O pioneirismo do home video no Laserdisc

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Quem passou pelo início das instalações mais elaboradas de um home theater teve chance de testemunhar a evolução da mídia de reprodução usada pelos estúdios. Entre elas, o videodisco e o videocassete foram os formatos que deram maior impulso a esta indústria, mas os principais avanços de qualidade só foram aplicados ao primeiro. Bem verdade que se pode ter a aplicação de fitas magnéticas em ambiente digital, que chegaram a ter uma versão de alta resolução, o D-Theater, mas ela chegou tarde demais, sendo substituída em definitivo pelo Blu-Ray.

O videodisco nasceu de um trabalho de pesquisa complexo, em parte realizado por David Paul Gregg e James Russel, e em outra parte pela Philips, no estudo sobre o disco ótico reflexivo. A patente de Gregg com o nome de “Videodisk” foi conseguida em 1961. Sua companhia, a Gauss Electrophysics, foi adquirida pela MCA (leia-se Universal Studios), e o primeiro DiscoVision lançado em 1978 com o filme “Jaws” (“Tubarão”), já com tecnologia reflexiva e leitura da mídia com raio laser.

Em 1981, a Pioneer assumiu para si o licenciamento e a fabricação do DiscoVision e mudou o nome para Laserdisc. Em 1989, a Pioneer adquiriu em definitivo os direitos sobre o videodisco. Os primeiros reprodutores de mesa, na era DiscoVision, foram fabricados pela Philips e lançados no mercado americano através de sua subsidiária Magnavox, em parceria com a MCA. Cessada a parceria e os interesses da Philips, a Pioneer assumiu a fabricação dos players e a prensagem dos discos. Os nomes de fantasia “Laser Videodisc”, “LaserVision” e “Laserdisc” (depois conhecido pelo acrônimo “LD”), foram usados sucessivamente.

 

   

Mesmo com a chegada do DVD em 1995, os Laserdisc continuaram a ser prensados. Alguns estúdios, como principalmente Disney e Fox, relutaram em usar o DVD como mídia para vídeo doméstico, e o só fizeram depois de ampla pressão da comunidade de usuários na internet. No caso específico do Disney, o estúdio argumentava que o vídeo em MPEG-2 não se mostrava eficiente para a codificação dos longas de animação. O tempo, entretanto, se encarregou de mostrar o contrário, e o LD foi abandonado.

 

 Inovações técnicas de áudio

O videodisco original é todo analógico e este padrão não pôde ser modificado, apesar dos vários avanços da tecnologia do setor. Porém, este cenário em breve iria mudar. Já em fins da década de 1970, a Philips havia demonstrado a criação de um disco ótico digital e lançado o produto com o nome de Compact Disc (em alusão ao “Compact Cassette”), em parceria com a Sony, em final de 1982.

Ainda na sua fase de áudio analógico, o videodisco usou tecnologia de frequência modulada, o chamado FM Audio, e gravado em subportadoras do sinal de vídeo NTSC, em 2.3 MHz (canal esquerdo) e 2.9 MHz (canal direito). Por causa da proximidade da faixa de frequência usada para o vídeo, a intermodulação e a produção de ruído se tornaram inevitáveis.

Em função disto, qualquer anomalia observada na reprodução do vídeo era seguida por ruído na reprodução do áudio. Foi quando a CBS havia demonstrado o uso do compander CX para redução de ruído de seus Lps. O CX foi incorporado às trilhas FM do videodisco em 1981, mas isto obrigou a aquisição de um equipamento reprodutor com o necessário decodificador. Alguns modelos da Pioneer tiveram oferta de um adaptador.

O uso de trilhas analógicas estereofônicas (2 canais estéreo) foi o que, em última análise, possibilitou a primeira e mais importante evolução no home theater moderno: a reprodução de trilhas sonoras Dolby Stereo!

O Dolby Stereo foi desenvolvido para as trilhas de cinema aproveitando apenas dois canais em banda ótica, no filme 35 mm. A codificação por processo matricial permitiria a inclusão do canal central e do surround, perfazendo um total de 4 canais. Na realidade, o formato é uma variação inteligente e mais sofisticada do quadrafônico QS da Sansui, fracassado em uso nos Lps.

A grande descoberta naquele momento foi a de que a codificação do Dolby Stereo em apenas dois canais de áudio estereofônico passava intacta para os videodiscos. Assim, ao acrescentar um decodificador na cadeia de amplificação, foi possível criar pela primeira vez um ambiente de cinema em casa, com som multicanal. Inicialmente, os decodificadores eram passivos, comercializados com o nome de Dolby Surround. Posteriormente, os laboratórios Dolby desenvolveram um microchip, que faria a separação eletronicamente. Este chip levou o nome de Dolby ProLogic.

