A diferença entre cinema intelectual e cinema para relaxar

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Vamos começar com a seguinte pergunta:

– A crítica sempre está certa?

A validade da interpretação

Eu nunca pensei que fosse passar o que eu passei quando publiquei minha crítica sobre Batman – O Cavaleiro das Trevas Ressurge.

A ideia me parecia sombria e distante; todas as minhas polêmicas sobre Nolan — qualquer um dos seus filmes — se resumiam a embates em chats e fóruns. Eu sabia que poderia aparecer gente (talvez desses mesmos fóruns) dizendo que eu não tinha entendido o filme ou que eu deveria ler os quadrinhos de Kane (70 anos, galera; 70 anos de publicação para entender um filme de 160 minutos), mas nunca pensei que fosse ser atacado pessoalmente. Batman de repente pareceu ser um obscuro objeto de desejo.

Mas o que me chamou a atenção foi o número de vezes que li que eu estava levando o filme muito a sério. Que era só um filme para se divertir. “Fui no cinema [sic] para relaxar, me distrair, me divertir, esquecer do mundo após um longo dia de trabalho”, escreveu um leitor.

A questão é: interessa se você vai ao cinema com a sua namorada, ou sozinho, ou depois do seu longo dia de trabalho? A resposta é óbvia, não.

Filmes foram feitos para serem levados a sério — especialmente quando é um filme de Christopher Nolan, esta pequena criançona. Amnésia e O Grande Truque (especialmente este último) são filmes populares; A Origem, então, nem se fala. Eles transpiram ânsia por intelecto; nadam desesperadamente num mar de quebra-cabeças “complexos” – eles apenas esperam que o espectador vá lá e monte-os.

Enfim, eu poderia passar parágrafos e parágrafos quebrando o cinema de Nolan, mas não é isso que quero fazer. Este texto serve para discorrer sobre uma questão muito mais importante: existe uma barreira que separa o cinema ~intelectual~ (porque uma expressão tão absurda como essa deve ser escrita entre tildes de ironia) e o cinema ~para relaxar~?

Como crítico e amante do cinema, digo que não há. Não há diferença alguma entre pegar Satantango de Béla Tarr e Como se Fosse a Primeira Vez de Peter Segal. As duas coisas são as mesmas: cinema. A diferença básica é que em um filme de Tarr seus temas estão sublinhados e em negrito: Todo mundo sabe que Satantango é um filme sobre existencialismos e traumas do capitalismo, é sobre o fim da ruralidade, a crônica de uma cidade decadente em que bois e homens coexistem nas mesmas ruas lamacentas. É fácil discorrer sobre as ideias e sobre a forma do filme.

Como se Fosse não serve para uma análise de cinema mais aprofundada numa primeira olhada. É um filme fraco em todos os aspectos possíveis e, como se já não fosse suficiente ser tão rasteiro, entrega um spoiler abominável de O Sexto Sentido. Como se Fosse a Primeira Vez é, aí sim, um filme sob medida para o espectador-médio (aquele cara que entra no cinema com a esposa e os dois filhos para ver um filme dublado) e matar o tempo.

Só que o espectador-médio nunca vai pensar sobre nada do que está vendo, e daí ele pensa que quem se estende demais sobre um filme desses é mesquinho metido a intelectualóide. Ele nunca vai poder traçar uma lógica sobre o que acabou de ver. Se o filme lhe agradou, ele irá dizer “Gostei porque é bom”. Se não agradou, “é o pior filme que já vi!”.

Mas a verdade é que um filme ruim serve ao menos como contraexemplo. Você não sabe distinguir um filme bom de um filme ruim a menos que tenha visto um de cada exemplar — e se você achou um filme ruim, você tem que saber porque não gostou de um filme. Só que, às vezes, existem choques de visões: quando escrevi sobre Batman, sabia que muita gente iria discordar sem nem mesmo ter lido o texto. Só o cabeçalho do artigo seria suficiente para afastar fãs do filme — e aí se observa quem ama cinema ou apenas faz culto de imagem. Essas são as personificações viva do espectador-médio – eles apenas não querem admitir isso.

