Sully: um roteiro sobre heroísmo, sem super heróis

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Sully, filme de Clint Eastwood

A cultura americana dos Estados Unidos criou a figura do super herói em quadrinhos, chamada por eles de “Comic Book”. O primeiro deles foi o Super Homen (Superman), em 1938, segundo historiadores. O personagem vem do espaço, fixa residência em uma cidade grande, Metrópolis, usa seus super poderes para combater o crime.

Metrópolis é sinônimo da megalópole, com todos os problemas que ela encerra, tais como crime organizado, insuficiência de proteção ao cidadão comum, áreas de pobreza, crescimento vertical desordenado, etc.

O cinema sempre focalizou a sua atenção para os heróis da história em quadrinhos. A identificação com o super herói está provavelmente centrada nos paradigmas do “ideal americano”. Sua saga é vencer o invencível, sair de baixo e conquistar o mundo, ver na sociedade justiça, e assim por diante.

A obsessão por super heróis vem tornando o cinema americano insuportável. E quando falta espaço, a TV faz este papel, parecendo uma fonte infindável de personagens com os mais tresloucados super poderes.

Nada disso reflete a realidade como poderia. Na vida do “herói” propriamente dito, o heroísmo se destaca pela dificuldade de tomar decisões que possam afetar a vida de terceiros. E depois arcar com as consequências, se alguma coisa der errado.

No filme “Sully”, talvez o derradeiro do ator/cineasta Clint Eastwood, exibido recentemente nos cinemas e lançado em Blu-Ray, o assunto transcende o mero aspecto do heroísmo, e enfoca no lado das consequências.

Chester Sullenberger, o “Sully”, depois de ter salvado passageiros e tripulação em um total de 155 a bordo de um avião de carreira, é excruciantemente questionado, com a nítida intenção de fazê-lo pagar pelo pouso supostamente irresponsável da aeronave no leito de um rio.

O roteiro nos mostra que o inquérito bate firme no piloto, tentando fritá-lo com a acusação de que a decisão do pouso no rio fora precipitada, quando poderia retornar ao aeroporto nas proximidades.

O filme mostra que Sully, uma vez consciente de que não tem mais força de propulsão nos dois motores do avião, desvia-se da rota para não adentrar nas áreas urbanas da cidade e com isso matar mais gente.

O pouso em si é, como sugere o subtítulo original do filme, um milagre. Herói mesmo só no título em português!

Esse não é o heroísmo das histórias em quadrinhos. Em toda decisão deste tipo existe um risco calculado. O filme mostra que a decisão tomada foi feita depois de uma estimativa negativa de sobrevivência em todas as outras alternativas de pouso.

Sully e seu copiloto Jeff Skyles se safam da fritura na conta do chá. Deram sorte, porque as simulações excluíram cruciais segundos da tomada de decisão antes da mudança da rota.

O filme em Blu-Ray

Todo leitor mais assíduo desta coluna já deve ter conhecimento da minha admiração pessoal por Clint Eastwood, como diretor de sua safra mais recente de filmes. Alguns dos relatos sobre sua conduta no set de filmagem mostram a ligação com diretores de renome do passado mais distante, e creio não ser mera coincidência.

Sobre isso, destaco:

1. Silêncio no set: atores se acostumaram a nunca ouvir o diretor gritar “corta!” ou se dirigir a qualquer um falando alto. Eastwood disse em depoimento no Actor’s Studio que fazia isso porque nas filmagens de exterior com cavalos a equipe precisava de calma para não assustar os animais, mas a gente percebe que isso não é exatamente a verdade.

Tudo faz crer que o diretor deseja um set calmo, de modo a deixar equipe e atores à vontade. Em vez de “corta”, ele fala “ok, parem”, e bem baixo, o suficiente para todo mundo próximo escutar:

2. Respeito aos atores: até hoje, a grande maioria sobre os depoimentos no que concerne ao tratamento dispensado aos atores diz que o diretor os deixa em paz para criar seus personagens, e mais importante ainda, o faz com poucas tomadas de câmera, mostrando assim confiança na espontaneidade, como aliás o fazia John Ford.

Em depoimento na edição em Blu-Ray a veterana Laura Linney relata que quando Clint a chamou para fazer este filme, mesmo em um papel pequeno, ela não pensou duas vezes. No thriller “Poder Absoluto”, de 1997, ela já havia se destacado com o diretor no papel de Kate Whitney, e com total sobriedade.



3. Trabalho de alto nível técnico, sempre com a mesma equipe
: Clint Eastwood, tal como seus antecessores mais ilustres (eu já citei John Ford ou então Alfred Hitchcock?), gosta de filmar e editar seus filmes com as mesmas pessoas. Fazendo isso, é natural que toda a equipe saiba exatamente como ele quer o desenvolvimento do roteiro, da qualidade da imagem, e da montagem.

Na foto acima pode-se ver o diretor de fotografia Tom Stern, ao fundo, examinando algum objeto, com um monte de fios na mão. A observação do que está sendo capturado pela câmera agora é direta, em um pequeno monitor nas mãos do diretor.

A câmera principal usada no filme é uma Arri Alexa 65 IMAX, com lentes Hasselblad Prime 65. Duas cópias são retiradas do codec Arriraw, uma para projeção digital com IMAX, outra para DCI scope.

Esta última foi a que eu assisti no cinema. A edição em Blu-Ray usa o intermediário digital 4K scope também, para matriz da imagem.

Na apresentação prevista para o cinema o formato de som usado foi o Dolby Atmos. Mas, no cinema que eu fui o som era DCI 5.1 convencional.

Na edição em Blu-Ray é possível ouvir a trilha em Dolby Atmos, e a diferença é absurda, nem tanto pelos diálogos, mas os efeitos sono plásticos e a mixagem.

No conjunto da obra, a edição em Blu-Ray é caprichada e com extras sobre o personagem e o acidente, que esclarecem muito sobre a base na qual o roteiro foi escrito.

No geral, nota 10 para o conjunto da obra, e lamento que talvez seja este uma das últimas conquistas do cineasta. Se parar agora, ainda deixa técnicos, produtora e associados como legado e com chances de não deixar haver solução de continuidade neste estilo de filme, sem super heróis, mas sobre o verdadeiro heroísmo. [Webinsider]

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http://br74.teste.website/~webins22/2017/02/17/dalton_trumbo/

http://br74.teste.website/~webins22/2017/03/24/filme-miles-ahead-e-uma-homenagem-miles-davis/

http://br74.teste.website/~webins22/2015/12/15/55-anos-de-spartacus-um-dos-maiores-epicos-do-cinema-americano/

Leia também:

http://br74.teste.website/~webins22/2017/01/06/no-esplendor-do-70-mm/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/12/21/esta-dificil-ir-ao-cinema-e-nao-e-por-causa-da-idade/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/12/31/tudo-sobre-o-dolby-atmos-o-som-3d-em-um-so-filme/

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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