Blu-Ray (de) Áudio

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Blu-ray de áudio

Esta semana eu recebo a usual propaganda das lojas online onde eu faço as minhas compras, e no meio dela aparece uma oferta de uma série de edições de gravações clássicas, no formato Blu-Ray Audio, batizado de “Pure Audio” pelos selos que o adotaram.

O formato existe há anos, e eu nunca me aventurei a comprar um desses discos. Um amigo me emprestou um exemplar vindo da High Definition Tape Transfers, com uma transcrição multicanal de um gravação por nós amplamente conhecida, mas por coincidência houve uma falha técnica na remasterização, e por conta disso não se pode ajuizar nada a respeito da superioridade do áudio. Para mim, comparada ao CD, não houve nenhuma.

De qualquer forma, eu já vi este filme antes, com idêntico final. Formatos promissores de áudio de alta resolução chegaram ao mercado e falharam em se estabelecerem como paradigma de qualidade dentro do mercado consumidor, ficando em um nicho cada vez mais diminuto, aparentemente para o resto dos seus dias. Atualmente, um lançamento aqui e ali de um disco de alta resolução (SACD, na maioria das vezes) não tem expressão ou impacto que poderia ter, se as circunstâncias do mercado consumidor fossem outras.

A oferta vem de fontes analógicas principalmente

A ideia por trás do Blu-Ray Audio é a mesma usada em outros formatos do chamado “áudio de alta resolução”: renovar a remasterização de gravações analógicas do passado distante, porém com transcrição em resolução elevada.

Curiosamente, e apesar do preço alto praticado, essas fontes são de apenas dois canais, na maioria dos lançamentos. Pouco se nota de esforço de quem remasteriza em recuperar e remixar o som multicanal original para 3.0, 4.0, ou 5.0.

Blu-Ray Audio

O repertório oferecido hoje a mim por e-mail é todo de música clássica. Uma edição Decca (UMG) com uma caixa contendo a interpretação da obra completa e interminável de Wagner sobre “O Anel Do Nibelungo”, feita por Sir Georg Solti a partir de 1958 ainda está à venda por aí, se o interessado dispuser a gastar cerca de uns 400 dólares.

Blu-Ray Audio

A edição de clássicos para o Blu-Ray Audio não é mera coincidência, e ela repete o que foi feito para o CD trinta anos atrás. O ouvinte de música clássica é, em princípio, mais exigente nos detalhes. Além disso, a gravação e a reprodução corretas de música clássica exige a melhor relação sinal/ruído possível.

Com o uso de software de limpeza e restauração disponíveis já há muitos anos, esta tarefa se tornou algo rotineiro e simples. A partir de uma fonte de sinal limpa e sem distorção, o único elemento que fica faltando é o aumento da resolução, o que também deixou de ser problema faz muito tempo.

As eternas incongruências do áudio gravado

Por favor, os leitores que me perdoem, mas eu não tenho como não ser direto neste tipo de colocação, caso contrário eu estaria sendo desonesto com quem lê esta coluna:

“Um dos comentários mais estúpidos que eu já ouvi e ainda leio até hoje sobre a qualidade inferior do áudio digital é que ele tem um brilho excessivo, ao contrário do som “caloroso” da mídia analógica, seja fita ou elepê”.

A única coisa que parece justificar este tipo de apreciação é a tendenciosidade do observador, ignorando por completo um exame mais profundo do que está se afirmando. Em estatística convencional, pelo menos do jeito que eu aprendi, deve-se evitar a tendenciosidade em qualquer avaliação, sob pena de incorrer em erro.

E a coisa fica ainda mais estranha, quando nas comparações se mencionam gravações de música popular, tipo rock de qualquer época, inclusive, para servir como parâmetro desta suposta superioridade de qualidade sônica.

Quem acha que o analógico é “caloroso” e o digital não é se esquece de um fato singular em qualquer tipo de gravação, que é a decisão de quem faz a gravação sobre a colocação de microfones no espaço acústico, o tipo de microfone usado (com curvas de resposta de frequência distintas) e principalmente nas manipulações na mesa de gravação ou então pós-produção com o uso de compressores ou limitadores, instrumentos criminosos que são usados para fins escusos por parte de produtores. Aí, a transcrição analógica disfarça, enquanto a digital revela, e sem piedade!

O som digital honesto é na verdade, a análise e quantificação da onda gravada, sem tirar nem por. É virtualmente impossível adulterar isso. O que se pode e geralmente se faz é aumentar a acuidade da remasterização analógico-digital, introduzindo o aumento de resolução (por exemplo, de 16 para 24 bits) e/ou o aumento da amostragem, podendo-se chegar até 192 kHz, no caso do LPCM.

Qualquer fonte analógica de sinal será amostrada e quantificada, de acordo com esses parâmetros. Se a fonte for de má qualidade, contiver artefatos, ou for “fabricada” com pós-produção que interfira no resultado final, a transcrição para o som digital irá revelar impiedosamente as deficiências dessa fonte.

