Cinema fechado para reforma

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Cine Madri: cinema fechado para reformas

Eu conheci o Renato Santana em um dos eventos do Festival Cinemúsica, que rola todo ano no mês de setembro em Conservatória, Rio de Janeiro.

E ainda por esses dias encontrei de novo, casualmente, com ele, quando então tivemos chance de conversar sobre a situação atual da memória dos cinemas que fecharam as portas e sobre os quais perdura uma imensa dificuldade de se encontrar fotos, imagens e documentação de projetores e cabines.

O Renato, que tem ótimo conhecimento sobre projetores, e que eventualmente colabora com o Festival nesta capacidade, me disse que vinha colecionando fotos e informações sobre várias salas. Um amigo dele sugeriu mostrar as fotos em um blog, e assim foi criado um espaço na internet com o nome “Cine Fechado Para Reforma”.

Foi neste blog que o Renato postou uma foto raríssima da fachada do Cinema Madrid, na sua última fase de existência, e que, com sua permissão, reproduzo agora:

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Na imagem ainda é possível ver parte da entrada do restaurante Bar Divino, outrora um point de muita gente depois famosa. Esta talvez tenha sido a última imagem feita da entrada do Madrid. Há algum tempo atrás eu me dei ao trabalho de ir à Rua Haddock Lobo onde o cinema ficava e depois lancei na coluna os dados que permitiriam ter uma noção geográfica do enorme espaço anteriormente ocupado pelo cinema, cuja frente está lacrada.

Na foto postada abaixo, uma única porta coberta de jornais permite o acesso ao recinto onde era a passagem para o interior do cinema:

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A foto foi incluída na coluna sobre a antiga área do cinema. É duro ver um espaço cinematográfico de alta qualidade ser reduzido a isto que está aí. Com a colocação de uma banca de jornal bem em frente já não é quase mais possível ver a entrada do cinema quando se passa pela rua. A foto acima teve que ser tirada de lado.

O blog do Renato mostra fotos de espaços similares, com detalhes interessantes a respeito das cabines de alguns deles. Uma observação atenta irá mostrar projetores Incol 70/35, os mesmos anteriormente usados para 70 mm e Cinerama 70, adaptados para cabines de cinemas em outros locais distantes do centro da cidade.

Dá para perceber a retirada de peças da aparelhagem, com a ausência das cabeças de leitura da banda magnética instaladas na fábrica para filmes de 35 e 70 mm.

Essas cabeças magnéticas do Incol foram achadas na cabine do antigo Cinema Pathé, ainda instaladas nos projetores, mas deterioradas e com camadas de óxido, cuja recuperação se torna praticamente impossível se fosse tentada:

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No Incol 70/35 as cabeças de leitura eram montadas na parte superior do projetor em um suporte rotativo, de tal forma que elas eram facilmente selecionadas para películas de 35 mm ou 70 mm, bastando girar o conjunto para baixo com as cabeças de leitura corretas.

Fechado para obras

Foram dezenas de vezes que o público frequentador de cinema viu algo parecido nas fachadas dos cinemas de rua, tal como nos mostra a foto do Madrid.

Na ampla maioria das vezes, o aviso nas fachadas iria indicar alguma coisa na modernização das instalações internas das cabines e/ou das salas de exibição, incluindo tela e som.

Na situação específica do Madrid, que havia sido inaugurado na década de 1950 com moderníssimos equipamentos Simplex X-L, três projetores no total, dotados de som estereofônico, a instalação dos dois Incol 70/35 sequer interrompeu as sessões habituais do cinema.

Eu fui testemunha desta troca, porque ia ao Madrid quase toda semana. Com a entrada dos projetores Incol 70/35 o enquadramento na tela e a iluminação da lanterna mudaram, visto que os Incol trabalhavam com lanternas mais potentes, para a projeção de filmes em 70 mm.

Da plateia via-se uma imagem com mais brilho e sem acerto com a tela de CinemaScope do cinema. A ideia era de que depois de tudo instalado, a tela fosse trocada para uma tela curva de Cinerama.

Na semana anterior ao fechamento, o cinema passou o trailer de Spartacus, cópia em 35 mm, e com som estereofônico. Nada, aparentemente, havia sido trocado na tela ou nas laterais, todas as caixas acústicas estavam provavelmente intactas.

Spartacus seria exibido em Cinerama 70. Um grande filme para um grande cinema. A arquitetura do Madrid teria permitido uma instalação de primeira qualidade.

De repente sai nos jornais a notícia de que havia ocorrido um incêndio durante a madrugada. A tela e as primeiras fileiras de poltronas foram queimadas, mas o resto do incêndio controlado. O cinema fechou para obras.

Na época, eu pensei tratar-se de algo contornável e passageiro. Mas, logo fui surpreendido com a notícia que o prédio seria demolido. É óbvio que a intenção de fechar para obras nunca teria sido concretizada, porque o cinema nunca foi reaberto, ainda que parcialmente.

