Streaming de bits, do operador para a TV e similares

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Este mês eu iniciei a fase de testes gratuita da operadora Netflix, com a ajuda de vários aplicativos e widgets. Para conseguir sinal com 4K de resolução eu fui obrigado a pagar uma assinatura mais alta, com direito ao uso de quatro telas simultaneamente.

Eu decidi escrever alguma coisa sobre esta experiência, na expectativa de conseguir discutir noções sobre o que é de fato “streaming” e como ele influencia a recepção de programação on-line.

A palavra “streaming” é mais um daqueles termos oriundos da computação de dados em rede que ou não tem tradução ou se transformam em algum galicismo. Deletar, por exemplo, que poderia muito bem ser traduzida como apagar ou até remover, nunca existiu no vernáculo, mas foi adaptada rapidamente, ainda na época do CP/M, uma vez achada a respectiva chave nos teclados da época, ou seja, virou um galicismo.

O termo “streaming” nem tentativa de tradução teve que eu saiba, mas a palavra denota em português “correnteza”, no caso “correnteza de bits por um determinado caminho elétrico”, geralmente um cabo de ligação ou rede de transmissão de dados.

O “streaming” é uma correnteza de bits em um único sentido: saindo da fonte ou do operador de sinal para o equipamento ou sistema do usuário. Como fonte de sinal a gente poderia incluir inclusive uma rede local doméstica (LAN) ou um servidor de mídia.

A velocidade de tráfego dos bits em streaming é o nosso conhecido bitrate. E aqui vale o raciocínio anterior de que quanto maior for a taxa de compressão do sinal menor o bitrate e vice-versa. É importante, no caso do streaming, estabelecer um bitrate que seja compatível com a linha de transmissão e com os equipamentos envolvidos, sob pena de, em não o fazendo, tornar todo o sistema inoperante!

 Codecs de áudio e vídeo do Netflix e o bitrate do sistema

Até onde se sabe, o Netflix usa uma codificação VC-1 para compressão do sinal de vídeo SD e HD, e H.265 (HEVC) para sinais 4K.

Na parte de áudio eu detectei Dolby Digital Plus, até 5.1 canais. O Dolby Plus é uma das extensões do Dolby Digital “legacy”, porém com resolução bastante elevada, só perdendo mesmo em qualidade para o Dolby TrueHD. Na prática, eu creio que dificilmente o usuário menos exigente irá notar qualquer diferença entre ambos, porém a vantagem do Dolby Plus é poder passar na rede áudio de alta resolução com menor sacrifício ou demanda no bitrate.

É claro que para se conseguir alta qualidade de imagem e som, a operadora é obrigada a elevar o bitrate, o que poderá causar transtornos a quem recebe o sinal, visto que ele trafega em primeiro lugar pela Internet (WAN), antes de chegar à casa do usuário.

Na verdade, é uma verdadeira corda bamba, onde qualquer escorregão poderá ser fatal. A Netflix precisa comprimir o sinal o suficiente para trafegar na rede com eficiência, mas jamais a ponto de degrada-lo, seja o áudio ou principalmente o vídeo que é, dos dois, o mais demandante!

Existem condições de recepção às quais a operadora não tem controle. E foi por isso que, ao inquirir sobre o sinal em 4K, o suporte do telefone insistiu que eu tivesse certeza de que o sinal de Internet dentro da minha casa fosse de pelo menos vindo de uma conexão de 25 MB.

Tal recomendação esbarra em alguns problemas. O primeiro deles, que as operadoras de banda larga só são obrigadas a entregar cerca de 10% da banda contratada em download. O segundo que, a não ser que o usuário instale o seu equipamento usando cabos de rede (Ethernet), o sinal será necessariamente captado por rede sem fio, e aí tudo pode acontecer.

A rede sem fio é, por princípio, ineficiente, mesmo aquela que usa o protocolo N. Existem formas de se contornar em parte esta ineficiência recorrendo-se a roteadores que trabalham com tecnologia MIMO, que permite que múltiplas antenas possam dividir o sinal de acordo com a quantidade de bits que entram na fila de transmissão. Ou ainda ajustar o roteador para a varredura automática do canal de transmissão, de maneira a evitar interferência de outros equipamentos que operam na faixa de 2.4 GHz.

E finalmente, instalar o roteador de preferência na parte central da casa e nunca pousado em superfície de ferro. Mesmo assim, é preciso que o receptor esteja localizado em um ponto favorável, o mais próximo possível da fonte, em linha reta se for factível. Em se tratando de adaptadores de rede para porta USB, existem extensões na forma de cabos, que permitem movimentá-lo para locais de melhor recepção.

