The Big Bang Theory

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A incapacidade de traduzir o título de um show de TV não deve estar somente na preguiça. Traduzir “The Big Bang Theory” em “A Teoria do Big Bang” torna o anúncio óbvio e desinteressante, enquanto que no original a sugestão de comédia começa pela ironia contida na música do espetáculo.

Pois que a CBS, emissora geradora do show nos Estados Unidos, chega agora à sexta temporada, com prêmios e congratulações aos seus participantes. Em outras ocasiões, um show pode ser bom e criativo, mas sem audiência ele é cancelado às vezes antes de terminar a primeira temporada!

A rotina de que assiste televisão à noite e que não é viciado em novelas é mais ou menos a mesma: aparece um seriado novo, a pessoa assiste alguns capítulos e decide se quer continuar a ver ou não.

Big Bang me agradou como comédia, próximo de alguns conceitos que tornam o show de certa forma atraente, porém quilômetros de distância de representar algum tipo de realidade que eu conheça.

Na realidade, alguns personagens são incrivelmente calçados em estereótipos conhecidos de quem assiste cinema há anos, coisas como a loura burra, vizinha que atrai os homens tímidos, daqueles que se acham incapazes de atrair, por si próprios, mulheres mais bonitas ou voluptuosas.

 “Cientista” não é aquilo ali!

Eu tenho constantemente a sensação de que “cientista” ainda é uma profissão desconhecida pela maioria do povo deste país. E claramente Big Bang Theory é um desserviço para qualquer um que queira saber que tipo de pessoa o cientista é. E, curiosamente, uma das descrições em forma de comédia mais próximas do que um cientista é vem do personagem Emmett Brown, o inventor da máquina do tempo, no filme De Volta Para O Futuro.

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O cientista é um ser humano como qualquer outro, nos seus hábitos, rotinas e carências diversas. O que o torna diferente dos demais é uma insaciável curiosidade inata, de descobrir como as coisas funcionam. O chamado “método científico” é baseado no raciocínio lógico, embutido na maneira de testar uma hipótese, para saber se ela é, estatisticamente, certa ou errada. Assim, pois, a ciência é baseada em comprovação repetida, e esta repetição deve ser feita por terceiros, para que a observação possa se transformar em fato. Note-se que nem sempre o primeiro observador é aquele que leva crédito pela descoberta.

O cientista não é necessariamente um indivíduo que já nasce com tendências marcantes do intelecto. A sua formação acadêmica, entretanto, exige grande disciplina e persistência na pesquisa de resultados satisfatórios, processo que leva muitos anos para acontecer.

Não é, por isto, incomum, que cientistas de renome tenham começado suas carreiras para valer em estágio tardio de vida. Um exemplo que eu conheci de perto, no início da minha vida acadêmica, foi o da Professora Eloisa Biasotto Mano, fundadora do Instituto de Macromoléculas da Universidade Federal do Rio de Janeiro. A sua carreira científica deu uma guinada aos quarenta anos de idade, quando então começou a estudar polímeros, já no Instituto de Química da UFRJ.

Um exemplo internacional de grande cientista que teve uma produção científica modesta no início de sua vida foi a de Albert Einstein, que propôs pela primeira vez o que ficou conhecido como a Teoria da Relatividade, paradigma usado pelos teóricos da física até hoje. Einstein é reputado como pessoa com grande dificuldade de aprendizado na escola de base, embora há divergências sobre isto.

Um “cientista”, para exercer a profissão, precisa viver abstraído do ambiente por várias horas seguidas, com o objetivo de meditar sobre um determinado assunto, e muitas vezes, esta meditação não escolhe lugar. Em uma cena com Emmett Brown, o “Doc” citado acima, ele começa a falar sobre a máquina do tempo e de repente divaga sobre o passado, na frente de seu admirador. De repente, desliga-se do passado e continua o assunto. Esta divagação, que mais parece uma distração momentânea, é na realidade a introspecção de um assunto que lhe veio à cabeça décadas atrás, na estória do filme.

Para o olhar desavisado, o “cientista” é um esnobe condescendente, quando na verdade o que se vê na frente são pessoas cujo ego narcisista os empurra para um sentimento de superioridade que não tem justificativa, a não ser na vaidade que o acompanha. Existe, de fato, um bom número de cientistas que se acham semideuses. E se exercem a profissão é muito mais por vaidade intelectual do que propriamente pela ciência. O verdadeiro cientista tem um comportamento oposto, na grande maioria das vezes é uma pessoa solitária e humilde. Só com o contato mais íntimo com ele é que se pode ter a noção da extensão do seu conhecimento e erudição.

Em The Big Bang Theory aparecem alguns desses princípios, é verdade, mas dominados pela construção absurda dos personagens, dando a entender que “cientista” é sinônimo de indivíduo imaturo, tímido, carente e cheio de problemas emocionais.

No seriado, Leonard e Sheldon são aficionados obsessivos com jogos eletrônicos e heróis de revistas em quadrinhos. Isto nada mais é do a cultura norte-americana falando mais alto, nada a haver com “ciência”.

