O som que não dá certo

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Todo audiófilo sabe que a apreciação da reprodução do som gravado nunca foi consenso. No ambiente profissional, por incrível que pareça, o consenso ainda é mais difícil, e as divergências se acentuaram mais ainda depois que a gravação de som em ambiente analógico deu lugar ao digital. E dentro deste último, as disputas são basicamente sobre o método de amostragem usado.

Recentemente, eu li uma entrevista antiga do conhecido engenheiro de gravação Tom Jung, fundador do selo DMP (Digital Music Products), dado à revista Stereophile, em uma edição de 2004. Quem consome CDs desde o seu nascimento conhece o trabalho da DMP. Nas revistas da época, contava-se que Jung vinha pesquisando métodos para gravar material de estúdio digitalmente, e ele é até hoje visto como um dos pioneiros da gravação digital. A entrevista da Stereophile conta detalhes aparentemente nunca antes revelados. Jung realmente pesquisou os tais novos métodos, mas o motivo real da pesquisa é que ele havia se cansado de bater de frente com as inúmeras limitações e problemas técnicos do som analógico. E o tendo feito tão precocemente, esbarrou em uma série de problemas até então desconhecidos. Um deles, constatado inclusive por terceiros, dizia respeito ao dropout de áudio provocado pela perda do bitstream. A gravação era feita em um dado aparelho e, na hora de ouvir o resultado, trechos inteiros simplesmente haviam desaparecido da fita master.

Apesar disso, Tom Jung não esmoreceu. Motivo: o analógico era pior! E tinha problemas, segundo ele e outros, literalmente insuperáveis. Então, ele preferiu atacar de frente os novos problemas em vez de perder tempo com os antigos. Antes do CD, a DMP vendeu música em fita de videocassete, no formato PCMF-1. O próprio nome do selo refere-se à produção de material digital. A produção das fitas, entretanto, foi curta.

Para pessoas como Jung ou Robert Woods e Jack Renner (Telarc), a duplicação em CD veio a calhar, mas não também sem a sua lista de problemas. As gravações digitais de estúdio eram formatadas com LPCM em mais de uma frequência de amostragem e resolução (“bit depth”). Para fazer uma matriz de CD seria necessário converter este material para o padrão de 44.1 kHz de amostragem e 16 bits de resolução. Foi aí que eles perceberam que esta conversão estava longe de ser perfeita. Muitos usuários, inclusive, achavam que o vinil do mesmo material “soava melhor”. O que não se sabia é que havia erro introduzido a partir do material fonte, que o estúdio não conseguia controlar.

Há nisto tudo um pouco de exagero. Hoje é perfeitamente possível saber que fitas originais eram estas, tanto DMP quanto Telarc. Basta comparar as versões em SACD e CD da mesma gravação. Como as fontes são gravadas em dois canais diretamente (a mixagem é feita na mesa, em tempo real), a comparação é legítima. Na versão em SACD, supostamente a acuidade de conversão é garantida como 100% fiel, ou seja, uma fonte Soundstream, por exemplo, a 50 kHz e 16 bits converte integralmente a DSD.

Mas a comparação entre SACD e CD, neste caso, não é de todo fácil. Os processos de decodificação e filtragem são diferentes. Além disso, a reprodução de SACD depende muito do equipamento de reprodução e da maneira como o sinal é transmitido ao decodificador. O próprio Tom Jung assinala que é preciso um equipamento leitor e cadeia de reprodução de excelente qualidade. Em outras palavras (e eu interpreto): caso contrário, ninguém vai conseguir notar a diferença!

 As mazelas do corte de acetato

Ledo engano de quem pensa que o som do disco analógico é o som original da gravação! Hordas de audiófilos idolatram o “som mais quente e preciso” do vinil, como se o mesmo traduzisse de fato o som que o técnico do estúdio está ouvindo, na reprodução da fita de primeira geração. Acontece que esta fita nunca chega à sala de corte do acetato, onde a chamada madre do Lp é preparada. Os estúdios encarregam um engenheiro de masterização, como responsável pela preparação do material, de acordo com a mídia de destino, e ele não pode negligenciar o fato de que estas mídias são diferentes (CD, DVD, etc.).

