O falso milagre da nova economia

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NewEconomyA Revista Infoexame, em setembro do ano passado, estampou em sua capa a manchete “Uma Nova Economia[1]. Para quem acompanha o tema, trata-se de uma chamada similar a que foi realizada em 1999 [2].

No decorrer de 15 anos, percebe-se que a publicação alterou substantivamente a forma de encarar essa Nova Economia. Contudo, a fragilidade conceitual dos dois momentos permanece a mesma.

Aparenta ser mais um exercício de “tentativa e erro” do que propriamente uma argumentação consistente, que possa justificar os fundamentos do emergir de uma Nova Economia.

A primeira especulação, de novembro de 1999, trata de analisar o impacto do avanço das TICs – Tecnologias da Informação e Comunicação na sociedade, que sustentou a criação da internet e por conta disto serviu como base para inúmeras oportunidades e derivações econômicas, acompanhadas de perto pela bolsa de valores paralela, a Nasdaq, que reúne empresas de telecomunicações, informática, eletrônica e alta tecnologia.

A segunda, do ano de 2014, é bem mais frágil pela ausência de conceitos e argumentos substantivos. Na verdade, essa última reportagem quase não trata de economia, mas sim dos casos de sucesso da evolução do mundo das TICs e das startups, em especial na criação de aplicativos para plataformas fechadas. A reportagem relata também casos de brasileiros que passaram a ganhar muito dinheiro – na casa do milhão – com a venda desses aplicativos e serviços.

Artificialismo

Já tive oportunidade de refletir no portal Webinsider sobre o assunto ao mencionar que a questão fundamental dessas duas experiências acima relatadas “é que a produção, geração e acumulação de riqueza têm como base de sustentação modelos tradicionais voltados para bens tangíveis e artificialismos relacionados aos bens intangíveis [3]”.

Trocando em miúdos é esse artificialismo que somente gera mais do mesmo. Não existe nada de novo no aspecto econômico, mas sim tecnológico. E a grande novidade surge mesmo na relação dessas tecnologias digitais com os modelos organizacionais, negociais, trabalhistas e entre as pessoas.

Seria mais justo tratar esses temas como “Os Novos Modelos Empresariais” ou “As Oportunidades de Negócio com a Inovação Tecnológica”, mas não com o título de uma “Nova Economia”, que necessitaria de uma mudança revolucionária na tríade: capital x propriedade x trabalho.

O trabalho

Este último realmente tem sofrido modificações sensíveis com o teletrabalho, profissionais autônomos e serviços e virtuais. Entretanto, ainda está relacionado com o modelo de propriedade da II Revolução Industrial. E não adianta tratar de uma Nova Economia sem uma ruptura nos eixos da propriedade e do capital.

Os dois momentos, 1999 e 2014, são permeados pela mesma fragilidade ao tratarem os ativos intangíveis como se fossem tangíveis. Os primeiros têm vocação para serem abundantes, enquanto os segundos são por natureza escassos.

O pior é que a evista pretende nos fazer acreditar que somente pelo fato de termos uma miríade de oportunidades financeiras e de inovações tecnológicas existe realmente um novo modelo econômico. Parece a disseminação de um mantra da tecnologia salvando a economia.

Do egossistema para o ecossistema

Acrescenta-se o fato de que a reportagem mais atual esconde o embate de dois conceitos que também acabam confundindo o leitor: o de ecossistema e egossistema. Justamente aqui reside de forma subliminar a manutenção do modelo de propriedade tradicional.

Paulo Campos, no portal Exame.com, faz uma abordagem sobre a necessidade de sair do Egossistema e formar um Ecossistema, como alternativa à competitividade do mercado. Campos afirma que para se “ganhar, nem sempre é necessário competir” [4]. Trata-se de uma mudança radical para uma lógica de mercado que sempre colocou a competição em primeiro lugar.

Uma das armadilhas subliminares dessa “colaboração” é que enquanto existe uma produção aberta e com baixo retorno financeiro, a produção ocorre de forma colaborativa entre todos os atores. Entretanto, ao se ganhar economicidade a organização central se apropria dos resultados. É nesse momento que o egossistema entra em funcionamento e o que ajuda o mecanismo de apropriação dos resultados de forma centralizada é o modelo de propriedade intelectual dos ativos intangíveis.

