produtos já conhecidos pelos consumidores, como pó Royal ou Maisena, que deixaram de ser anunciados há anos.

Mas, a maioria vive no total ostracismo em termos de mídia. Junte-se a isso o fato de 85% dos consumidores deixarem para o momento da compra o trabalho de decisão (PEREZ, 2002).  Neste caso, a embalagem assume um papel crucial na hora da compra, sendo um dos fatores fundamentais para o sucesso de qualquer produto. No autosserviço (supermercados), a embalagem é um diferencial entre produtos concorrentes, uma das razões da compra por impulso (SAMARA, 2002). No estudo foram analisados os elementos visuais da composição gráfica das embalagens, a fim de identificar a sua importância na tomada de decisão na hora da compra dentro do Ponto de Venda (PDV).

Identidade visual à luz da Semiótica

Na análise da identidade visual foi constatado que a programação visual (composição gráfica) de ambas as marcas mantém um paralelismo didático, com o objetivo de facilitar a compreensão da mensagem pelo público ao qual se destina. O layout das embalagens de sabão em pó Rizzo e Extra apresenta grande poder de propaganda, portanto, grande poder de influência sobre a consumidora na hora da compra. Do ponto de vista da Semiótica, a padronização do conjunto e a inserção controlada das variações, somada à distribuição harmônica dos elementos visuais, são bastante didáticas e facilitam a compreensão da mensagem em ambos os produtos analisados. A mensagem é passada com poucos ruídos, mantendo uma relação de complementaridade entre a informação visual e a informação verbal.

Contudo, a composição visual da embalagem Extra é mais bem-resolvida em relação à marca Rizzo, independente do público para o qual os produtos são destinados. Mesmo porque, como se trata de produto de limpeza, quanto menos ruídos gerar maior será seu poder de propaganda. Além disso, há um predomínio da dimensão semiótico da primeiridade no apelo visual da embalagem Extra. Ou seja, o fundamento de signo da sua composição gráfica é baseado em quali-signos, em função da predominância do uso de fotografias como recurso iconográfico para ressaltar a ação e identidade do produto.

Embora haja uma discussão acadêmica sobre o caráter meramente indicial da fotografia – a imagem vista apenas como sendo algo indicativo da realidade e não como um duplo da realidade – isso não distancia de qualquer modo a fotografia do seu caráter icônico (semelhante e autorreferente da realidade).   Mesmo que a marca Rizzo também apresente traços icônicos, a função indicial das ilustrações na sua embalagem é mais acentuada, de modo que, apesar de ser ilustração e, portanto, ícone, o aspecto referencial predomina na identidade visual do rótulo da embalagem.

Como há um predomínio de elementos sin-signos no rótulo da embalagem de Rizzo, a compreensão da composição visual requer uma dose de elaboração mental para que a mensagem transmitida seja totalmente entendida pela consumidora, apesar do didatismo contido no rótulo. Na comparação das embalagens venceu a marca Extra cujo valor semiótico se baseia principalmente no poder sugestivo da mensagem em detrimento de sua função referencial explícita ou de sua significação abstrata.

Identidade visual à luz do discurso publicitário

No que se refere ao discurso publicitário, a marca Extra também levou vantagem em relação ao produto concorrente, embora haja uma ligeira diferença de público-alvo, por conta do valor dos produtos. O uso de imagens fotográficas agregou à embalagem Extra um valor de credibilidade, independente do nível cultural da consumidora. Em termos de linguagem, há um equilíbrio de forças face ao didatismo. Nas mensagens verbais contidas nos dois rótulos, há um predomínio das funções diretiva e informacional, reforçando “o caráter didático da composição visual das embalagens” (VESTERGAAD, 2000). As marcas ainda têm em comum o uso da função expressiva nos slogans, como forma de enaltecer a qualidade do produto.

No conjunto visual da embalagem Rizzo, o uso sutil da função imperativa não foi suficiente para lhe garantir um maior poder de propaganda. No entanto, à primeira vista, parece inadequada a estratégia implícita na embalagem da marca Extra de tentar buscar segmentar seu público-alvo através da venda do produto com um valor mais alto. Pois, a sofisticação da sua embalagem não seria um fator de distinção de comunicação visual, em relação à marca considerada mais popular em função do preço. Segundo Cheskin citado por Gade, para produtos mais baratos, a embalagem deve ser mais enfeitada, cara e sofisticada do que a embalagem para produtos mais caros, cujo consumidor valoriza a qualidade do artigo em detrimento da composição visual.

Evidente que isso depende de cada segmento. Na verdade, as duas embalagens – seja pelo padrão estético, seja pelo preço de venda – atingem públicos semelhantes. Mas, o que seria um “equívoco”, na verdade, trata-se de uma bem-sucedida estratégia de marketing de apresentação visual de uma embalagem de produto. Afinal, na prática, a marca Extra se mostra mais atraente justamente pelo grau de sofisticação de sua composição visual. Para não quer “queimar” o produto (por se tratar de uma marca própria), a embalagem Extra é vendida com preço similar a produtos de primeira linha, embora ostente no seu rótulo elementos visuais de atração popular, como a cor (em vermelho) impressa no logotipo. Se levarmos em conta a preferência dos consumidores por marcas conhecidas, a diferença de preço entre os dois produtos (R$ 1,56) funcionaria como elemento secundário no ato da compra.