Na época do Lp, a fita destinada ao corte previa as limitações físicas não só da agulha de corte, do acetato propriamente dito, como também da faixa de frequência, dinâmica e duração do material de origem. E isto é só o começo: no segundo estágio, é preciso a presença de um engenheiro de corte, que conheça as mesmas limitações e como contorná-las de maneira a que o Lp soe corretamente, ou com pouco erro.

 Uma experiência pessoal

É possível que tenha sido Nelson Rodrigues quem um dia afirmou que “o homem antes dos quarenta é um perfeito idiota”. E eu era! Nos meus anos de créditos para a obtenção do grau de mestre, ainda muito imaturo na profissão, profundamente insatisfeito e frustrado com a carreira acadêmica, eu decidi mudar de atividade. Fui à livraria e comprei o livro “Modern Recording Techniques”, de autoria do engenheiro de gravação Robert E. Runstein (editora Howard & Sams, 2ª edição, 1974), e li aquilo como se fosse uma bíblia. O livro, que ainda sobrevive na sétima edição, junto com outro autor e as atualizações pertinentes, eu o guardei de lembrança, e mostro a capa a seguir:

 

Na contracapa, algumas notas sobre o autor:

Um vizinho, pai de um amigo de infância, e profissional da antiga fábrica da Companhia Industrial de Discos, tentou me colocar em um estágio na Tapecar, que havia comprado um torno Neumann novinho. Não deu certo. Logo depois, um conhecido meu conseguiu um estágio na sala de corte da falecida Polygram. Lá também, um torno Neumann super moderno. E como o livro de Runstein tratava de uma máquina Neumann VMS-70, eu topei na hora.

Estes tornos Neumann são de babar na gravata. Uma joia de design e recursos. O console principal governa com admirável precisão um prato ultra pesado, com furos em sua circunferência, que trabalham com uma bomba de vácuo, que segura firme o disco de acetato no lugar. Para operar o torno corretamente, é preciso instalar um tape-deck com uma cabeça de pré-leitura. As informações colhidas por esta cabeça irão ajudar a calcular, entre outros parâmetros, o passo da cabeça de corte e a variação de modulação, principalmente a profundidade dos sulcos.

A informação cortada no Lp moderno é padrão: um sulco estéreo em “V” (“45º-45º”), no qual a parede próxima ao centro é modulada perpendicularmente, para a gravação do canal esquerdo e a parede do lado da borda, a mesma coisa, para o canal direito. Todos os sons “em fase” entre os canais provocam o movimento (corte) lateral da agulha, enquanto que os sons “fora de fase” provocarão o aumento da profundidade do sulco (modulação vertical).

Quanto mais volume (amplitude) o som gravado tiver, mais modulação no sulco e mais espaço serão necessários. Sons de baixa frequência são os que ocupam o maior espaço, exigindo que as linhas cortadas fiquem separadas corretamente, caso contrário poderá haver distorção ou crosstalk (interferência de um sulco no outro). Por isto, a leitura por uma cabeça separada, antes da leitura do som a ser gravado, é importante. Não só isso, mas sons graves e exageradamente fora de fase fariam a agulha saltar e perder o rastreamento. O engenheiro de gravação estabelece assim um corte de frequência a partir do qual um filtro é aplicado e sinal e remixado em fase nos dois canais (mono). Esta escolha de corte geralmente fica em torno dos 70 Hz.

O meu estágio na sala de corte da Polygram foi pífio. Impedido de botar a mão em qualquer equipamento, o que me restou foi olhar o trabalho alheio. Um dos técnicos era muito simpático e ia me explicando um passo (sem trocadilho) de cada vez. Não impediu, infelizmente, que eu pudesse observar que não se respeitava regra alguma lá dentro. Em uma das poucas vezes que eu estive lá, eles cortaram uma fita master da Pablo, com a gravação “Ella in London”, que vinha com um aviso na caixa dizendo “Dolby A”, e a fita foi tocada com o decodificador Dolby desligado. Eu perguntei por que, e o técnico me disse que aquilo ali estava com defeito há muito tempo. Segundo Rustein, depois de cortado o acetato, e por causa da temperatura da laca, não se deve tocar o disco. Tocaram na minha frente. O disco da madre tem base de alumínio com uma cobertura de um composto de nitrocelulose, que é sensível a arranhões. Qualquer anomalia, e a informação espúria passará para a matriz de estamparia.

