O que podemos aprender com os produtos e serviços piratas

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Lacunas de mercado e falhas no atendimento abrem brechas onde há demandas pouco atendidas. Podemos aprender alguma coisa com os piratas?

 

Todos nós, em algum momento de nossas vidas, nos relacionamos com produtos “piratas”. Tradicionalmente, o termo se refere a itens falsificados, como cópias de relógios, roupas, CDs, games e até livros. Hoje, porém, o conceito de pirataria se estende aos serviços.

No Rio de Janeiro há exemplos clássicos, como a “GatoNet”, a “GatoVelox”, os ônibus e vans piratas e as ligações clandestinas de água e energia elétrica.

Outra prática considerada pirataria é o compartilhamento de músicas e filmes em formato digital. Mas será que não podemos aprender algo com este quadro?

Quando analisamos caso a caso, um aspecto comum chama a atenção: os produtos e serviços piratas ganham força para suprir um gap entre a demanda de um segmento e a falta de oferta.

O caso do transporte alternativo no Rio de Janeiro é emblemático: por décadas, as empresas de ônibus se apoiaram na Fetranspor (que sempre teve excelente relacionamento com o poder público) para oferecer um serviço irregular, precário e incompatível com as necessidades da população.

Com isso, motoristas de vans e kombis se estabeleceram e cresceram cobrindo inicialmente itinerários que eram desprezados ou invisíveis para as empresas. O transporte alternativo ganhou musculatura, se “oficializou” e se tornou um império (sem aqui entrar no mérito da estreita relação com criminosos e milicianos).

Mas tudo começou a partir de uma demanda não atendida ou de um serviço prestado de maneira incompleta. Onde as empresas erraram? Será que não perceberam a brecha aberta para a concorrência? O monstro cresceu e está aí: somos todos forçados a conviver com ele.

Ainda no exemplo do transporte público, as empresas de ônibus continuam precárias, apesar de alguma evolução.

Do meu trabalho até em casa, tomo um ônibus especial, desses com ar condicionado. No ponto ao lado, há um terminal “pirata”: um ônibus também com ar condicionado, cobrando uma tarifa R$ 2 mais barata. Só que não para por aí: foram criados serviços diferenciados começando pelo fato de que os veículos têm hora certa para chegar e sair do terminar (sim, isso é uma inovação para as empresas de ônibus no Rio).

Os piratas devem ter estruturado uma logística maravilhosa, ainda novidade para nossas organizações tradicionais, não é mesmo?

Além disso, é possível reservar o seu lugar pagando semanal ou até mensalmente. Enquanto isso, eu e outras pessoas aguardamos em uma fila imensa por veículos que sempre atrasam e no final, pagamos mais caro para ir em pé ou temos que ficar por mais uma hora no terminal até que possamos voltar para casa com alguma dignidade.

O que faz com que uma cooperativa de ônibus irregular e possivelmente comandada por iletrados consiga oferecer o básico (transporte com horário determinado e sem atraso), enquanto uma empresa comandada por gestores diplomados não consegue?

O que permite a eles inovar, como no caso da reserva de vagas para passageiros que pagam a mensalidade? O que faz com que a GatoNet na Baixada Fluminense consiga atender a reclamações dos usuários em menos de 24 horas, enquanto Net e similares realizam um atendimento ruim e alvo de constantes reclamações?

Senhores, não pretendo fazer qualquer apologia a produtos e serviços irregulares. Sei também que os “pirateiros” não são agredidos pelos impostos, taxações e tudo o mais que o sócio chamado governo cobra das empresas legalizadas. Porém, não me parece que as vantagens oferecidas por alguns serviços “piratas” sejam frutos unicamente da ausência de taxações (afinal, no caso do transporte alternativo, foge-se dos impostos, mas não dá para fugir da máfia das cooperativas e dos milicianos).

A eficiência no atendimento e as políticas de relacionamento implementadas pelos “executivos de tapa olho” fazem com que as investidas de grandes empresas nos mercados dominados por produtos e serviços alternativos resultem em fiasco. Por que uma família de baixa renda pagaria R$ 39,90 por uma TV por assinatura com poucos canais, se por R$ 30 mensais pode ter a “GatoNet” em mais de um ponto da casa e com maior agilidade no atendimento?

Reparem nos detalhes: claro que se trata de um problema muito mais complexo envolvendo questões sociais, culturais, estruturais e até políticas. Mas focando sob o prisma do marketing e do relacionamento com os clientes, fica fácil perceber que a indústria pirata ganha muita força porque as empresas se mostram incompetentes ou descompromissadas em atender bem ou a suprir demandas reprimidas.

Em cenários onde há demanda mas falta oferta pelas vias oficiais, criamos uma brecha para o desenvolvimento de pirateiros e dos empreendedores informais e/ou ilegais. O MP3 era uma ameaça até Steve Jobs pensar no iTunes.

A pirataria é uma questão política que transcende a iniciativa privada. Mas no que tange às estratégias de relacionamento e o marketing como um todo, muitas marcas estão ficando para trás pela própria inércia e incapacidade de focar nestes mercados.

É um desejo de boa parte da nova classe média regularizar os serviços que antes contratava pelas vias alternativas. Nesse ponto, organizações comandadas por brilhantes executivos ainda perdem por não serem capazes de cumprir o óbvio e oferecer um atendimento mais eficiente.

Pergunto então aos senhores: podemos aprender algo com os piratas? Quantas outras máfias das vans serão criadas diante dos nossos narizes? Quantas oportunidades de negócio vamos perder por conta dessa inércia (ou arrogância) operacional? Precisamos, definitivamente, descer do pedestal. [Webinsider]

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Bruno Garcia (bruno.garcia@com2b.com.br) é o editor do Mundo do Marketing. Sócio da Com2B, mantém o site Com2Business e o Twitter @bruno_com2b.

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