É possível tirar ilações a este respeito, porque o mesmo não aconteceu em outras oportunidades onde eu estive presente: na Praça Saens Peña, por exemplo, centro da chamada “Cinelândia Tijucana”, o Cinema América passou pela terceira e última reforma sem que as exibições parassem, ou seja, obra e público convivendo com a poeira.

No antigo Eskye-Tijuca a reforma foi feita em duas etapas: na primeira, o auditório foi reformado com o balcão aberto para o público. Já na ocasião os projetores Incol 70/35 estavam instalados e a cabine modificada para três projetores.

Antes de passar ao grupo exibidor Severiano Ribeiro a cabine tinha sido instalada com projetores Meopta, montagem feita pelo Orion de Faria, dono da Incol. O próprio Orion não gostava dos Meopta, e eu concordo totalmente com ele. Na segunda etapa da reforma, o salão com a nova tela de 70 mm foi liberado e o balcão reformado. O cinema funcionou desta maneira até ser dividido em dois. Os projetores Incol 70/35 foram nesta ocasião removidos.

No Cinema Rio, de propriedade da empresa Cinematográfica Costa Soares, a cabine recebeu dois novos projetores de 70 mm, a tela foi montada rapidamente e mesmo sem acabamento do restante da moldura, o cinema inaugurou às pressas o novo formato exibindo Sete Noivas Para Sete Irmãos em 70 mm.

Desta forma, o Rio, que era de fato um bom cinema, amplo e com boa projeção convencional, se tornou mais uma peça do circuito de exibição de filmes em 70 mm. Um cartaz na porta do cinema fazia menção ao formato Todd-AO da tela e aos amplificadores transistorizados usados na instalação. Na verdade, a tela embora curva não era Todd-AO.

Na praça e arredores foram quatro os cinemas com cabines novas de 70 mm. Além dos dois mencionados acima também o Tijuca-Palace receberia projetores e tela para esta bitola. E finalmente o Bruni Tijuca, de propriedade de Roberto Darze, já foi originalmente montado com dois projetores Incol 70/35.

A Praça Saens Peña teria espaços generosos para modernizar todos os cinemas com sistema idêntico, mas ao contrário do que se previa, começou a demolir uma sala atrás da outra.

Tijuca e Tijuca-Palace dividiram-se em dois, este último com uma das salas apelando para a pornografia, a única do bairro. Não deu certo. Logo depois as duas salas fecharam de vez.

Muitos exibidores acharam que apelando para a pornografia salvariam as salas do fechamento. Alguns, como a Franco-Brasileira, que fez isso no Tijuca-Palace dividido, depois recusou-se a ceder os espaços para alguma igreja evangélica. As duas salas do Tijuca-Palace e o lendário Paissandu, hóspede da geração que adotou seu nome, fecharam e é pouco provável que sejam reabertos em algum momento do futuro.

Na Cinelândia do centro do Rio de Janeiro, a situação nunca foi diferente, e a última notícia constrangedora foi a manutenção do Palácio, cujas paredes estão tombadas, para a apresentação de peças de teatro.

Eu gosto de dar crédito a quem merece. E tive recentemente a oportunidade de parabenizar pessoalmente o Renato pelo esforço de transformar o blog em espaço de memória das salas que só ficaram na lembrança dos hoje privilegiados de ter um dia frequentado todos estes espaços.

No nosso último encontro ele me conta que viu o descarte de projetores de película que estavam em um depósito, carregados em um caminhão com destino para algum ferro velho. Entre estes, unidades Incol 70/35, que desaparecerão para sempre, porque comercialmente todos estes projetores de 35 mm perderam a aplicação até mesmo em cinemas de pequeno porte.

Na América e na Europa aprendeu-se uma lição: de que uma vez removidos eliminam-se as chances de se projetar películas extemporaneamente. Foi graças à manutenção de projetores de 70 mm instalados em muitas salas que o diretor Quentin Tarantino pode exibir Os Oito Odiados no formato original Super Panavision como ele foi filmado. E os fãs penhoradamente agradecem! [Webinsider]

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Leia também:

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Caro Renato,

    Tem sido para mim um grande prazer encontrar com você e passar horas falando em um assunto que me diz respeito.

    Eu não poderia em sã consciência deixar de ter outra atitude contigo. Desde que eu me propus a resgatar um pouco da memória das cabines as dificuldades enfrentadas foram enormes e eu contei com a ajuda de vários profissionais como o Ivo e o Orion, pessoas generosas e que valorizam a memória das salas que fecharam e os projetores que nela trabalharam durante anos.

    Obrigado pela permissão de reprodução de conteúdo!

  2. Obrigado professor Paulo pelo texto sobre o meu humilde blog, como foi dito no texto há mais de 20 anos que venho comprando em feiras e brechós fotos antigas e raras de fachadas de cinema e cabines de projeção, sem contar de cinemas que trabalhei como folguista de operadores e de doações de técnicos de cinema como o senhor Gianni Gallassi, que me cedeu gentilmente fotos de cinemas em que ele instalou cabines de projeção. Fique a vontade pra reproduzir qualquer imagem ou texto do ‘Fechado Para Reforma’.

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