Livros: como transformar “piratas” em consumidores

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Eu sinto pena das editoras de livros, especialmente no Brasil. Elas tem o comportamento de velhinhos chatos que vivem reclamando que o mundo não é como deveria ser.

É como se a gente escutasse eles conversando: – “Porque no meu tempo não tinha essa sem-vergonhice de pílula anticoncepcional. A garota de família namorava em casa sentada no sofá…”

Por que o livro digital custa tão caro?

Enquanto isso, há uma imensa oportunidade batendo na porta de quem está nesse mercado. Nunca foi tão fácil distribuir conteúdo intelectual. Se você tem uma coisa que as outras pessoas desejam, elas mesmas ajudam a espalhar a notícia para viver a experiência coletivamente de consumo desse conteúdo.

Em vez de tirar proveito disso, as editoras batem o pé e querem que as pessoas continuem tendo que se deslocar até as livrarias e tendo que carregar esse objeto físico para onde elas forem ou cobram quase o mesmo preço pelo produto digital, o que é ridículo.

O consumidor se sente mais explorado do que feliz pelo produto que adquire. O que fica nas entrelinhas é: estamos oferecendo esse conteúdo, mas na verdade nós não queremos que você compre. Porque não queremos abrir mão do esquema tradicional.

Parece que eles não entenderam que não estão lutando contra concorrentes, mas contra os próprios consumidores. Quem gera e compartilha esses arquivos – como nos casos que relatei aqui – não faz isso para ganhar dinheiro; faz porque considera que os preços estão errados.

Ninguém prefere usar conteúdo irregular

As editoras continuam apegadas à “religião do analógico”. Por medo não abrem os olhos para encarar o monstro-pirata frente a frente. Então, vamos fazer essa experiência aqui de ver quem são esses contraventores.

Pense no trabalho que dá digitalizar um livro: o tempo, a disponibilidade de equipamento, o know-how e até o perigo de se expor a processos legais que isso tudo custa. E as pessoas que fazem isso não estão atrás de remuneração, mas por amor às obras.

Digo mais: não acredito que elas se sintam bem roubando o conteúdo legalmente adquirido pelas editoras e prejudicando seus autores prediletos. Elas gostariam de participar positivamente do sucesso da obra que elas adquirem, mas entendem que seja mais importante promover a obra e o preço cobrado prejudica sua circulação.

Ganhar mais cobrando menos

Agora pense na possibilidade de a editora oferecer um catálogo compatível com o entendimento de que o digital custa menos e pode ser mais facilmente distribuído.

Nesse sentido, em vez de oferecer o digital pela metade do preço do impresso ou algo em torno disso, o impresso sairia pelo custo atual (algo como 50 reais) e o digital pelo valor de um app, algo como dois reais. Ou alternativamente uma versão básica do livro é oferecida de graça, mas a versão premium custa cinco reais.

Há, então, a experiência de consumo positiva: em vez de você consumidor se sentir um idiota sendo explorado, você se sente fazendo um bom negócio, se sente economizando. E a editora ganha em escala por conta da facilidade da venda e da distribuição e pelo ganho de novos compradores que já não se sentiriam motivados a procurar a versão irregular.

O trabalho que o potencial consumidor teria gasto para procurar o livro compartilhado ilegalmente (e que, muitas vezes, implica em aceitar um conteúdo de qualidade editorial inferior), esse esforço pode ir para ajudar a editora a promover aquele produto querido.

Utopia ou pragmatismo?

Uma versão anterior deste texto recebeu críticas oportunas e generosas de participantes do grupo Amigos dos Editores Digitais (EAD), em funcionamento pelo Facebook. Graças a essas participações, entendo, por exemplo, a perspectiva de quem acha a minha fala utópica. Estar fora da realidade das editoras me liberta do condicionamento de quem depende e dependeu do impresso.

Fui informado dos debates sobre precificação dos livros e entendo que a editora não gasta só com papel e tinta. Ao mesmo tempo, percebo o receio que existe de queda de faturamento se houver uma passagem rápida do impresso (caro) pelo digital (barato) – um raciocínio que não considera o potencial lucro trazido pelo ganho na escala de vendas.

Reconheço também que o meu entendimento de livro digital seja de um produto específico, não necessariamente o livro impresso em versão digital, mas algo na linha de conteúdos feitos para o consumo em tablets ou celulares – como estes. Mas acho que a reflexão vale para os demais produtos que se encaixam dentro do termo e-livro.

Ter uma editora sempre foi um pouco profissão de fé. Não que o objetivo de uma empresa não seja ganhar dinheiro, mas o publisher tem também um amor pela cultura que o fazendeiro de soja ou o banqueiro não necessariamente compartilham. Esse é um mercado que prospera paralelamente à expansão do universo de leitores, que tem a ver com a promoção da educação.

Pensem em apps e em quem anda de ônibus

Desafio as editoras a fazerem experimentos pensando menos paranoicamente em proteger a distribuição irregular; e apostem em oferecer produtos que, além de bons, desejados, relevantes, atendam usuários de dispositivos portáteis e tenham preços que desincentivem o compartilhamento ilegal.

Pensem em apps e nas pessoas que passam horas sentadas nos ônibus indo e voltando para casa. Pensem em esquemas alternativos – como a disponibilização do conteúdo gratuitamente por patrocínio. Porque o livro digital não é apenas a versão digital de um produto analógico. É o contrário: o analógico é que é um dos formatos do produto digital.

E para não ficar no blablablá, termino citando casos interessantes. A Zahar lançou a coleção Expresso Zahar com livros custando menos que cinco reais mas majoritariamente menos que dois reais. A Imã Editorial aponta para alternativas para a distribuição tradicional. A e-Galaxia diminui a distância entre autores e profissionais do ramo editoral e também oferece uma solução para distribuir esses livros que ficam prontos. E há ainda soluções como a PressBooks, que em breve terá versão funcionando no Brasil, e que simplifica o trabalho de pessoas interessadas em produzir livros. [Webinsider]

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Juliano Spyer (www.julianospyer.com.br) é mestre pelo programa de antropologia digital da University College London e atua como consultor, pesquisador e palestrante. É autor de Conectado (Zahar, 2007), primeiro livro brasileiro sobre mídia social.

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