A estranha lógica do SAC nas redes sociais

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Na semana passada a minha mulher perdeu/foi roubada a carteira com cartões, documentos, etc, estando fora do país, e passou o maior perrengue falando com o atendimento ao cliente do Bradesco. Ela queria um cartão novo e teve que explicar que Londres não era a capital da Venezuela e que, não, ela não tinha como passar na agência para retirar o cartão.

Daí aconteceu o que vocês já devem estar pensando: depois de acumular uma quantidade generosa de estresse e frustração (após passar horas via Skype sendo passada de atendente a atendente, inclusive sendo mal-tratada), ela teve a ideia de “ir para as redes sociais” e “rodar a baiana” na página do Bradesco no Facebook.

Virou uma certa regra de ouro nos últimos anos recomendada enfaticamente em conversas entre consumidores: fazer a reclamação publicamente. “Vá para as redes sociais porque lá eles escutam.” E num certo sentido, isso tem lá sua lógica porque a mensagem publicada fica visível para outros, está documentada, pode ser vista pela imprensa, por outros clientes, pelo governo, etc. Mas, por outro lado, é uma lógica meio maluca porque, em vez de resolver o problema inicial, a empresa cria um segundo problema e depois tem que resolver os dois.

Resumindo: é como se o dono de um cachorro bravo preferisse pagar um treinamento em primeiros socorros para a esposa atender 24 horas os transeuntes que passarem pela frente da casa, em vez de colocar um portão e resolver o problema. Porque o atendimento pela internet não serve só para resolver o problema inicial, serve também para resolver o problema criado pelo mau atendimento via fone.

Então, fiquei me perguntando o motivo (ou a conta por trás) de as empresas estarem preferindo mobilizar sua clientela para falar mal do serviço na internet e assim desgastar a marca a ponto de isso ter virado uma regra entre consumidores.

Bom, essa questão acabou virando um debate interessante via Facebook entre vários amigos que, de perspectivas diferentes, estão envolvidos e refletem sobre o tema, como profissionais, consumidores ou professores que dão aula sobre isso. Selecionei algumas partes desse conversa para compartilhar a seguir:

Fábio Teles: Um palpite meu é de que as posições de atendimento de internet muitas vezes estão ligadas à área de comunicação, com um pouco mais de autonomia e poder dentro da estrutura das organizações. Conseguem assim informações com mais rapidez, soluções alternativas e têm seu desempenho avaliados dentro de um plano estratégico.

Por outro lado os atendimentos telefônicos estão ligados a estruturas organizacionais mais distantes das zonas de decisão, ou com maior escala hierárquica para conseguir aquelas informações ou soluções alternativas. Acho interessante a reflexão feita pelo Marco Gomes, que diz que as empresas precisam ter cuidado ao investir no atendimento usando mídias sociais para justamente não estimularem seus clientes a tornarem sempre públicos os problemas particulares.

É preciso achar o equilíbrio entre o relacionamento nas mídias sociais e o serviço de atendimento ao cliente. Acho interessante a reflexão feita pelo Marco Gomes, que diz que as empresas precisam ter cuidado ao investir no atendimento usando mídias sociais para que justamente não estimularem seus clientes a tornarem sempre públicos os problemas particulares. É preciso achar o equilíbrio entre o relacionamento nas mídias sociais e o serviço de atendimento ao cliente.

Daniel Souza: Reclamações na web normalmente têm um risco para os gestores de canais: são encaminhadas para os diretores e CEOs com mais facilidade. Além disso servem muitas vezes para direcionar o esforço de comunicação dos concorrentes. O ponto é o direcionamento “estratégico” que as empresas dão para cada canal/atividade de atendimento. Usando a sua analogia, treinar a mulher em primeiros socorros é conceitualmente mais barato do que colocar um portão.

Nas experiências que tive ao interagir com essas duas áreas, a preocupação com atendimento telefônico SEMPRE é diminuir custos: pessoas mais baratas, menus automáticos mais eficientes, operadores que atendem chat e telefone ao mesmo tempo e sempre, sempre a medida usada é o TMA (Tempo Médio de Atendimento).

Quanto menos tempo, melhor. Todas as empresas têm essa divisão clara do que é a operação – que sempre tem que ser barata, rápida e eficiente – e o convencimento – área cinza dos marketeiros e profissionais de branding. Só que nós, consumidores, não ligamos para essas divisões e queremos uma experiência de serviço íntegra e consistente entre todos os pontos de contato da marca: publicidade, atendimento, operação, suporte e etc.

Mauricio De Almeida Prado: O problema são os custos “escondidos” como os danos à marca, que ninguém considera. Infelizmente é muito difícil hoje em dia um gestor provar que precisa investir milhões a mais num serviço de atendimento a cliente por causa da dificuldade de mensuração dos custos escondidos. Como esses custos não vão para nenhuma unidade de negócios, ninguém na empresa reclama. É assim que tenho visto as decisões de investimento nas grandes empresas.

Minhas conclusões: O problema – departamentalização de decisões e investimentos e falta de métricas objetivas para medir desgaste de marca. Solução dada pelas empresas – como eles precisam apresentar uma métrica objetiva para o conselho, eles se baseiam na comparação das reclamações com a média do mercado.

Então todas acabam prestando um serviço ruim e buscando estar na média ao menor custo possível: mediocrização dos serviços. Solução possível – vejo três possíveis soluções (que podem ser complementares) e que foram citadas: 1. Um CEO que acredite no serviço como diferencial; 2. Aumento de regulamentação do setor: com metas de máximas de reclamações e punições mais severas; 3. Aumento da competição.

Oliver Barnes: Quer ver outro exemplo de “irracionalidade racional”: essas empresonas que nunca pagam o FGTS quando despedem os funcionários. Só pagam quando os últimos colocam no pau, muitas vezes com ações de classe, o que é custoso e queima o filme da empresa, em princípio. Mas no saldo geral das coisas, é mais barato manter um batalhão de advogados para essas ações pontuais, e pagar as indenizações negociadas, do que fazer o correto. Duas coisas contribuem pra isso: a falta de competição e a impunidade. No caso das telecoms, acho que isso está começando a mudar, pelo menos a parte da impunidade. Ainda vai demorar, mas sou otimista: acho que a internet vai mudando isso inexoravelmente. [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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