Tanto assim, que durante anos a fio, alguns selos mais escrupulosos colocavam avisos na contracapa dos CDs alertando o ouvinte para este tipo de limitação!

Não só isso, mas engenheiros de áudio mais conscientes deste tipo de realidade tentam até hoje recorrer às chamadas fitas “alfa”, que são as matrizes analógicas originais do estúdio, antes de sofrerem qualquer tipo de processamento ou manipulação.

E uma coisa que o audiófilo mais ortodoxo não gosta de admitir é que nem o áudio esotérico, com equipamentos a preços estratosféricos, vai conseguir melhorar o que inicialmente já vem ruim do estúdio!

O som absoluto

O segmento do mercado de equipamentos esotéricos pertence hoje a uma casta cada vez menor, de pessoas que têm capacidade de investir cerca de 250 mil dólares em um toca-discos analógico, que mais parece tirado de uma nave espacial, com uma miríade de ajustes para reproduzir o “som absoluto”.

Às vezes cansa: anos atrás eu convivia com um audiófilo super rico, que nos recebia muito bem na casa dele, só para ouvir discos de Jazz. O homem viajava constantemente, e nessas viagens se servia do bom e do melhor, tanto em equipamento como em discos.

Na casa dele estavam instalados no seu estúdio dois toca-discos Sota Sapphire, e dois amplificadores monobloco Futterman, estes construídos artesanalmente por Julius Futterman, com base em um design de circuito sem o uso de transformadores na saída, chamado de OTL (“Output TransformerLess”), uma proeza na época.

Os Futterman, vistos de perto, pareciam ter sido construídos em um fundo de quintal, as válvulas ficavam expostas ao ar livre, para ajudar no arrefecimento de calor. O custo de uma peça dessas àquela época girava em torno de uns oito mil dólares. E ainda complementando este setup espetacular, o nosso amigo instalou um par daquelas maravilhosas caixas eletrostáticas Quad ESL. O resultado sônico não podia ser melhor.

Porém, para a minha surpresa, ele um dia instala um CD player, e sai comprando um monte de CDs. Não que fossem deixados os milhares de Lps de lado, imagina, mas com toda a sua autoridade em áudio, ele acabou percebendo que o preconceito contra o som digital era completamente sem fundamento. E, surpresa: o som continuou tão transparente quanto antes!

Ouvindo hoje o mesmo CD da década de 1980, portanto já se foram mais de trinta anos, e se instalando um decodificador moderno, capaz de fazer upsampling sofisticado de até 32 bits, em um único chipset, é quase que impossível deixar de lembrar que o áudio esotérico perdeu espaço para a eletrônica avançada de hoje. E cabe lembrar um importante detalhe: a um custo infinitamente inferior!

Muda alguma coisa?

Se a gente separar a disputa entre DSD e PCM e nos determos na alta fidelidade que cada codec pode dar, vai encontrar no Blu-Ray Audio uma mídia que oferece o mesmo LPCM usado anteriormente no DVD-Audio, exceto que com uma diferença na taxa de compressão do bitrate, bem menor ou ausente.

Por causa da falta de espaço em disco, no DVD-Audio o áudio PCM 5.1 com 48 ou 96 kHz de amostragem é codificado por um método de compressão sem perda chamado de MLP (Meridian Lossless Packing), que também poderia ser usado para o Blu-Ray, mas como neste o espaço disponível é generoso, o uso deste codec não faz o menor sentido, e eu nunca o vi ser usado. Aliás, para ser mais exato, o Dolby True HD nada mais é do que o MLP (que foi licenciado da Meridian) modificado e com um bitrate bem maior.

Notem que nesses casos a diminuição da velocidade com que a cadeia de bits é transmitida (bitrate) não provoca nenhuma alteração na qualidade final do áudio. Na prática, significa que um DVD-Audio 5.1 pode soar tão bem quanto um Blu-Ray Audio sem compressão alguma.

As possíveis razões da mudança de mídia

Eu confesso que até hoje eu nunca consegui entender direito a derrocada do DVD-Audio. E acho no mínimo irônico constatar o aumento recente de lançamentos recentes em DVD-Video no mercado daqui e lá de fora. Vários catálogos de filmes estão sendo relançados em DVD, em volume ainda maior do que os mesmos títulos em Blu-Ray.

Claramente, o Blu-Ray Audio visa conquistar um segmento de mercado anteriormente perdido, e que se servia do DVD-Audio. Isto porque, por um capricho lamentável da indústria eletroeletrônica, a decodificação do DVD-Audio foi omitida até mesmo em aparelhos reprodutores convencionais de DVD.