Em 1983, nova revolução: com o lançamento do Compact Disc, não sobraram motivos para que o áudio PCM não fosse tentado no videodisco, já que ambos os discos são lidos pelo mesmo tipo de pick-up ótico.

Os primeiros videodiscos onde a trilha sonora PCM foi acrescentada foram os do padrão NTSC, em 1984, com áudio a 44.1 KHz de amostragem e 16 bits de resolução, portanto idêntico ao CD. Na época, os periódicos norte-americanos, provavelmente cansados da referência de erro de fasamento na cor do sistema de vídeo NTSC (“Never Twice the Same Color”), ironizaram que, a partir daquele momento, o NTSC passaria a ser conhecido como “Now with Tremendous Sound Capability” (“agora com uma tremenda capacidade sonora”), e com razão. O som PCM do videodisco, por qualquer motivo, provavelmente associado à filtragem destes aparelhos, tinham uma dinâmica e realismo inquestionáveis. E estas qualidades estavam agora associadas à reprodução de trilhas de cinema Dolby Stereo.

Na transferência da trilha sonora do filme para o videodisco os estúdios passam a recorrer às fontes de sinal. O resultado é um som limpo, dinâmico e bem mais realista, relativamente, do que até mesmo o som das salas de cinema.

A segunda grande evolução, entretanto, ainda estava por vir. O som do cinema havia sido modificado para as trilhas Dolby Digital 5.1, lançado em 1992. Percebendo que a trilha estéreo analógica do videodisco já havia sido substituída com sucesso, e para melhor, por trilhas digitais estéreo PCM, os laboratórios Dolby retiraram um dos canais analógicos e no lugar dele inseriram uma trilha Dolby Digital 5.1, modulada em rádio frequência, portanto igualmente analógica. O canal analógico restante foi usado para a transcrição da trilha em som monaural. A distribuição da informação de áudio e vídeo do Laserdisc ficou assim: vídeo analógico, som analógico mono, som Dolby Stereo digital (PCM) e som Dolby Digital 5.1:

 

Em 1995, foi lançado o primeiro Laserdisc com trilha Dolby Digital, com a edição do filme “Clear and Present Danger” (no Brasil, “Perigo Real e Imediato”), da Paramount. A maioria dos discos iniciais sequer continha a informação ou o logotipo do Dolby Digital, e sim AC-3, que é o nome do codec que o origina. Entretanto, tomou-se o cuidado de exibir um trailer demonstrativo do formato antes do filme.

Para reprodução, seria necessária a inserção de um estágio pré-decodificador, capaz de demodular o sinal de rádio frequência. O cabeamento usado é o mesmo para transmissões de áudio digital, com terminais S/PDIF. Os primeiros A/V receivers com o chip decodificador foram vendidos simultaneamente. O chip é retro-compatível com o Dolby ProLogic, podendo então ser usado para ambos os formatos, e com o mesmo cabeamento:

 

A mudança no layout de caixas acústicas fica restrita à instalação de um subwoofer, porém esta instalação é opcional. Junto com o decodificador doméstico, os laboratórios Dolby lançam um recurso para o gerenciamento da reprodução de graves: o Bass Management. É ele que permite que o conteúdo de graves de todos os cinco canais da trilha sonora e mais o do canal de efeitos de baixa frequência (LFE) sejam reproduzidos nas caixas acústicas que o usuário deseja.

Na prática, isto significa que o usuário poderia direcionar o conteúdo de graves para qualquer outra caixa do sistema (geralmente, o par dianteiro esquerdo e direito frontal) e/ou para o subwoofer. Se este último estivesse instalado, o padrão THX recomendaria um corte de frequência de 80 Hz, ou seja, todo o conteúdo de graves de todos os canais e mais os dos LFE são reproduzidos pelo subwoofer. Em decodificadores mais sofisticados, ainda é possível impedir que o conteúdo do LFE seja reproduzido por qualquer caixa acústica que não seja o subwoofer. Se o usuário instalasse um subwoofer com amplificação própria, o sinal do LFE poderia ser direcionado para ele, sem passar pelos estágios de amplificação dos demais canais. Isto acrescenta dinâmica e potência ao sistema, ao mesmo tempo em que evita estressar os estágios de saída dos amplificadores dos cinco canais do programa reproduzido. O Bass Management é usado até hoje!

