O que o caso Ouya ensina sobre crowdfunding

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Gostaria de falar um pouco sobre um case bem interessante envolvendo uma plataforma de games e o uso do financiamento coletivo. Pretendo mostrar com essas considerações alguns pontos cruciais:

  • A força da multidão quando, envolvida, acredita em uma ideia ou iniciativa;
  • O potencial ainda pouco explorado do crowdfunding;
  • Os riscos envolvidos quando se participa de uma rodada de financiamento coletivo;
  • O que aprender com esse fenômeno da indústria de games.

Espero poder esclarecer essas questões, além de demonstrar solidariedade aos milhares de apoiadores do console que, a partir desse ano, terão a descontinuidade do produto final que surgiu com um belíssimo projeto de crowdfunding. Além disso, pretendo adentrar em uma indústria que está crescendo de forma alarmante, inclusive no Brasil, e que arrebanha seguidores e fiéis divulgadores, ligados ao desenvolvimento, teste e lançamento de games.

ouyaEm 10 de julho de 2012, a empresa idealizadora do projeto lançou uma campanha no site Kickstarter prometendo o lançamento de um console de games totalmente integrado, de software livre e de interface simples e minimalista, que seria chamado de Ouya. O pedido inicial de doações era de 950 mil dólares.

Em apenas oito horas, o projeto atingiu 100% do pedido de financiamento, um recorde até hoje na plataforma e provavelmente mundo afora, em matéria de velocidade, engajamento e arrecadação de apoiadores. Em suas primeiras 24 horas, o projeto atingiu a inimaginável marca de um novo apoiador a cada seis segundos! Não se tem notícia de algo parecido até o momento em projetos de financiamento coletivo.

Com o assédio midiático e os resultados espetaculares, diversas empresas e software houses, ainda durante a campanha, começaram a anunciar a adoção dos formatos e padrões dos games próprios ou exclusivos para o Ouya, em uma clara tentativa de aproveitar a onda de visibilidade e mídia que estava sendo atraída pelo impressionante projeto.

Em 19 de julho foi a Robotoki; em 31 de julho a Square Enix; em 7 de agosto a XBMC; em 8 de agosto Namco Bandai. Tudo isso antes que a campanha do Kickstarter terminasse. E seguindo o burburinho da multidão de fãs e adeptos da nova plataforma digital de games.

Dia 9 de agosto de 2012 a campanha foi encerrada, com uma arrecadação inacreditável de mais de 8,5 milhões de dólares, ou seja quase 1.000% a mais do que o pretendido pelo idealizador do projeto.

Concluída a campanha, ora de entregar as recompensas!

Atrasos e dificuldades de envio foram registrados, especialmente aos que financiaram o projeto fora dos Estados Unidos. Dezenas de apoiadores ficaram aguardando seus consoles, barrados em alfândegas de seus países, em razão das leis de importação e pagamento de impostos.

Contudo, praticamente todas as versões foram produzidas e entregues. Outras versões mais modernas e arrojadas do console foram lançadas. Em janeiro de 2014, praticamente todo o estoque produzido foi vendido, não sendo possível encontrar o produto em revendas finais.

Em novembro de 2014, Ouya anunciou seu milésimo game, demonstrando a força e o sucesso da empreitada e de seu rol gigantesco de adeptos e financiadores. Em janeiro de 2015 o Ouya recebeu um aporte de 10 milhões de dólares do Alibaba, site de comercio eletrônico.

Mas…

O auge de um dos mais impressionantes projetos de crowdfunding no setor de games já visto… não fosse por uma pequena questão: em abril de 2015, portanto três meses após seu aporte milionário, a empresa detentora da tecnologia e do console Ouya anunciou que estava colocando-o à venda, em função de débitos com um de seus investidores.

Em julho de 2015, terminou o sonho Ouya, que foi adquirido pela empresa Razer, Inc. E a Razer anunciou que irá descontinuar a produção do console. Termina assim esse notável capítulo do financiamento coletivo mundial.

Mas por que, diante do sucesso meteórico, uma empresa em três anos abre mão de um projeto simplesmente ótimo, com adeptos e financiadores cativos (mais de 60 mil pessoas), alegando não conseguir liquidar ou atender seus investidores?

A partir desse ponto, focaremos na análise de cada uma das questões que pontuamos e que, ao nosso ver, deixam um legado de aprendizagem e aperfeiçoamento para o mercado, especialmente aos financiadores de games.

A força da multidão

O formato adotado pelo projeto do Ouya foi espetacular, impecável e eficiente! A penetração da comunicação, das redes sociais, dos grupos de jogadores, das comunidades de gamers e da amplitude de divulgação no site fizeram do projeto uma história sem precedentes para a plataforma e para o mercado de crowdfunding.

Atingir 1 milhão de dólares em apenas oito horas demonstra que o trabalho prévio ao lançamento da campanha, a divulgação nos nichos de público adequados, a seriedade da proposta, a clareza de propósito e a demonstração de conhecimento técnico por aquilo que se está pleiteando são preponderantes no momento da decisão do financiador colocar a mão no bolso!