 Apreciação do sinal e da qualidade

A qualidade final obtida pelo sinal da Netflix depende, e muito, do equipamento usado. O sistema atualmente ajusta automaticamente o sinal, de acordo com as condições de recepção, mas o usuário pode impedir isso via acesso à conta por um computador e com a ajuda de um navegador. Clicando no ícone do perfil, existe a opção “Sua conta”. Selecionando a opção, aparecem uma série de dados, e o usuário deve procurar a opção “Configurações de reprodução”. Entrando nela, aparece o ajuste “Uso de dados por tela”, no qual as opções são Automático, Baixo, Médio e Alto. Ao lado aparecem explicações sobre cada uma delas. Ajustando para a opção Alto, recomendável para 4K, evita-se queda de sinal na reprodução em telas 4K e fornece bitstream adequado para as demais telas ou periféricos, como tablets ou telefone.

Cada equipamento usa um aplicativo próprio, incluído no firmware, mas existem basicamente os mesmos recursos de seleção de programas. Nos testes que eu fiz em casa eu usei uma TV 4K Samsung modelo UN65HU8500 e um Oppo BDP-103, além de um microcomputador desktop de alta performance (HPC). Os dois primeiros têm sinal suprido por rede local Wi-Fi e o último alimentado com conexão Ethernet 1Gbit, direto do roteador.

Usando primeiro uma conta da família pré-existente, do tipo super básica, não foi possível receber sinal em 4K, porque o sistema automaticamente reduz para HD, mesmo na tela 4K. É, a meu ver, a forma da operadora se defender, para poder vender o pacote mais caro para incluir sinais UHD.

A única forma de ter sinal pleno com 2160 linhas de resolução é fazendo assinatura de quatro telas e possuindo uma TV 4K com decodificador HEVC incluso no chipset. A Netflix apresenta uma lista de aparelhos “homologados”, vendidos no Brasil. Para evitar surpresas é aconselhável o usuário recorrer à leitura desta lista e/ou ao fabricante, caso o seu aparelho de TV não esteja incluído na lista. Pelo fato do usuário ter uma TV 4K não quer dizer que o decodificador HEVC esteja incluído no hardware.

Os resultados dos testes domésticos que eu obtive foram os seguintes:

A TV Samsung possui decodificador HEVC (H.265) e ótimo buffer de memória. Este buffer é necessário para a memória caché, isto é, uma fila de informações vindas do streaming contendo áudio e vídeo, que são acumuladas temporariamente até serem reproduzidas. À medida que o buffer vai esvaziando ele é reabastecido com novos pacotes de dados do streaming e a reprodução não sofre interrupção.

O usuário que não conhece o processo de buffer de memória poderá visualizá-lo na forma daquela rodinha com um número percentual dentro, mostrada antes da exibição do programa. O percentual indica quanto de buffer é armazenado, e o vídeo começa a rodar quanto ele atinge ate próximo de 100%. Se o streaming for eventualmente interrompido ou o usuário quiser exibir um trecho diferente do programa, o buffer volta a funcionar e a rodinha aparece de novo na tela.

A TV Samsung recebe sinal de áudio Dolby Plus até 5.1 e o converte para Dolby Digital legacy, mas não é capaz de reproduzi-lo da forma tradicional, isto é, o surround é simulado. Além disso, a saída digital ótica (Toslink) da TV repassa sinal 2.0 PCM, derivado do bitstream original.

Já com o Blu-Ray player da Oppo, a situação se inverte: o aparelho é capaz de reproduzir imagem de bom nível, mas restrita a 1080 linhas de resolução. Pode parecer estranho a princípio, porque o chipset de saída por HDMI faz upscaled para 2160p, mas a ausência de um decodificador HEVC para sinais do aplicativo Netflix impedem que o sinal seja detectado. Em contrapartida, o Oppo detecta sinais Dolby Plus e os repassa na saída HDMI, ficando disponível para processadores externos.

O buffer de memória do Oppo para o Netflix não é ruim, porém em várias vezes a qualidade inicial do vídeo caiu abruptamente e depois se recobrou para 1080p. A operadora justifica o problema dizendo que o sinal pode sofrer adaptações de resolução momentaneamente para valores mais baixos, dependendo das condições de recepção, que é a provável razão desta queda. Porém, uma vez se conseguindo um buffer de memória decente, o problema desaparece.

Para receber o streaming do Netflix no computador é necessário o uso de um navegador com a inclusão de um plugin Silverlight (fornecido gratuitamente pela Microsoft). Os meus testes foram feitos em plataforma IBM, com o BIOS operando em modo HPC (High Performance Computing), e o computador rodando em ambiente Windows 8.1 atualizado. No modo HPC, as tarefas da CPU e da GPU da placa gráfica são divididas por núcleos e coprocessadores independentes.

No computador são sentidos os efeitos do DRM (Digital Rights Management), com o objetivo de impedir cópia do conteúdo: o sinal 4K é automaticamente bloqueado, uma vez detectado pelo plugin. Mesmo que não fosse, alguns obstáculos teriam que ser vencidos:

1 – O plugin do Silverlight não tem capacidade para decodificar HEVC.