Identidade visual à luz da sintaxe da imagem

Da perspectiva da sintaxe da imagem, há um predomínio do padrão harmônico e nivelado em ambas as marcas, com a disposição simétrica quase absoluta dos elementos visuais na composição do rótulo. Afinal, é mais seguro o equilíbrio axial da composição gráfica enquanto estratégia de design. Apesar do caráter harmônico, os rótulos exageram na profusão de elementos. Por outro lado, essa profusão se justifica no sentido de intensificar a “verdade” que o produto deseja passar através de suas metáforas visuais.

Ao usar adequadamente a técnica do contraste, a embalagem Extra realça padrões que lhe garantem um maior poder de propaganda em relação à marca concorrente. Em comunicação, “o contraste é um caminho fundamental para a clareza do conteúdo do produto” (DONDIS, 1997). Fora isso, os números revelam uma vitória inquestionável da marca Extra. Segundo o modelo do Gráfico Itinerário de Leitura de Imagem, proposto por Barbosa (1982), a embalagem Extra somou um maior número de pontos (2.700.000), contra 864.000 pontos aferidos pela marca Rizzo, uma diferença de 300% em termos de qualidade de comunicação infovisual.

Foram analisados onze itens do Gráfico Itinerário de Leitura de Imagem, que permite fazer uma pesquisa visual mais apurada dos fundamentos da imagem, a partir do antagonismo qualitativo: esquerdo/direito, superior/inferior, próximo/distante, grande/pequeno, volumoso/achatado, iluminado/sombrio, colorido/sem cor irrelevante, plongée/contra-plongée, textura/sem textura, inesperado/previsível e focado/desfocado. A embalagem Rizzo foi derrotada em três dos quesitos: iluminação, textura e previsibilidade. Venceu apenas a marca Extra no quesito tamanho do logotipo, cuja visibilidade isolada não lhe garante um poder maior de propaganda em relação à marca concorrente.

Por falar em concorrência, os dois produtos (Rizzo e Extra) eram produzidos pelo mesmo fornecedor (Quimivale Indústria Ltda), embora apenas a marca Extra fosse assumida, junto ao consumidor, como marca própria. A mesma empresa é responsável pela produção do sabão em pó Ultra. A nova marca assume o lugar das outras duas no PDV do hipermercado pesquisado, sendo vendida 15% a 20% abaixo do preço dos líderes de mercado. Outra curiosidade é a decisão da direção do hipermercado de proibir a realização da pesquisa de campo no estabelecimento. Talvez, uma das justificativas seja o receio de se revelar o jogo da “falsa concorrência” dentro dos supermercados. Mas não se iluda! Essa é apenas uma das armas do marketing para fazer você comprar gato por lebre.

Gráfico itinerário de leitura de imagem

Marca Rizzo – pontos: 864.000.

Marca Extra – pontos: 2.700.000.

Obs.: O resultado final é encontrado a partir da sequência de multiplicação de cada “X” pelo número de referência no lado direito da tabela.

Referências

BARBOSA, Ivan, Santo. Gráfico Itinerário de Leitura de Imagem. São Paulo, tese de Mestrado (USP), 1982.

DONDIS. Donis. A. Sintaxe da linguagem visual.São Paulo: Martins Fontes, 1997.

CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo, ed. Terra e Paz, 1999. 

GADE, Christiane. Psicologia do Consumidor e da Propaganda. São Paulo, ed. Pedagógica e universitária, 1998.

PEREZ, Clotilde, Sérgio Bairon. Propaganda e Marketing. São Paulo, ed. Futura, 2002.

REGO, Francisco Gaudêncio Torquato. Jornalismo empresarial: teoria e prática. São Paulo, Summus Editorial, 1984.

SANTELLA, Lucia. Semiótica Aplicada. São Paulo, ed. Pioneira Thomson Learning, 2002.

SAMARA, Beatriz Santos e Barros, José Carlos de. Pesquisa de Marketing – Conceitos e Metodologia – São Paulo, ed. Pearson Education do Brasil, 2002.

VESTERGAAD, Torben, Schroder, Kim. A linguagem da propaganda. São Paulo, ed. Martins Fontes, 2000.

Pesquisa do Perfil do Consumidor – Associação Mineira de Supermercados (AMIS,2002)

Pesquisa de embalagens de produtos não-anunciados – Associação Brasileira de Embalagens (ABEM, 2003)

* Geraldo Seabra, jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. Na área acadêmica lecionou no UniBh, Unipac Lafaiete e Funorte. No mercado trabalhou em diversos órgãos de imprensa: Rádio Itatiaia, Rede Minas de Televisão, Rádio Alvorada, Agência de Publicidade CMK3, Revista AMIRT, Diário de Belo Horizonte e Jornal Sabará em Minas. Nascido em Belo Horizonte, está radicado atualmente em Treviso (Itália), onde atua como editor e produtor do Blog dos NewsGames.

[Webinsider]

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Luciene Santos, jornalista e especialista em games como informação e notícia. É co-autora do e-book “Do Odyssey 100 aos NewsGames – uma Genealogia dos Games como Informação”. Nascida em BH, está radicada atualmente em Treviso (Itália), onde atua como apresentadora da WebTV do Blog dos NewsGames.

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