Desnecessário dizer que eu aprendi dupla lição: uma, explicando porque o disco Lp brasileiro sempre foi problemático; outra, que a minha profissão de origem jamais poderia ser desviada com trivialidades e fantasias. Se eu tivesse largado a minha carreira, estaria hoje na rua da amargura, pois o CD terminou por tornar obsoleta uma profissão ocupada por uma meia-dúzia de técnicos.

 Agulha, cápsula e braço raramente se entendem

Mesmo o mais fanático e obstinado dos fãs de Lps é obrigado a concordar: toda vez que se muda o conjunto cápsula e agulha de um toca-discos analógico, o som muda completamente. Em muitos casos, basta trocar a agulha!

Minha mãe, que era “audiófila” sem saber, começava a ouvir distorção, e chamava o técnico da Telefunken, o que acontecia de seis em seis meses mais ou menos, que ia lá em casa trocar a agulha. Era uma cápsula de relutância variável G&E, moderna para a época. O som se deteriorava, à medida que a ponta de safira ia gastando. Em épocas remotas, as pessoas tinham uma caixinha de agulhas em casa, e elas mesmas trocavam as agulhas após duas ou três reproduções de discos. A base do disco sempre foi mais dura do que as agulhas, projetada com a filosofia dos antigos de que era mais negócio trocar uma agulha do que comprar um disco novo.

Os fabricantes de disco passaram a adotar o vinil, que é um plástico capaz de aceitar lubrificantes na sua fórmula. Assim, a diminuição do atrito aumentou significativamente a vida útil das agulhas. Mas, foi somente depois da invenção da chamada “agulha permanente” que o problema de fato atenuou. Nela, a ponta de safira foi substituída por diamante sintético. Por seu turno, o design das cápsulas possibilitou a montagem de sistemas de suspensão do conjunto agulha – cantilever capazes de trabalhar em braços de liga ultra leve (por exemplo, fibra de carbono) usando uma fração da pressão em gramas-força causada pelo conjunto, em cima dos discos. Cápsulas modernas conseguem boa trilhagem, apesar de o peso ficar na faixa de 1.5 a 2.0 gf.

Mesmo assim, e não tendo como evitar a manutenção conservadora dos discos e erros de trilhagem inerentes à interação fono mecânica entre agulha e sulco, o uso de discos analógicos é frustrante, principalmente para aqueles que só têm interesse na música. Um dia, a minha mãezinha, irritada com o ruído de superfície, me pergunta se algum dia a gente iria se livrar de disco com agulha. Quando o CD saiu, em 1983, eu ainda tive chance de mostrar para ela que o seu sonho havia sido realizado. Aliás, o dela e de milhões de pessoas que nunca aturaram estalido de sulco fraturado.

 A parafernália de ajustes

A reprodução correta (ou a melhor possível dentro das limitações do equipamento) de discos analógicos sempre me obrigou a manter em casa um monte de recursos para tentar curar problemas causados pelas discrepâncias entre o torno de corte e o toca-discos doméstico.

Para começar, por se tratar de um objeto circular, o tangenciamento do braço na trilhagem do disco embute em si um erro. No torno de corte, a cabeça se movimenta no raio do disco e isto obrigaria que o braço doméstico fizesse o mesmo. Nos modelos com este tipo de braço, ainda assim persiste um problema: durante a reprodução, o deslocamento da cápsula é acompanhado por atrito na suspensão. E eu já vi de tudo, para resolver isto. Uma das soluções aparentemente brilhantes, é insuflar ar com uma bomba e manter a suspensão sem contato com o braço linear que a suporta.

O erro de tangenciamento sozinho já é um super problema, pois a correção de braços que não são lineares podem até ser minimizada, mas impossível de corrigir. Na tentativa de fazê-lo, existem gabaritos nos quais a agulha pousa em dois pontos distintos. Eu usei um, feito pelos irmãos Garrod, dado por um amigo meu, e o outro, do fabricante do toca-discos. Nenhum dos dois ajustes coincidiam entre si! Para saber qual o melhor (correto?) só ajustando um de cada vez e ouvindo o resultado.