Os avanços em áudio nos Laserdisc não pararam por aí. Em 1997, a Universal, associada da Digital Theater Systems para o cinema, lançou o primeiro disco com trilha DTS, para o filme “Jurassic Park”, que foi também o filme que lançou o DTS nos cinemas, em 1993.

Para o DTS, foi necessário eliminar completamente as duas trilhas PCM do videodisco, o que retirou a possibilidade do uso do Dolby Stereo na sua melhor forma possível. Em contrapartida, o sinal DTS pode ser transmitido em seu mais alto bitrate possível, a 1509.75 kbps, o que lhe confere alto impacto na qualidade de reprodução do som.

Como o sinal do DTS é nativamente digital, não haveria necessidade de interpolar um circuito demodulador, como no AC-3, bastando apenas a conexão do aparelho reprodutor com um cabo S/PDIF para o processador externo. Entretanto, sem um decodificador, o videodisco com DTS é inútil, e para azar do consumidor final, a Digital Theater System demorou muito para lançar um chip competente nos processadores. Foi este, aliás, o motivo pelo qual o Dolby Digital acabou por se tornar padrão de sinal de áudio multicanal do DVD.

 Os avanços, nem sempre realizados, na área de vídeo

O videodisco tem uma deficiência de qualidade inerente à natureza analógica da sua imagem. Embora bem melhor do que a fita de videocassete, ainda assim a relação sinal/ruído é baixa o suficiente, para não permitir a dispensa do uso de filtragem drástica nos estágios de saída dos reprodutores.

Além disso, a reprodução de vídeo nas televisões da época ficou por anos restrita ao cabeamento de vídeo composto, e depois de S-video, ambos deficientes em qualidade de imagem.

A manufatura de videodiscos foi beneficiada com o armazenamento da imagem em quadros (30 quadros por segundo para o sistema NTSC), mas só possível em discos rodando em velocidade angular constante, os chamados CAV (“Constant Angular Velocity”). O recurso é útil para permitir dar pausa em um único quadro, e usar o formato para exibição de imagens sem movimento, como fotos ou ilustrações.

A desvantagem do disco CAV é de permitir apenas 30 min de gravação de cada lado. E isto obrigou a indústria a adotar o formato de velocidade linear constante CLV (“Constant Linear Velocity”), que permite até 60 minutos de som e imagem de cada lado. Para conseguir isto, é necessário variar a velocidade angular, de 1800 a 600 rpm (rotações por minuto). Infelizmente, um dos efeitos colaterais dos discos CLV é a baixa qualidade da imagem, quando comparado aos discos CAV. Em toca-discos “high end” isto foi compensado pela formação e armazenamento temporário de quadros criados em tempo real de reprodução.

A Pioneer Video modificou o CLV para o formato CAA (“Constant Angular Acceleration”), no qual a variação de velocidade angular é modificada em etapas controladas, ao invés de baixa-la lentamente. A maioria dos videodiscos de filmes de longa metragem foi fornecida em discos CLV, com o objetivo de diminuir os custos, mas em alguns casos, uma parte do filme era fornecida em disco CLV e o restante em um disco CAV.

Em paralelo ao DVD, em 1996 foi prensado o primeiro videodisco com imagem anamórfica, mas o alto custo impediu que o videodisco tivesse vida mais longa no mercado.

De altamente positivo, ficou o atendimento de uma antiga aspiração dos aficionados de cinema, que foi a introdução do formato “Letterbox”, que preservava a imagem integral do fotograma de cinema. Com a tela de TV em 16:9 o formato Letterbox ficou obsoleto, mas o conceito de imagem integral foi preservado até os dias de hoje.

A prensagem do Laserdisc coincidiu com a evolução dos telecines digitais, até mesmo para negativos de bitola larga, como o de 65 mm, e isto bem antes da chegada do DVD.

 Principais avanços do Laserdisc

A tabela abaixo mostra os primeiros lançamentos com as inovações de áudio e vídeo conseguidas com o Laserdisc:

 

Primeiro LD “Letterbox” (1985)  
Primeiro LD com certificado THX (1993)  
Primeiro LD com Dolby Digital (1995)  
Primeiro LD com imagem anamórfica (1996)  
Primeiro LD com trilha DTS (1997)  

 A passagem para o DVD

Embora seguido por melhoramentos inquestionáveis, o videodisco sofreu com problemas crônicos. As dificuldades na prensagem, com nível de rejeição alto, e com problemas de deterioração de reprodução, o chamado de “laser rot” em alguns títulos, aliados ao alto preço de comercialização, fizeram o LD se manter no mercado apenas o suficiente para ver o DVD resolver a maioria destes problemas, e a um custo menor para o consumidor final.

