A internet vista pela antropologia

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Esses dias, pesquisando uma das revistas científicas do Brasil na área de antropologia, fiz uma busca para ver artigos que mencionam “facebook”. Mais de um bilhão de pessoas estão interconectadas hoje a partir dessa plataforma; é um fenômeno de dimensão planetária. Daí a surpresa ao encontrar apenas uma referência que é de uma entrevista feita em 2009 com um antropólogo estrangeiro.

Pretendo, então, neste post, dizer por que a antropologia é “A Área” de estudo para quem quer pesquisar e pensar de forma original e crítica a internet. E isso pode, a princípio, parecer contraditório ou estranho na medida em que a antropologia ainda é relacionada pela maior parte das pessoas (e também de uma parte dos cientistas sociais) com o estudo de grupos indígenas e comunidades tradicionais.

Estamos imersos em um grande deslumbre coletivo sobre a internet porque ela nos pegou de surpresa e vem nos surpreendendo desde o começo. Primeiro, por ela ter acontecido de forma inesperada nos anos 1970. Depois porque, contra a opinião geral de analistas no fim dos anos 1980 e início do 1990 [“Quem vai trocar o conforto da TV por um teclado?”] , ela se tornou parte intrínseca da vida de mais de um terço dos habitantes do planeta hoje.

A surpresa parece que é com a tecnologia, com essa antecipação do futuro, com a velocidade com que tudo fica mais rápido; parece ser isso porque é assim que se explica tanta mudança, mas quero sugerir que a surpresa é por outra coisa. Estamos deslumbrados não pela novidade, mas pela rapidez com que a novidade entrou nas nossas vidas; a velocidade com que todo mundo abraçou esse meio e transformou o computador, antes uma coisa futurista, em parte normal da nossa mobília.

A gente nem se lembra mais – os um pouco mais velhos – da surpresa que se tinha antes quando descobria alguém com computador em casa. E hoje a gente se pergunta como conseguia viver sem ele; como ele e o celular – que, na verdade, deixou de ser um telefone para ser também um computadorzinho – viraram pontos de encontro a partir do qual gerimos muitos dos nossos relacionamentos. E mais: fazer parte desse jeito de se comunicar não foi exatamente uma opção; algumas pessoas foram entrando e agora está “todo mundo lá”.

A gente não pensa em sair da internet da mesma maneira como não pensa em deixar de receber amigos em casa, participar de festas de Natal, pular carnaval, ir dançar, jogar futebol; a internet é mais um espaço para socialização.

Não acho que haja futuro no debate sobre o quanto a internet seja o céu ou o inferno; quem participa desse debate em geral não quer pensar, mas defender sua opinião. O que o grupo coordenado pelo professor Daniel Miller – do qual eu participo – vem prestando atenção é: em como a internet (especialmente pelas redes sociais) reverteu um processo de sociabilidade que apontava para uma constante individualização e agora mostra um cenário diferente: é como se a gente tivesse se mudado para uma cidade do interior onde todo mundo se conhece.

Em vez de separar as pessoas, Facebook e similares parece ter colocado todo mundo perto – até demais. Todo mundo em torno da mesma fogueira que é esse computador luminoso, conversando, jogando conversa fora, aprendendo, falando bobagem, contando piada, compartilhando desilusões e conquistas, mostrando coisas que acha interessante, brigando, xingando, celebrando nascimentos, homenageando os mortos e confortando os que precisam. É isso que acontece nesses sites e é isso que a antropologia está há tanto tempo prestando atenção.

Há um século essa disciplina vem aperfeiçoando sua técnica central de pesquisa chamada “observação participante” e que consiste em aprender, a partir de longos períodos de imersão e vivência, sobre esses grupos, clãs, tribos e comunidades tradicionais que se comunicam. Não é por acaso que “etnografia” – que é o resultado da aplicação dessa técnica de pesquisa – foi um dos assuntos quentes do último congresso dos pesquisadores de internet que aconteceu no fim do ano passado em Manchester. [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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2 respostas

  1. Espetáculo. Desde que Pierre Lévy falou em ‘Antropologia do Ciberespaço’ e ‘Tecnologias da Inteligência’ em fins de século XX percebi o que você constatou neste artigo. A grande maioria dos pesquisadores não dimensiona – ainda – o poder interpretativo do modelo etnográfico. Parabéns!

  2. Concordo com você Juliano que a Antropologia é a área de estudo para quem quer pesquisar mais a fundo os fenômenos advindos com a Internet. E aí temos a “netnografia” adaptada por R.V.Kozinets da Etnografia para analisar o comportamento dos indivíduos na Internet. Eu fiz uso da netnografia para meu trabalho de conclusão do curso de graduação e desde então venho utilizando no meu trabalho, e posso garantir que é possível descobrir e aprender muito! Abç

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