O Blog Livre Fluxo [5] traz uma definição que vai nos ajudar a comparar as diferenças. Para o blog, “existe o ecossistema que por definição é um todo composto de diversas partes interconectadas e interdependentes, numa relação dinâmica e equilibrada. E existe o egossistema que é um aglomerado desconectado que se baseia em relações estagnadas de dependência conflituosa”.

Se trouxermos a definição acima para os aspectos econômicos do mundo digital, alguns pontos merecem ser observados, em especial quando se avaliam as “relações”, pois em alguns momentos o efeito será justamente o contrário do apresentado pelo blog. No caso do ecossistema digital ele tende a ser dinâmico, mas nem sempre equilibrado, faz parte dos ambientes digitais terem desajustes naturais. Ou seja, o desequilíbrio faz parte da lógica harmônica do ecossistema digital.

No caso do Egossitema, a relação necessariamente não precisa ser estagnada e a dependência conflituosa. No mundo digital a velocidade das coisas não torna a relação estagnada, o que pode esconder a dependência conflituosa que, ao contrário, começa a transmitir uma sensação de ser harmoniosa, decorrente da agilidade com que as coisas acontecem.

O modelo de organização das startups está muito alinhado com o conceito de egossistema. São mentes e projetos brilhantes e inovadores, escoltados por algum nível de institucionalização, que ofertam soluções integradas a alguma plataforma fechada e buscam o retorno financeiro rápido. Não há nada de errado nisto, afinal todos têm direito de alçar o seu primeiro milhão. Mas, para batizar este cenário de Nova Economia existe uma longa distância.

Um consultor experiente de grandes empresas da internet, que confesso não lembrar o nome, mas somente do fato, em entrevista ao programa Roda Viva da TV Cultura, foi enfático ao mencionar que os ecossistemas são abertos, livres e compreendem um nível de equilíbrio entre os atores.

Já o egossistema funciona com uma orbitação em torno das grandes corporações e com plataformas fechadas. Algo que passei a denominar de organocentrismo, onde a organização é o centro do egossistema e, por meio dele, passa a usufruir dos resultados e benefícios de maneira muito subliminar.

O nível profético para carimbar a data de batismo da Nova economia tem colocado bons autores e publicações respeitáveis abusando da improvisação. O tema não tem ainda o apelo de uma “busca do ouro”, mas atrair a atenção dessa forma tem servido muito mais para gerar uma camuflagem para as velhas práticas do sistema capitalista do que dar as pinceladas de um novo modelo econômico.

Referências

[1] REVISTA INFOEXAME, matéria de capa “Uma Nova Economia – conheça os brasileiros que estão ganhando dinheiro com aplicativos e veja como fazer parte desse mundo”. Edição 345, de Setembro de 2014, Editora Abril.

[2] REVISTA EXAME, A Nova Economia (reportagem de capa), Edição 695, de 25 de agosto de 1999, Editora Abril.

[3] ARTIGO A Nova Economia será a dos Bens Intangíveis, no Portal Webinsider, 24/11/2010. (último acesso 29/03/2015)

[4] PORTAL EXAME.com, Saia do Egossistema e forme um Ecossistema, Paulo Campos, Edição de 29 de Janeiro de 2014. (último acesso 29/03/2015)

[5] Blog Livre Fluxo, (último acesso 29/03/2015)

[Webinsider]

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Corinto Meffe (corinto.meffe@planejamento.gov.br) é assessor da presidência do Serpro.

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4 respostas

  1. Realmente não há nada de novo, a massa trabalhadora continua lá acumulando recursos para os detentores do capital, com a única diferença de estarem à frente do computador ao invés de operar uma máquina na indústria, arar a terra, etc. A grande mídia, em geral, está assim perdida.

  2. O artigo me fez pensar nessa nova estrutura alicerçada na tecnologia…A promessa de uma nova relação de trabalho, em que a tecnologia abreviaria sua tarefa e reduziria a incidência de erros e tal…O que vemos, na verdade, é uma relação ainda mais “escravista”, digamos assim. A tecnologia acabou gerando outras demandas, outros “timings”. A quantidade de emails que se recebe por dia, por exemplo. Estar permanentemente ao alcance do seu chefe, por computador, por celular, outro exemplo. A expectativa sempre de uma produtividade maior, já que há a tecnologia como ferramenta de ajuda. Na verdade, o laço ficou ainda mais estreito, os prazos ficaram ainda mais curtos a partir de então. Pensando no que está dito no artigo sobre o antigo modelo econômico capitalista dessas relações estar maquiado…de certa forma, em alguns contextos, o tal capitalismo está ainda mais selvagem.

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