A própria definição do que é um “nerd” se impõe com este tipo de visão. Mas, “nerd”, termo que a cultura tupiniquim não consegue traduzir de jeito nenhum, é o nosso velho conhecido “c.d.f.”, pessoa que estuda o dia todo, e que nem sempre é o indivíduo mais inteligente do que o resto dos mortais da sua classe na escola. E o cientista também não é necessariamente um “nerd”. Se a gente quiser usar a terminologia inglesa, estaríamos mais bem servidos com a expressão “geek”, que significa “tecnófilo”, ou pessoa que adora tecnologia e vislumbra o que melhor se pode fazer dela. E mesmo assim, eu conheci muito “cientista” que nem sequer atinge este tipo de objetivo. São pessoas por natureza incapazes de ver novas tecnologias sem algum tipo de restrição ou reserva.

Parece incrível, mas um dos meus orientadores de tese de doutorado em Cardiff, pessoa intelectualmente brilhante, tinha indisfarçável objeção ao uso de computadores, e em absoluto acreditava que um computador é capaz de traçar um gráfico em qualquer escala, com uma admirável e imbatível precisão, enquanto que ele continuava a ser um fiel adepto do papel milimetrado, arcaico e inundado de erros de plotagem.

Uma admirável distorção no seriado mostra um grau de erudição incomum em pessoas jovens, dando a entender que basta ser “cientista” para ser culto ou experiente em tudo quanto é assunto. Pois sim! Não se pode ter maior desprezo do que este pela aquisição de novos conhecimentos no decorrer da idade, ou seja, é a negação do processo de amadurecimento, que é o processo de constante adaptação de um ser humano aos aspectos e situações adversas que ele ou ela enfrentam durante a vida!

 Os estereótipos da comédia

Mesmo encarando como a comédia que se propõe a ser, Big Bang mostra personagens com estereótipos maldosos:

Penny, a vizinha atraente que mora ao lado, é uma alcoólatra crônica e apologista da bebida em paralelo com o sexo sobre a influência da droga. É ela quem ensina à esnobe mãe de Leonard como sentar no balcão de um bar e encher a cara de tequila, para depois almejar uma noite tórrida com o garçom local.

Sheldon é ostensivamente afetado e autoritário, além de misógino. O lado efeminado do ator e do personagem levaram usuários do fórum do IMDb a perguntar tempos atrás se os dois eram gays. A mídia tem divulgado esta opção no ator, que não a esconde de ninguém. Quanto ao personagem, paira uma incerteza. O roteiro de episódios recentes mudou a visão de Sheldon como sexo fóbico, ao introduzir uma relação estrambótica com Amy, indicando que esta possibilidade de intimidade não foi ainda descartada.

Amy, por seu turno, é escancaradamente bissexual, se sente atraída por Penny e aparece dando cantadas em cima dela em mais de um episódio. A carência afetiva de Amy chega a ser constrangedora, apenas disfarçada pelo tom da comédia.

Rajesh e Howard, e mais a mãe deste último, são estereótipos raciais bastante agressivos. No caso do primeiro, com um medo do sexo oposto sem nenhum tipo de explicação. No do segundo, parece que os roteiristas têm traumas próximos aos de Woody Allen, cuja filmografia exibe constantes críticas ao comportamento judeu familiar, e a chantagem emocional da mãe judia, na hora de se impor ao resto da família, com a sugestão do sentimento de culpa por parte dos filhos.

Bernadette é uma sarcástica crônica. Lembra as técnicas usadas pelos atores no teatro do absurdo, quando o personagem fala sorrindo algo que deveria ter sido dito com outro tipo de expressão facial, como raiva ou choro.

 O que funciona como comédia

Uma das coisas que funciona bem no seriado é o ambiente competitivo, dentro e casa e principalmente no trabalho. Neste último, fica claro que o dinheiro é mais importante do que a ciência, mal este que aflige a academia no mundo todo, e o Brasil não é exceção!

Outra coisa que é mostrada com competência, na mesma direção, é o da hierarquização da titulação, em detrimento da capacidade dos indivíduos. Por exemplo, Howard é mestre em engenharia pelo M. I. T., mas nem por isto deixa de ser tratado como “Mister”, enquanto que os outros são “Doctors”. Em muitos países, o mestrado é considerado perda de tempo.

O interessante é que a maior parte do script trata da carência afetiva, indistintamente. Até mesmo a loura Penny, jovem que conseguiria seduzir qualquer um, não se livra da atração por Leonard, uma espécie de porto seguro, apesar da insegurança dele mesmo, constantemente demonstrada e atribuída como trauma de seu relacionamento com a mãe condescendente. O modelo da atração de Penny por Leonard segue um princípio que presume que algumas mulheres vislumbram no homem inteligente a melhor escolha para a proliferação da sua prole.

Rajesh, estereótipo de imigrante indiano, além de carente, é um depressivo em potencial, enquanto que Amy e Howard passaram episódios aceitando qualquer coisa que aparecesse na frente, para não ficarem sozinhos.