Assim, fica a dica: o planejamento da campanha e seu sucesso ocorrem antes do lançamento! A arrecadação é uma consequência de um belo trabalho bem feito, com os agentes certos e o foco no público que quer aquele projeto no mercado!

O potencial pouco explorado do crowdfunding

O financiamento coletivo, em minha modesta opinião, vem sendo subaproveitado pelo mercado brasileiro. Os idealizadores, salvo raríssimas exceções, criam seus projetos como se fosse um rascunho. Confundem simplicidade com amadorismo!

Já os sites especializados no Brasil ainda pecam em não atingir de maneira adequada o público alvo de cada tipo de projeto. Tanto que no Brasil estudos já mostram que 80% do sucesso de uma campanha vem dos esforços do idealizador e não da plataforma! Isso significa que, apesar de ser um meio necessário, os sites têm se esforçado pouco para fazerem com que seus usuários (idealizadores) sejam mais bem sucedidos.

Com relação aos financiadores, a insegurança, a falta de clareza e de conhecimento do processo de doação, forma de pagamento, segurança de reembolso e orientação sobre o destino final do dinheiro doado deixam uma lacuna operacional que simplesmente não precisaria existir e que prejudica milhares de excelentes projetos que não atingem suas metas de financiamento.

A força e o dinheiro dessa multidão de potenciais doadores para projetos das mais variadas vertentes tem sido subestimado, desconsiderado e não tem recebido a devida atenção.

O crowdfunding pode ser muito maior do que só doar valores para projetos: ele pode ser uma das portas para contornar a crise em que nosso país está vivendo, nos mesmos moldes em que sustentou e reergueu boa parte do sistema de negócios nos EUA com o Jobs Act criado por Barack Obama, após assumir a Casa Branca! Porém, precisamos de operações seguras e transparentes junto aos agentes (sites, idealizadores, meios de pagamento e financiadores).

Os riscos envolvidos

No livro “Dinheiro da Multidão: oportunidades x burocracia no crowdfunding nacional”, primeiro livro brasileiro sobre o tema, reforçamos vários aspectos relativos aos riscos envolvidos em uma operação de financiamento coletivo, não só para quem doa, mas para o site e para o idealizador do projeto.

Afinal, em um país como o nosso, todo o cuidado deve ser adotado para evitar-se problemas como os que aconteceram com o Ouya. Imaginem que, após essa arrecadação recorde, qual foi a situação tributária e fiscal da empresa que recebeu todo esse dinheiro?

Some-se a isso, a prestação de contas de todo esse montante aos milhares de financiadores que, além de aguardarem ansiosos por seus produtos, depositaram nele uma expectativa de resultado e de continuidade.

Além disso (apesar de todos os consoles terem sido entregues aos financiadores), o crescimento meteórico seguido de uma descontinuidade mais meteórica ainda, causa nos usuários uma frustração de alto impacto, por se tratarem de fãs de um projeto, não apenas de investidores.

A má gestão das finanças, provavelmente a inexperiência em lidar com tanto dinheiro conseguido a custo zero, sem garantias e sem a participação de um agente bancário tradicional, podem ter sido o grande vilão do desaparecimento de uma ideia brilhante.

A chegada de grandes players de investimento em empresas startup de games, que demonstram esse crescimento organizo acelerado, muitas das vezes trazem regras e condições “tradicionais” que desnaturam a figura de liberdade e de inovação de dezenas de produtos e que eu sinceramente acho que foi um dos caminhos da Ouya.

Tinham tudo para dar certo. Seus apoiadores viabilizaram tudo, compraram tudo, usaram tudo… mas foram os últimos a serem ouvidos pelos criadores na hora em que os investidores chegaram.

O que aprender com tudo isso

De maneira bem assertiva, acredito que podemos extrair dessa fabulosa história empresarial os seguintes aprendizados:

1. Nunca subestime o poder da multidão e da capacidade de financiamento coletivo.

2. Qualquer campanha, independente do tamanho dela, começa antes da própria campanha: deve existir planejamento estratégico e gestão de projetos.

3. Não se iluda com os valores arrecadados: dinheiro acaba, na mesma proporção em que a equipe precisa apresentar mais e mais resultados.

4. Nunca se esqueça de suas bases financiadoras: sem eles, sua empresa ou produto não seria conhecido e, portanto, eles devem sempre ser ouvidos primeiros.

5. O sucesso de um projeto só pode ser medido pela capacidade que sua equipe tem de entregar resultados. Acredite, ser financiado é a parte mais fácil do processo.

6. Aos doadores, um conselho: exijam que as plataformas tenham equipes especializadas em due dilligence e acompanhamento do uso dos valores após a conclusão da campanha. Isso reduz muito as chances de algo dar errado.

7. Crowdfunding é um investimento e, portanto, possui riscos, ainda mais em uma indústria tão competitiva como a de games.

Se você quiser saber mais sobre essa campanha, veja aqui no Kickstarter.

[Webinsider]

Vinicius Maximiliano é advogado corporativo, gestor contábil e financista. Autor do livro Dinheiro na Multidão – Oportunidades x Burocracia no Crowdfunding Nacional.

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