Um filme feito apenas para diversão tem seus valores também. Alguns gostam de As Branquelas, mas esse “alguns” são apenas aqueles que estão condicionados a um cinema de má qualidade. Essas pessoas provavelmente também dirão que o crítico que fala mal desse filme é burro, ignorante, velho, recalcado, imbecil, idiota, só gosta de filmes húngaros de sete horas (Satantango!), etc. Mas qualquer um com um mínimo de QI e experiência sabe dizer que As Branquelas é um exemplar abominável de cinema porque é mal desenvolvido, tem piadas grosseiras e de extremo mau gosto (e você está escutando isso de um cara que gosta de Pink Flamingos), é terrivelmente dirigido, tem atuações constrangedoras e beira a misoginia em alguns momentos.

Daí para frente é tudo interpretação. Talvez um fã de Batman ou de Branquelas fique assustado simplesmente por causa do tamanho dos textos. “Como alguém pode gastar tanto tempo escrevendo um texto tão grande para um filme que só quer diversão”, alguém pode se perguntar. Bom, aí a resposta é simples: o cara que pergunta isso tem preguiça de leitura.

A crítica não se resume a estar certa ou estar errada. Qualquer um pode ser um crítico, mas nem todos podem ser bons críticos e essa é a diferença. Tome Douglas Sirk, por exemplo. 22 filmes durante a década de 50 — uma média de 2.2 filmes por ano. A crítica de seu tempo nunca o levou a sério — foi chamado de diretor de filmes água com açúcar, melodramático, bobo, filme para dona de casa, etc. Alguém duvida, hoje, que ele é um dos grandes mestres do cinema? Ninguém. Entretanto, precisou-se de alguns anos para que seu impacto pudesse ser medido em plenas dimensões.

A história do Cinema é contada em ciclos. Hoje eu não respeito Nolan nem Michael Bay — e nem quero. Ainda bem que a minha visão está longe de ser universal, mas ninguém deveria respeitar o trabalho dos dois. Eu não respeitava Tony Scott, mas uma vez que ele se matou no domingo, já se iniciou um processo de reavaliação do seu trabalho (não sei se é para valer ou se é comoção hipócrita, mas já se pinta um novo quadro dele). Não duvido que, talvez, esses cineastas sejam tidos como mestres do cinema, no futuro. Talvez uma geração futura de historiadores e acadêmicos encontre qualidades que, agora, são inexistentes para o olhar atual no cinema de Bay e Nolan (e Scott, e Petersen, e Emmerich…).

O espectador-médio gosta de achar que o crítico é o senhor da razão e depois tem a hipocrisia de chamá-lo de arrogante. O caso é que o crítico não é senhor da razão. O problema do espectador-médio é que ele é inseguro; parece que essa parcela do público se segura na crítica como norte intelectual, como se a inteligência do espectador tivesse de ser reafirmada por uma crítica positiva de um filme que ele gostou (e se não encontrar a reafirmação, o crítico é burro e merece ser empalado).

A crítica não precisa provar que cineasta X é bom e que cineasta Y é ruim – e não acreditem em consensos. A crítica simplesmente quer que todos encontrem sua própria visão de cinema. E da minha parte, estou preparado para qualquer coisa desde que ela esteja bem desenvolvida.

Estou preparado até mesmo para escutar que a Saga Crepúsculo é uma obra-prima. [Webinsider]

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Victor Bruno (@victorfbruno) é editor do blog coletivo Ornitorrinco Cinéfilo.

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2 respostas

  1. Li seu artigo e percebi que você tem uma opinião rígida sobre coisas que não são absolutas: a opinião pessoal e os sentimentos das pessoas, em particular, das pessoas comuns, sem formação artística.

    Você até poderia classificar um filme tecnicamente, partindo de uma determinada corrente; mas nunca poderá classificá-lo do ponto de vista emocional com tamanha certeza, como fez.

    Seja uma comédia “pastelão”, um drama, um terror ou qualquer outro gênero. É a subjetividade do sentimento que leva pessoas leigas a gostar, ou não, de um filme, e não saber o motivo. Toda arte tem seu lado subjetivo e emocional, mesmo havendo rigor técnico na produção.

    Em certo ponto você propõe um possível comentário das pessoas que discordam dos críticos de cinema: “…Essas pessoas provavelmente também dirão …”. No final do mesmo parágrafo, você (des)qualifica “essas pessoas” com o mesmo nível de arrogância e ignorância do hipotético comentário.

    Talvez você acredite em verdades absolutas na arte. Mas a experiência de vida mostrará que não é bem assim.

    Abraço

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