Mas, infelizmente, não fica por aí. A agulha de corte do acetato trabalha com um ângulo vertical de trilhagem (VTA) em torno de 18º. Uma explicação mais detalhada sobre isto é mostrada em várias publicações do ramo. O fabricante de cápsula é obrigado a especificar qual o ângulo em que a agulha é montada, o qual, idealmente, deve ser ligeiramente diferente do ângulo de corte. O ajuste tem que ser feito toda vez que um modelo de cápsula é trocado, mas é preciso que o braço do toca-discos seja previsto para aumentar ou diminuir a altura da torre traseira da suspensão, de forma a que a cápsula fique o mais paralela possível ao disco. Se isto não for feito, a reprodução irá ocorrer com distorção. E nos casos onde o braço é de altura fixa, a única solução é instalar um modelo de cápsula previamente testado e aprovado pelo fabricante.

Mesmo depois de todos os ajustes feitos, a gente se pergunta como é possível tirar um som decente daquilo tudo ali. Existem interações mecânicas na tração do braço, que se não compensadas, iriam arrastá-lo para o centro do disco, independente da agulha estar pousada sobre o sulco. A quantidade de erros mecânicos persiste em qualquer sistema, mas é diminuída nos toca-discos “high end”, que custam até hoje uma pequena fortuna. E cápsulas de boa qualidade, que precisam ser tratadas a pão-de-ló, mais caras ainda.

Além dos ajustes, existe a questão imperativa da manutenção do sistema. Toda vez que a agulha aterrissa no sulco, exercendo uma tremenda pressão sobre ele, a tendência seria em tese destruir tudo. A prática no uso do disco analógico mostrou que a limpeza dos discos e da agulha é importantíssima, para a preservação da qualidade e durabilidade do conjunto disco-agulha. Vários tipos de contaminantes (por exemplo, fumaça de cigarro) poderão se depositar no plástico do disco e a presença destas partículas é grande o suficiente para adulterar a reprodução do som ou deformar o sulco cortado permanentemente.

 Quando a masterização para o CD está errada!

No passado, eu li e ouvi muita gente criticando o som dos CDs, sem ter, entretanto, a mínima noção do que estava se passando.

Em uma mídia que tem capacidade para cerca de 90 dB de dinâmica e relação sinal/ruído, é de se estranhar o emprego de equipamentos comumente usados para a solução de problemas derivados do ambiente analógico. Um deles é o emprego de limitadores. O uso desta aberração serve para definir o nível de modulação máximo que o programa musical pode ter.

Ora, uma gravação típica de música clássica, com variação orquestral de dinâmica intensa, está geralmente uns 30 dB abaixo da capacidade de um CD. O que significa, na prática, que qualquer fita de estúdio de primeira geração pode ser integralmente transcrita para ambiente digital e na masterização do CD continuar intocada. Além disso, a gravação digital não é restrita pela relação entre amplitude e frequência, o que significa que a restrição de reprodução de qualquer instrumento musical é tecnicamente irrelevante!

Da mesma forma, os compressores tendem a limitar a faixa dinâmica do programa musical, impedindo que haja grande variação de amplitude entre instrumentos. Esta variação é importante para a reprodução da alta fidelidade, porque cada instrumento tem características próprias, tanto tonal quanto de intensidade do som emitido. Quando um compressor é usado, tudo soa no mesmo nível. É ótimo para quem gosta de ouvir rádio, mas péssimo para quem gosta de ouvir música.

A faixa dinâmica é o intervalo em decibéis, que espelha a relação entre os sons mais altos e os mais baixos. Em gravações sinfônicas, ele exerce o papel de aumentar a dramaticidade na execução, ao alternar sons tocados quase na surdina e momentos onde a massa orquestral, incluindo percussão, se acentua.