2 – A instalação de um decodificador HEVC é até possível, mas complicada, porque não basta somente a instalação de um adaptador de vídeo com suporte de hardware, é preciso apoio de software que faça uso dele.

3 – O monitor deve ser obrigatoriamente 4K, com conexão digital (HDMI, DVI ou Display Port).

Para sinais HD e SD o plugin da Microsoft inclui o DRM que impede o usuário de fazer cópia no computador. A Netflix usa o formato VC-1 Advanced Profile, que permite encapsular e transportar sinais de alta definição pela rede. O esquema de proteção Microsoft PlayReady inclui a proteção DRM para o VC-1 e para o plugin Silverlight.

 Comentários finais

Tablets, celulares e afins possuem todos eles têm aplicativos próprios, mas foram propositalmente excluídos desta análise.

O bloqueio de sinal 4K em computadores no Brasil é desconhecido pelo suporte. Ao ligar para lá foi preciso que o supervisor da atendente fosse buscar a informação na sede norte-americana, e depois confirmou que o bloqueio existe para usuários brasileiros também, o que evidencia uma política de distribuição de sinal rígida para o mundo todo.

Como o sinal 4K ainda é incipiente, eu não descartaria uma implementação do mesmo em computadores, a partir do momento em que fosse encontrada uma forma eficiente de impedir cópia.

A Netflix não se preocupa tanto com a presença do sinal em televisores, provavelmente porque é virtualmente impossível retirar sinal de alta definição dos aparelhos para gravação.

Fora da questão da pirataria, a imagem em si em streaming, uma vez vencidas as condições de recepção, é de muito boa qualidade. Comparando, na mesma TV, o sinal de 4K do YouTube e da operadora, esta é notoriamente superior, e isto, creio eu, é claramente devido à superioridade de compressão de sinal usada pela Netflix.

Na verdade, comparando o sinal com a Net HD, é possível notar menos compressão e mais qualidade, sem contar o fato de que a operadora de TV não passa ainda 4K pela rede para o consumidor e se passar vai ter que apertar mais ainda a atual taxa de compressão, que já á muito alta.

Mesmo estando com a assinatura com pouco tempo de uso, noto que o pacote mais caro contém muito mais oferta do que o anterior. Acho, entretanto, um exagero impor uma diferença para mais de pagamento somente por causa do uso do sinal 4K. Até agora, a assinatura per se leva nítida vantagem em relação às operadoras de TV no quesito qualidade e ausência de anúncios, mas perde mercado por causa da má qualidade ou inexistência em muitas cidades da banda larga no país.

Finalmente, comparando a imagem 4K com o meu material de referência percebo que a qualidade do sinal é muito boa. As diferenças são mínimas e praticamente imperceptíveis aos olhos dos consumidores não experimentados. Por outro lado, muito do material HD (1080 linhas) que eu assisti tem, comparativamente, imagem com qualidade bem próxima aos vídeos em 4K, dependendo obviamente dos cuidados da produção deste material. É possível que muitos usuários não consigam distinguir entre HD e UHD neste particular.

Eu acredito que a aceitação do streaming de vídeo 4K por qualquer operadora estará sempre dependente da disponibilidade de conteúdo, talvez muito mais do que o preço extra cobrado por ele. E possivelmente o maior empecilho de mercado ainda será a banda larga de má qualidade disponível no país. O ideal seria que o aumento de oferta fosse um estímulo para as operadoras deste setor melhorassem o serviço e o estendessem a cidades do interior que nem sabem o que é isso! [Webinsider]

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Olá, Igor,

    Também acho estranho, porque a qualidade de áudio é a mesma em todos os sistemas operacionais. O que poderia influenciar na reprodução seria a qualidade do adaptador de áudio e os respectivos drivers.

    Quanto à diferença com o som do Blu-Ray é preciso levar em conta que neste tipo de mídia a compressão, se existente, é muito baixa. Aliás, a qualidade final de som e imagem do Blu-Ray se deve ao bitrate elevado, luxo este que o Netflix, muito menos as operadoras de sinal de TV, podem ter.

  2. Excelente análise Paulo. Procurei muito por uma análise e aqui encontrei a melhor.
    Um amigo usa windows 7 e reclama muito da diferença de qualidade do áudio em comparação com o blu ray (TrueHD). Após alguma pesquisa notei que a melhor forma de conseguir qualidade seria ou pelo navegador no windows 8 e com o Silverlight ou instalando o aplicativo do Netflix no windows 8.
    Mesmo assim achei estranho ele notar tamanha diferença pois ele é um usuário comum que não tem pretenções em buscar a melhor qualidade sempre, como eu…rs

    Abraço

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