Quem inventou a internet?

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Não sei se vocês acompanharam – houve um debate recentemente nos Estados Unidos, que surgiu a partir da declaração do Obama de que o governo dos Estados Unidos teria criado a internet. A intenção da frase era mostrar a importância do incentivo governamental para o desenvolvimento econômico (*). Aqui tem um resumão desse debate em inglês com todos os links para os textos originais, que eu não terei condição de publicar agora.

Cada um nomeou um inventor diferente:

O mercado. Um analista do Wall Street Journal contestou a versão do presidente dizendo que a internet teria sido criada, na verdade, por empresas, precisamente pela Xerox PARC, que contratou um dos engenheiros do governo depois do projeto original e que este, sim, teria sido o ponto de partida, via a Ethernet, uma solução criada para interconectar computadores.

O governo. Na sequência, o analista da revista Times entrou na conversa defendendo o presidente ao apontar que sim, o elemento criador daquilo que permite a comunicação em rede é a comutação de pacotes (package switching). É graças a isso que pedaços de dados podem ser transmitidos em blocos pequenos dentro de redes de computadores e remontados no destino final. Essa foi a grande contribuição do projeto Arpanet, financiado pelo Departamento de Defesa dos EUA.

Indivíduos. Outro analista da Times se envolveu no debate para dizer que a internet era o produto de indivíduos, mentes brilhantes como a do Vannevar Bush, que conceitualizou algo parecido com uma parte da internet em 1945, ou de Engelbart (mouse e hipertexto), Vince Serf (TCP/IP), Tim Berners-Lee (hiperlink), Andressen (Mosaic, primeiro navegador), etc.

Nós mesmos. Finalmente, para encerrar a discussão, entrou Steven Johnson, publicando sua posição via New York Times, defendendo que todos estavam errados e que o inventor da internet “somos nós”. Aqui ele se refere ao movimento open source, Linux e as possibilidades abertas pelo trabalho colaborativo feito de forma descentralizada.

Ninguém. Não estou aqui querendo dizer que nós tropeçamos na internet como Aladim tropeçou na lampada mágica do gênio. Minha ideia é um pouco mais sutil e em parte pode-se dizer que deriva da argumentação do Steven Johnson, mas se diferencia da dele no sentido em que ele enxerga que houve “agência” (no sentido de uma ação com propósito) enquanto, para mim, o processo ocorreu em outro nível, meio que como da mesma maneira com que se criam cidades: há alguns estímulos e as pessoas vão construindo suas casas umas próximas das outras.

A essência da internet

O meu argumento não é filosófico; é que eu localizo o surgimento da internet a partir da transformação que eu entendo que ela trouxe para a sociedade: a possibilidade de comunicação grupal interativa a distância. Antes da internet havia dois modelos predominantes de tecnologia de comunicação: ou você fala e escutava (telefone) ou você só falava ou só escutava, mas atingia grupos (televisão, rádio, etc).

A novidade da internet é permitir que algo parecido com a conversa em torno da mesa, em que várias pessoas escutam todos e falam com todos, aconteça independente do tempo e da distância. É isso que vemos desde os murais de mensagem, das listas de discussão, até hoje nas conversas que acontecem pelo Facebook: são conversas “semipúblicas”.

Foi sem querer

O momento que eu considero iniciador dessa experiência; o momento em que se descobriu essa possibilidade, não foi planejado, ao contrário. A Arpanet, como muitos sabem, não tinha o propósito de fazer pessoas conversarem; era para computadores compartilharem seus dados. Em resumo, a história que me interessa é a do engenheiro Ray Tomlisson, um engenheiro contratado para trabalhar no projeto Arpanet e que, extraoficialmente, instalou no sistema o programa de troca de mensagens eletrônicas desenvolvido no MIT.