Ao comprimir o programa musical, a dinâmica do mesmo é perdida. Fitas originais de estúdio exibem uma dinâmica raramente ouvida em CDs. Os técnicos continuam viciados no conceito de que o ouvinte doméstico não suportaria ouvir o som das fitas matrizes, porque a dinâmica os impediria de ouvir todos os instrumentos no mesmo volume de reprodução. Este conceito está errado, porque a dinâmica do programa musical não se refere somente a diferenças de amplitude individuais, mas ao conjunto destas diferenças. Não é possível comprimir instrumento por instrumento, e assim comprime-se tudo, ou em faixas de frequência específicas, o que é pior ainda!

A redução de ganho conseguida por limitadores e compressores beneficia amplificadores medíocres, aqueles cuja velocidade de reprodução e variação de potência nos estágios de saída não é capaz de aguentar a dinâmica e a reprodução de transientes de uma gravação de boa qualidade. Em amplificadores e sistemas capazes, o resultado final, entretanto, é desastroso. É preciso ter em mente que o som gravado digitalmente, para ser corretamente reproduzido, demanda sistemas rápidos e de grande capacidade de corrente na fonte.

Idealmente, o CD devia ser o meio de transporte do equivalente da fita matriz, no caso analógico, da fita de primeira geração. Alguns anos atrás, a Toshiba fez isto, em uma série que ficou conhecida como “Black Triangle”, por causa do design do selo dos discos. Um dos lançamentos foi justamente o disco antológico “Abbey Road”, dos Beatles, daqueles que quem tem não vende nem empresta. Existe uma lista circulando pela Internet, mas já há vários anos é difícil se conseguir um exemplar. Eu nunca ouvi o Black Triangle dos Beatles, mas a remasterização de 2009 está por aí e soa pouca coisa diferente do CD original, e certamente muito diferente do Lp.

Se os CDs antigos enfrentavam problemas de conversão de formato, hoje em dia qualquer computador doméstico bem montado faz a mesma tarefa sem qualquer problema. A qualidade final do som digital, entretanto, exige uma mudança de conceitos. Mudanças estas que são sentidas em estúdios cujos donos têm clareza sobre os processos de remasterização analógico-digital, e tentam usar o mínimo de filtros ou redutores de ruído. Não que isto seja proibitivo. Em alguns casos, é necessário restaurar a fita original, em função de uma série de problemas, e se nota que só o aumento da relação sinal/ruído já é capaz de aumentar a fidelidade de reprodução.

 A busca do lucro ou da qualidade

Historicamente, a indústria fonográfica agiu dentro de um parâmetro só: ganhar dinheiro! Existem, felizmente, honrosas exceções, selos que primaram pela pesquisa e pela melhoria do material gravado, pessoas que se esforçaram em oferecer algo melhor para o ouvinte que, além de gostar de música, aprecia também um som de boa qualidade.

No chamado “selo de audiófilo” a busca é sempre pelo melhor som. Alguns são adeptos do som analógico, outros do digital, mas a busca é a mesma. Os mais honestos foram aqueles que reconheceram as limitações ou problemas de ambos os ambientes, sem entretanto tomar partido de um formato ou de outro.

No passado, eu tive discos Lp de corte direto, prensagem impecável, que soavam como se o mundo fosse acabar amanhã. Igualmente impressionantes foram os discos cortados com a metade da velocidade nominal, chamados de “half-speed mastered”, do selo Mobile Fidelity. O estúdio defendeu a tese de que o corte da matriz era muito mais preciso se a velocidade fosse reduzida à metade. Eu também tive uma amostra grátis do disco de prensagem direta (“direct-pressed”), cuja capa é vista abaixo. Na explicação da tentativa de melhorar a qualidade do disco, o argumento era de que a estamparia poderia ser simplificada se algumas etapas fossem omitidas. O número de cópias seria menor, mas com mais qualidade. O formato nunca foi lançado. A empresa pesquisadora, Sonic Technology Corporation, fechou as portas em 1993.

 

Hoje em dia, quando eu ouço trilhas de disco com codecs tipo Dolby TrueHD, DTS HD MA ou simplesmente LPCM em Blu-Ray, com bitrate altíssimo, eu não consigo mais entender porque o corte direto e outras variações de vinil me impressionaram tanto. Depois, eu me lembro de que a eletrônica mudou, que os recursos de audição aumentaram, e os erros de amplificação, alto-falantes e caixas acústicas do passado diminuíram ou desapareceram.