A prensagem nos Estados Unidos e Europa foi desativada no ano 2000 e no Japão em 2009. No Brasil e em muitos outros países, ele nunca chegou a ser duplicado.

Por volta de 1995, a CBS do Brasil transformou a sua fábrica de prensagem de Lps instalada anos antes no Rio de Janeiro em uma planta para prensar DVDs. Nos primeiros dois anos ou mais, esta fábrica exportou discos para o mercado americano, ao invés de lançá-los no mercado nacional. Por conta disso, muitos entusiastas continuaram a importar LDs, até se convencerem que o DVD havia chegado para ficar.

Um dos prováveis fatores para o fracasso do videodisco como produto de massa em países de língua inglesa foi o alto preço de revenda, e certamente a ausência de escolha de legendas ou trilhas sonoras, nos outros países.

Para mim e acredito para muita gente, a passagem do Laserdisc para o Dolby Digital foi uma escola onde eu aprendi a lidar com o som multicanal 5.1, como instalar caixas e como calibrá-las. O tempo mostrou que este tempo de aprendizado não foi inútil, porque muito do que ficou depois nada mais foi do que a herança da tecnologia que já existia antes. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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4 respostas

  1. Olá, Tresse,

    Obrigado pela sua participação aqui. Eu prometo pensar no assunto, mas você há de convir que, como diz o ditado, agora é tarde e Inês é morta.

    Converter HE-AAC em Dolby Digital é o mínimo que os fabricantes de TV poderiam ter feito, para contornar a falta de bom senso dos projetistas da DTV brasileira. Ou será que este povo nunca pensou a longo prazo?

    Como eu não sou engenheiro, muito menos projetista, poderia ser acusado de um monte de coisas, ao escrever qualquer coisa aqui, mas se eu lançar mão do bom senso que me resta, eu diria que mesmo que o AAC representasse algum tipo de economia de bits ou resistência à corrupção de dados, o fato é que o Dolby Digital usado em broadcasting já estava, à época, mais do que testado, e fazia, se não estou enganado, parte do sistema original usado pelo Brasil.

    O problema de escrever sobre codecs diferentes seria, Tresse, ter uma maneira de converter a mesma fonte de sinal, por software confiável, e depois testar os resultados. E eu não tenho software nem bancada para fazer isto, motivo pelo qual eu nunca me envolvi neste tipo de projeto.

    E mesmo que assim o fizesse, a experiência nos mostra que o áudio não é só medida em laboratório, é principalmente a audição da fonte em equipamento confiável. Até hoje eu ainda leio publicações na Internet condenando o DSD, em favor do PCM, e no entanto, a maioria dos engenheiros de gravação está usando o DSD. Alguns condenam inclusive o excesso de uso de PCM de alta amostragem, como 96/24, quer dizer é uma polêmica que não acaba nunca.

    E isto tudo nos obriga, na hora de ouvir alguma coisa, a nos afastarmos deste tipo de polêmica e julgar uma gravação com os nossos próprios ouvidos (e não instrumentos de bancada) e com as limitações notórias dos nossos equipamentos de reprodução caseiras.

  2. Paulo, mais uma vez parabéns pela aula. Eu me considero analfabeto em Áudio/Som. Por isso leio e releio seus artigos com muita atenção. Se me permite, sugiro um texto comparando o Dolby AC3 com o AAC. Esse assunto gerou polêmica na discussão da TV Digital. A Samsung converte, internamente nos seus televisores o AAC em Dolby para atender o pessoal que tem Home Theater.

  3. Oi, Andre,

    Eu fui ver o que era, porque não conhecia o serviço. Por coincidência, um amigo meu já comprou vários destes concertos em Blu-Ray, se lhe interessa saber, e são todos de excelente qualidade.

    Se vale a pena investir na assinatura, só você mesmo é que sabe se compensa. Não acredito que eles permitam baixar os concertos. Embora existam fórmulas diversas dentro dos plugins dos navegadores, não sei lhe dizer se a qualidade será mantida depois do vídeo baixado.

    Sobre um item de pauta, prometo estudar o assunto, ok?

  4. Paulo Elias,

    Como sempre, mais um artigo excelente! Aproveito para sugerir como pauta em seus próximos escritos, uma novidade que estou ainda incerto se encaro apesar de estar coçando de vontade: a iniciativa digital-concert-hall da Filarmônica de Berlim, um serviço de assinatura de concertos digitais em HD vídeo. O problema parece ser a não possibilidade de download. Se puder nos ajudar a entender melhor…quem sabe um review? Abraços

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