Acontece que, no MIT, esse programa servia para outra finalidade; não havia redes de computadores porque eles eram caros, apenas instituições tinham computadores. O acesso a eles era compartilhado e o programinha servia para pessoas trabalhando no mesmo projeto deixarem recados entre si. Foi no Arpanet, portanto, que se experimentou a possibilidade de conversa grupal a distância, na medida em que existiam vários computadores interligados e as pessoas podiam mandar a mesma mensagem para várias pessoas e elas responderem para os mesmos múltiplos destinatários.

Conclusão

Como você vê, não houve propósito porque não existiu antecipação de resultado. Apesar de ter sido feito de forma extraoficial, Tomlisson não estava conduzindo um experimento de comunicação grupal; o entendimento que ele tinha do programa derivava da experiencia prévia com ele como mural eletrônico para pessoas co-utilizando um computador. Para esses estudantes no MIT, não fazia sentido ficar mandando mensagens grupais porque eles podiam se encontrar fisicamente e era mais rápido e prático conversar ao vivo.

A vantagem da comunicação eletrônica grupal se estabelece na medida em que os meios que existiam até o momento (rádio amador ou conferência telefônica) não comportam muitas pessoas e dependem da participação simultânea dos envolvidos. O e-mail dispensa isso: você fala coletivamente e escuta coletivamente sem que as mensagens se confundam umas com as outras (como acontece com pessoas falando ao mesmo tempo via conferencia telefônica) e na hora mais conveniente para você.

Ninguém inventou a internet da mesma forma como ninguém inventou a fala, a cidade ou a cultura. A internet é o resultado de um processo contínuo de experimentação social: na medida em que as pessoas foram usando-o umas com as outras, foram fazendo modificações, que não são necessariamente tecnológicas, mas em relação a maneira de entender e usar um determinado elemento: por exemplo, ter a possibilidade de mandar mensagens com cópia oculta ou reproduzir a mensagem anterior no fim da mensagem atual.

Mais interessante do que ver quem é ver a velocidade como nós recriamos e inventamos coletivamente espaços de socialização, como adaptamos aquilo que não serviria originalmente para se conversar e transformamos isso em uma plataforma para conversa. E isso não pertence a ninguém especificamente, nem a governos, nem a universidades, nem a indivíduos. E da gente, de forma plural; a internet é só uma nova expressão dessa vontade de nos comunicarmos.

(*) Essa declaração repercutiu pelos meios de comunicação porque se remete ao que está no cerne da diferença entre republicanos e democratas: estes (como Obama) acham que o governo tem um papel mais importante na sociedade, enquanto aqueles acham que os mercados se autorregulam (assim como as redes) e que o estado deve ter uma função bem reduzida e fazer o máximo para não atrapalhar a economia com impostos para ajudar os mais pobres, por exemplo. [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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3 respostas

  1. Interessante o artigo. Principalmente para lembramos de como foi o início de algo inimaginável como é hoje.

    Só acho que mesmo sem querer, há um criador (ou uns). Acho que muitas coisas foram inventadas de forma “sem querer”…

  2. caro manoel, entendo o que voce diz. acho importante nao generalizar. al gore se tornou piada nos EUA; obama apenas usa os recursos que tem para lutar na queda de braço com republicanos sobre gastos governamentais.

    e, nesse caso especifico, o governo teve mesmo uma grande participacao no projeto, no sentido em que a tecnologia de comutaçao de pacotes, essencial para as telecomunicacoes hoje, foi desenvolvida propositalmente para o projeto Arpanet.

    agradeço a visita a essa humilde sala de conversas.

    abraçao

  3. Em 1999 já Al Gore alegava que tinha inventado a Internet.

    http://www.youtube.com/watch?v=BnFJ8cHAlco

    Sim o Al Gore é o mesmo que fez um filme para alegar que existe aquecimento global quando na verdade o planeta passa por frio recorde, pelo menos no Inverno.

    Esse Al Gore era o mesmo que apelava ao uso racional dos recursos de energia do planeta quando a conta de energia da mansão dele era de US $2000 por mês.

    Enfim, para quê dar bola aos políticos que falam apenas o que lhes convém?

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