O antigo modelo da transcrição do material de origem, infelizmente, não mudou até hoje, com raras exceções. Havia uma esperança de que os sites de download de arquivos de áudio de alta definição resolvessem isso. Só que muitos estão sendo acusados de mentir para o público. E nós, que somos consumidores indefesos, caímos na velha prática de comparar o novo com o velho, apenas para dizer se gostamos ou não. Isto porque ninguém tem acesso aos originais, restando a todos confiar ou não se envolver no que está sendo dito. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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9 respostas

  1. Olá, Carlos,

    O CD como formato foi muito prejudicado até mesmo por parte da imprensa conservadora, que passou anos incentivando audiófilos desconfiados, afirmando com “autoridade” que o CD era uma contrafação, que aquilo não representava hi-fi e sim mid-fi.

    Não houve honestidade desse povo, em desmascarar a indústria de vinil, e eu tenho observado filmes americanos recentes em que o personagem toca música em toca-discos analógicos velhos, e em alguns roteiros de filmes continua a mesma cantilena que o Lp soa melhor (Nicolas Cage em The Rock, por exemplo)!

    Coincidência? Eu acho que não, sinceramente.

    Hoje em dia, eu tenho tido chance de ouvir meus CDs da década de 1980 com um detalhamento de cair o queixo, e em alguns casos comparar com arquivos de maior resolução, e ter dificuldade de achar diferenças. Em um caso pelo menos, eu preferi o detalhamento do CD.

    E isto não está assim à toa: no meu último equipamento instalado existem dois, ao invés de um, processadores de áudio super velozes. A única coisa que eu preciso fazer é alimentar o equipamento com um cabo HDMI decente, e com um transmissor no front-end confiável. Para seu governo, eu uso um Oppo BDP-103 e não tenho queixas. Já testei outros equipamentos mais antigos, com ótimos resultados.

    Agora, amigo, áudio, religião e gosto pessoal têm todos uma coisa em comum: se discutidos com paixão podem levar a todo tipo de brigas e insultos. E é por isso que até hoje eu faço força para me esquivar de entrar neste tipo de polêmica.

    Ou seja: se você acha que o som do CD é frio como a sua geladeira, eu se fosse convidado para ouvir um contigo iria preferir dar uma desculpa esfarrapada qualquer para declinar o convite!

  2. Paulo,
    Seu artigo é muito bom.
    Escrito por quem entende e muito.
    Você é a primeira pessoa a fazer com que eu veja o vinil como uma coisa do passado.
    Nos anos 70, adorava escutar o The Dark do Pink Floyd no meu fone de ouvido, madrugada à dentro.
    Para a época, eu tinha um amplificador Polyvox ap 500, um toca discos BSR, ambos comprados em 36 longas parcelas.
    Mas vamos e convenhamos: Sobrou ao menos as capas dos LPs, que em seu grande tamanho, foram insuperáveis.
    O CD é prático, não tem desgaste, não tem atrito, mas é frio como o congelador da minha geladeira.
    De tão frio, também já faleceu.
    Vamos e convenhamos: Que pena, ERA BOM E EU NÃO SABIA!

  3. Nolan,

    Que pena, mas como diz o ditado: antes tarde do que nunca, e a tua participação aqui, como experimentado homem de estúdio, é particularmente importante.

    Vale ressaltar uma coisa a respeito de Lps que você provavelmente viveu: poucas eram as fábricas que usavam vinil puro. As sobras, chamadas de “scrap” porque eram raspas da prensagem anterior, eram remoldadas.

    Um detalhe ultra importante, também igualmente negligenciado:

    A prensagem do disco Lp é um processo de moldagem que consiste em aplicar calor no conjunto estampa-massa, e para que, durante a fase de resfriamento não ocorressem fraturas no plástico (vinil) o ciclo de tempo deveria ser ajustado corretamente. Mas, todo mundo sabia que a maioria das prensas apressava o processo, e o resultado eram os conhecidos estalidos, resultado de, entre outras coisas, bolhas que estouravam durante o resfriamento.