É uma omissão incompreensível. Qualquer um pode usar um computador com um drive ótico para queimar DVD-R e com o uso de um programa adequado, montar um DVD-Audio multicanal ou estéreo, ou então um DAD, que é um disco híbrido DVD-Audio/Video, com reprodução estéreo de dois canais a 96 kHz de amostragem e resolução de 24 bits.

Se a mentalidade da indústria fosse outra, deixava-se o decodificador no aparelho que eles vendem, e usa quem quer ou precisa. O raciocínio é válido para o SACD, que vem sendo expurgado aos poucos dos aparelhos Blu-Ray da faixa fora do high-end.

As últimas fofocas da Internet dão conta de que a Sony voltará a prensar elepês. Se for verdade, vai ser bom para quem gosta. Para quem se livrou da bolacha, é mais uma decepção que evidencia que a indústria fonográfica até hoje não se recuperou do desastre do Napster. Só falta agora introduzir uma proteção contra cópia nos futuros elepês. Mas, espera aí, os elepês que a gente conhece não são digitais!… [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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5 respostas

  1. Gostaria muito de ler outra vez sobre este assunto com a ótica de 3 anos de defasagem, em ambos os sentidos, pois muita coisa mudou. Obrigado pela artigo, longe, o melhor que já li, parabéns!

  2. Uma breve reflexão Paulo.
    Concordo em muito coisa descrita por você, porém quando se fala da qualidade do áudio analógico (LP’s) recai no processo de gravação que algumas gravadoras usaram até relativamente pouco tempo. Ao invés de usarem as fitas masters para o processo de remasterização digital, usaram o próprio disco (LP), muitas vezes em um estado de conservação duvidoso (tenho vários CD’s de gravadoras reconhecidas) que nem sequer passaram por processo de filtragem de estática contidas nos discos, sem contar com alguns que foram usados tantos filtros que tiveram seu som, em relação ao original, completamente modificados. Eu mesmo tenho uma coleção de CD’s, Melhores Momentos, um deles da Elis Regina que foi lançado aqui no Brasil e lá fora. A qualidade e o cuidado na remasterização do CD que foi lançado lá fora é infinitamente superior ao lançado aqui, que até erro de gap entre uma faixa e outra tem.
    E em relação ao que o amigo Nolan descreve eu discordo no que diz respeito a derrocada do DVD áudio tenha sido simplesmente a mecânica, pois a comparação que ele fez de um disco DVD áudio com um player qualquer de mp3 foi infeliz. Quem realmente gosta de um bom áudio, um material bem gravado, bem autorado, jamais compraria tais players por uma simples razão, qualidade. Não adianta você ter uma coleção completa de Roberto Carlos num pendrive com qualidade sofrível de ser ouvido em um equipamento de som descente. Até por questões econômicas que produz tais mídias não está muito preocupado com a qualidade das gravações e sim com a quantidade de arquivos que pode colocar numa mídia desse tipo. Para terminar, ele chamou o vinil de lixo estalante, com certeza não teve o prazer de ouvir um LP em bom estado de conservação em um equipamento descente, não que eu não de valor ao CD, tenho uma pequena coleção de 1500 CD’s, de música indiana a rock progressivo.
    Fica aqui meu registro. Grande abraço a você e ao Nolan.

  3. Paulo…Não pude me esquivar de comentar…Você diz não entender direito a derrocada do DVD audio…Simples,meu amigo.Mecânica.Cada vez mais e em breve na sua totalidade,tanto audio como video serão apreciados a partir da nuvem.Os que não tiverem conexão,a partir de chips ou pen drives…Motores eletricos e leitores óticos são complexos de fabricar e de manter…Limpar ou alinhar lentes e nivel do laser,mesmo que só as vezes? Ridiculo..Se você for ao camelodromo hoje,vai topar com uma infinidade de players MP3 dos mais diversos tipos e potencias.Até JBL tem! Não vi mais um UNICO CD player a venda,que dirá DVD…Pior…Os caras começaram a vender chips pré gravados com por exemplo,tudo o que o Roberto Carlos gravou até hoje…ou montagens com 400 musicas numa embalagem inclusive com arte gráfica…pois é,um pen drive de 4 gigas cheio de musicas por…35 reais. Vá lá e confira. O mundo é…digamos…solid state agora…E concortdo contigo.Hoje o som digital é tão perfeito ou melhor do que o som analógico…Principalmente daquele lixo estalante chamado vinil (argh)….Abração.

    1. Sim, Nolan, eu entendo perfeitamente o teu ponto de vista.

      Apenas uma observação: aqueles pen-drives do camelódromo da Rua Uruguaiana são piratas, e por causa disso o custo não reflete o conteúdo, concorda?

    2. Ótima matéria! E além disso, o já ultrapassado formato MP3 corta frequências da musica, para diminuir seu tamanho no HD. Ou seja, torna-se mais distante ainda do original. Por isso, quando ripo para backup os CDs que possuo ou compro de vez em quando, apenas para escutar em casa, uso formato Lossless como o FLAC.

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