Sheldon, que é um chato de galocha com os outros, não consegue sobreviver sem os amigos perto, portanto a carência está lá, em contraposição com uma alegada superioridade intelectual.

Os vários aspectos da carência afetiva, problema que derruba qualquer pessoa, estão bem delineados, embora às vezes de forma exacerbada. Mas, afinal, o bom humor compensa qualquer falha. Se alguma coisa positiva se pode tirar a respeito do roteiro neste particular é a de que qualquer relacionamento, para ser duradouro e bem sucedido, implica em virar o rosto para não olhar os defeitos potenciais do parceiro.

 As repetições que ninguém mais aguenta

Diziam os antigos que até doce de coco que é bom, se for demais enjoa! As emissoras pagas são insuportáveis neste particular. Se algum seriadinho desses der certo, as reprises são diárias, e como a velocidade de produção é incomensuravelmente menor, a repetição diária se torna detestável e desgastante, e isto acaba por nos afastar da audiência dos mesmos. E merecidamente, diga-se de passagem!

O que eu acho mais curioso é que parece que certos seriados americanos têm a prevalência nas repetições, não por coincidência, os que ficaram décadas no ar, como aquele chatíssimo (para o meu gosto pessoal) “Friends”. A distância entre a produção dos episódios já vai tão longe, que a gente se assusta quando vê os mesmos atores significativamente envelhecidos em seriados de outras emissoras.

É uma pena que as repetições ocupem o espaço sem dar chance à reprise de seriados antigos bem mais interessantes, como por exemplo, “3rd Rock From The Sun”, fora do ar há anos.

A televisão é, sob muitos aspectos, um mal necessário, embora se note o afastamento das pessoas deste veículo, por conta dos tablets e da Internet. Não acredito que ela desapareça, assim como o rádio, que muitos achavam que iria ficar pequeno diante da televisão, mas que, ao contrário, ficou maior e com mais emissoras, não necessariamente com a mesma qualidade.

E qualidade é algo que falta na televisão moderna, apesar dos avanços da tecnologia. Não sei dizer se ainda vou estar vivo para ver alguma mudança! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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3 respostas

  1. Engraçado, nunca pensei muito nos personagens de The Big Bang Theory como cientistas, mas sim simplesmente como nerds (que nao é a mesma coisa que CDF, ja que existe toda uma cultura nerd que o CDF necessariamente nao segue… Um nerd mesmo fatalmente vai gostar de Star Trek, ou de programar computadores, por exemplo).
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    Por ser eu mesmo um nerd, ate meu segundo casamento eu vivi boa parte de minha vida rodeado por pessoas como em The Big Bang Theory, principalmente durante a epoca de Universidade (eu era monitor de Computação, meus amigos eram todos de cursos de Ciencias, como Fisicos e Engenheiros). Tive mesmo um amigo que era praticamente o Sheldon em pessoa (e estudava Fisica) e que, mesmo sendo chato para a maioria, a gente gostava dele pelo fato dele ser inteligentissimo. Neste caso, a inteligencia desculpava ate a grosseria.
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    E nossa rotina era muito parecida com a da sitcom The Big Bang Theory, mesmo apos uns 10 anos de formados: sessoes de videogames em grupo, gosto por revistas em quadrinhos (a unica coisa nerd que pessoalmente nao me seduz, ate hoje eu nao curto essa onda de super-herois Marvel), assistir juntos sessoes de filmes e seriados sci-fi (NUNCA de outro tipo de producao mais seria) e por aí vai…
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    Como eu disse, ate um Sheldon tinhamos, junto com uma enorme dificuldade de realmente entender emocoes humanas (a nossa preferencia sempre foi pela fria logica, nao por emocoes, com ate mesmo um certo desprezo por seres humanos que se afundam em emocoes — nao é sem razao que personagens como um Spock eram os nossos idolos, ou o comportamento dos personagens de Seinfeld, mas nunca, nunca mesmo personagens que choram ou sofrem)… Enfim, nao vejo muuuuita diferenca para o seriado, nao…

  2. Olá, Felipe,

    É aqui que entrariam as emissoras públicas, no caso do Brasil existe a antiga TV Educativa, hoje com outro nome. Mas, cadê?

  3. Olá Paulo Elias,

    Nada posso falar sobre Big Bang Theory porque nunca acompanhei. Contudo acredito que o melhor da dramaturgia, ouso dizer, melhor até do que o cinema está sim em alguns seriados da TV, porém na categoria drama adulto, como Downtown Abbey, Six Feet Under, Sopranos, etc. Acho que, sobretudo aqueles seriados que aliam História como pano de fundo, estes sim prestam um serviço à educação ( caso de D. Abbey ), além da inegável qualidade do texto. A TV Globo ousou fazer uma novela bem produzida chamada Lado a Lado que contava O início do sec. 20 no Rio. Para quê? A audiência despencou. Isso prova que a audiência é que conduz a narrativa e como a maioria dos espectadores não quer parar para pensar descarta tudo que seja um pouco mais sério ou reflexivo, daí a falta de enredos de qualidade, criativos e refinados.

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