    Eu conheci audiófilos que compravam um disco importado, de boa prensagem, na segunda tocada passavam para fita de rolo, porque logo que o disco é tocado a pressão da agulha em cima do plástico é gigantesca. Havia um ritual de nunca tocar o disco mais do que duas vezes, porque as reproduções repetidas arrasavam com as altas frequências, daí a cópia imediata em fita.

    Muitos audiófilos se apressaram em condenar o som digital, e ainda o fazem hoje em dia. Quando eu escrevi aqui na coluna sobre upsampling de CD, eu li na Internet comentários em um certo forum tentando desqualificar o meu texto.

    Pois bem: dias atrás, eu li no site da Cambridge Audio que eles estão fabricando receivers com upsampling para 192/24 a partir de qualquer (enfatizo) fonte de áudio. E isto, meu caro, é o high end!!!

    Abraço,
    Paulo Roberto.

  4. Prezado Paulo:
    Não sei porque só agora fui descobrir este teu ótimo artigo que em resumo,mostra as tranquinagens que o vinil fazia com nossos ouvidos. O CD quando começou,carecia da necessária qualidade de encoders&decoders,mas com o aprimoramento da tecnologia revolucionária que ele trazia embutido,claro que isto mudou.Só assim podemos ver o quão primitivo era o vinil,que já carregava até o final de sua existência,um ruido de fundo inerente da fricção massa-agulha.Esse ruido o qual passa despercebido ao leigo, se apresenta aos nossos ouvidos treinados de audiófilos numa presença irritante,sem contar os estalitos criados por degenerecência do material.O vinil levou anos para evoluir a partir dos discos de 78 rpm,e o pessoal vivia criticando o CD antes que tivesse tempo para evoluir! Particularmente acho o vinil,um nojo nos dias de hoje e rio daqueles que clamam a sua volta.E mais,ouso dizer que o mesmo fenomeno está acontecendo com o MP3.Basta fazer direito e com tecnologia certa,que o audio se espetaculariza! Ouvi recentemente um demo do meu IPod na B&H em NYC,usando equipamento hi-end,que me levou ao paraiso,em,pasmem,MP3. Deste dia em diante aprendi uma coisa:As novas tecnologias são postas no mercado após satisfazerem certos requisitos minimos de qualidade,mas só amadurecem de verdade após algum tempo de estrada.Pensem nisto antes de glorificar o decadente vinil e rejeitar o futuro quase agora MP3…

  5. Olá, Celso,

    Em primeiro lugar, obrigado pela deferência.

    Não há surpresa alguma em cópias de originais, disponíveis por qualquer meio, estarem totalmente adulteradas, e a explicação mais provável é o software de conversão ter incapacidade de fazer a transcrição introduzindo erros e artefatos.

    O que é lamentável é a ausência do disco original para a venda, como você se queixa com toda a razão, particularmente pela envergadura do mesmo.

    Entretanto, use sites de busca para localizá-lo. Eu fiz isto agora, e o achei em duas lojas on-line, cujos nomes prefiro não declinar. Um filme deste tipo, somente em Blu-Ray, para quem, como você, gosta muito de cinema.

  6. Caro Paulo,
    Sempre estou a postos lendo sua coluna. Como diz alguém: não pare de escrever.
    Embora não seja o assunto do texto do dia 12, peço sua licença: há algum tempo você comentou aqui a respeito do blu ray do “Lawrence da Arábia”. Acredita que não é fácil encontrar o disco nas lojas?
    Dia destes um amigo baixou da internet uma cópia do filme, na íntegra, com 3h43′. Imagem e áudio muito bons. Ocorre que está no 4:3 um tanto “espremida”, ligeiramente , “magra” na vertical. Expandindo no 16:9, perde-se nas laterais. No 1.33:1 creio que pode-se ver quase toda a beleza das imagens. Como foi fotografado em superpanavion 70 não deveria estar nesse formato? Perfeito para o 1.78:1 na minha tv?
    O que será que ocorre?
    Abraço.

  7. Minha gente,

    Estive fora neste fim de semana, e assim vou responder por etapas:

    Em primeiro lugar, Andre e Rogerio, eu me confesso sensibilizado pelos elogios e pela honra de ser lido por pessoas como vocês, interessados, antes de mais nada, em conhecer e desbravar a tecnologia que nem sempre nos é apresentada de forma clara e concisa.

    Já faz muito tempo que eu visitei o estúdio da Som Livre, cortesia do Nolan Leve, com os DATs aposentados. Um dos motivos é este que o Rogerio nos coloca. A indústria não pode se dar ao luxo de ter material gravado com constantes desalinhamentos. Arquivar material em um sistema destes é imprudente. Aliás, eu vi material de arquivo na Som Livre com fitas analógicas de 2″.

    Concordo com o Andre quanto à HD Tracks, no que concerne a material antigo. Acho que ou eles tem limitações de fonte ou não sabem fazer ou entregam a terceiros que não se interessam a fazer direito. Atualmente, as melhores masterizações que eu estou ouvindo têm sido feitas, não sei se por mera coincidência, pelo técnico de restauração Steve Hoffman (http://en.wikipedia.org/wiki/Steve_Hoffman_%28audio_engineer%29). E dele eu tenho gravações remasterizadas para o selo DCC ainda mais antigas, todas excelentes.

    O problema maior do binômio “ouvir música e gostar de áudio” é achar material de bok nível. Tem muita coisa boa vinda do selo independente Analog Productions, mas os preços são indigestos. Eu temo que a conciliação entre custo e qualidade decente parece que não vai acontecer nunca!

  8. Professor Paulo

    Saudações.
    É com imenso prazer que queria comentar esta matéria importantíssima que você brilhantemente abordou.
    Vou aqui colocar minha experiência pessoal no melhor sistema de audio digital a qual eu tive a oportunidade de trabalhar por quase
    4 anos (sistema DAT, ADAT), mas infelizmente o próprio avanço da tecnologia enterrou esse sistema.
    A Sony patenteou esse sistema, e vendeu para as emissoras de rádio e TV, e depois para o mercado consumidor de hi-end.
    Você mestre Paulo, acredito que deva ter tido contato com aquela fitinha menor que o K7, mas com um som digital “INSUPERÁVEL”
    Logo depois surgiu o formato profissional do DAT que foi o ADAT.
    Conheço ainda hoje pessoas que ainda possuem em seus carros instalados uns poucos aparelhos reprodutores de DAT para carro.
    E esses felizardos faziam cópias de seus discos de vinil, e reproduziam
    em seus carros com projetos de som bem elaborados, um som muito
    melhor que os CDs player vendidos atualmente.
    Mas os aparelhos de DAT foram se desgastando (pois tinham várias peças mecânicas como um vídeo cassete), as cabeças rotativas de gravação e reprodução que se desgastavam a Sony não fornecia mais, e os aparelhos que iam quebrando eram canibalizados, e suas peças usadas para tentar fazer os outros ainda continuar a funcionar.
    Enfim, a tecnologia cria boas plataformas, mas ela mesmo acaba sepultando-as.
    Um abraço Paulo

  9. É um prazer enooorme ler seus textos Paulo Elias, pela clareza e conteúdo, sem pedantismo e sem rebuscados. Muito obrigado por continuar a escrever!

    Para aqueles que, como eu, nunca estão satisfeitos com o som dos discos ( qualquer mídia)  sua explicação deixa claro o porquê de discos jamais soarem como os músicos ao vivo. Muitas vezes assisti orquestras em teatros bons e ao chegar em casa experimentei ouvir a mesma obra gravada. Quanta decepção! Era como se uma cortina estivesse na frente da orquestra gravada, mesmo com CDs. Também nunca entendi o porque de arquivos MIDI quando reproduzidos corretamente a partir de bons samplers entregarem um som tão mais vívido e dinâmico que as gravações em CD. Claro está agora: porque não foram filtrados! 

    Os melhores áudios que pude ouvir (nem todos) são aqueles vendidos pela HDTracks. Alguns tem muita dinâmica, mas são gravaçōes recentes e amostradas a 96K. As gravaçōes antigas, remasterizadas, não fazem muita diferença. Mas o público pouco sabe dessas coisas e não creio que amadureçam para entender. Aquilo que hoje faz sucesso não precisa ser vendido em alta resolução e a indústria fonográfica pouco está interessada em promover a educação dos ouvintes.

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