Meus amigos são uma fonte inesgotável de inspiração para essa coluna desde o tempo em que ela não era uma coluna. Um deles me chamou atenção para uma coisa interessante.
Que podemos aplicar algumas idéias de Darwin e da ciência da Epidemiologia não é novidade. Eu mesmo falei sobre isso um bom tempo atrás nesse outro texto.
O que ele me fez olhar duas vezes foram os fatores externos, não ligados à seleção natural e à propagação espontânea de pragas.
A população de computadores não se parece, quanto à diversidade e à distribuição geográfica de sub–populações, com nenhuma população natural que já existiu.
História
Até o advento da internet, a geografia era importante na propagação de pestes virtuais – você precisava levar um disquete de um lugar para outro, ou receber um disquete infectado de alguém.
Na pior das hipóteses, você podia, eventualmente, baixar um programa infectado de uma BBS (quando os vírus deixaram de infectar apenas disquetes e passaram a infectar programas), mas o acesso às BBSs era via modem e ligação local – geografia era importante e poucas BBSs tinham usuários de fora da cidade (ou do DDD) em que ela operava.
Vírus começaram a ser um problema real quando os discos fixos se tornaram comuns. Um vírus em um computador que só usa disquetes pode fazer um estrago muito limitado – pode apagar os dados daquele disquete (e, com isso, apagar a si próprio ou, no mínimo, se denunciar). Em um computador com disco fixo (o popular HD) o vírus se instalava nele e infectava disquetes que eram colocados em seus drives e, assim, passava a praga adiante.
Diversidade também era relevante nessa época. Embora os PCs começassem a dominar expressivamente o mercado, não existia a dominação absoluta que existe hoje. Muitas pessoas usavam Amigas, MSXs e Ataris. Vírus de PC não rodavam neles e, com isso, a disseminação ficava contida por barreiras de espécie, além das geográficas.
Bom… Geografia conta muito pouco na Era da Internet. 15 anos atrás, acessar uma BBS russa era motivo de chamar os amigos geeks pra sentar em volta. Hoje em dia todo adolescente conhece sites russos com cracks, senhas, cheats e o que mais for. Todo jogador de MMORPGs interage com outros jogadores sem nenhuma barreira geográfica. Minha lista de contatos no Gaim cobre cinco continentes (embora o fato da Terra ser redonda me faz dar bom–dia e boa–noite em horários localmente estranhos).
Darwin
Mas é necessário tomar cuidado. As regras de seleção natural e hereditariedade não se aplicam a computadores – computadores não se reproduzem e não transferem suas características aos seus descendentes: Somos nós que fazemos isso.
São os usuários de Mac que jamais se submeteriam a comprar um computador feio que roda um sistema operacional feio. Sou eu, depois de passar meses usando máquinas Linux e me sentindo muito mais produtivo com elas que vou instalar um Linux (provavelmente Debian ou Ubuntu no meu próximo computador. Infelizmente, não posso abandonar o Windows de vez (eu preferiria não ter que pagar por ele) por limitações do meu banco).
Somos nós, humanos, que fazemos a hereditariedade das máquinas. Não é a adequação das máquinas ao seu ambiente e à sua carga de trabalho que as tornam viáveis ou não – é a nossa afinidade por algumas características que decidem se elas vão passar para a próxima geração ou não.
Interferimos também na variedade da população em geral. Se todos migrassem para uma plataforma mais robusta a cada worm ou vírus que os atinge, não sobraria ninguém no mundo usando Windows. Provavelmente, estaríamos em um de dois estados finais: usaríamos todos terminais burros ligados a um grid de mainframes rodando um descendente “blindado” do MULTICS ou usaríamos dúzias de sistemas operacionais diferentes em processadores exóticos ligados a memórias mais exóticas ainda em que cada combinação responderia por não mais de 10% do mercado.
Evidentemente isso não aconteceu.
O que acontece
O que acontece é que a maioria dos usuários prefere conviver com as pragas virtuais a perder a conveniência de usar sua plataforma de escolha. Digitar senhas para instalar programas é chato. Rodar aquele programa que veio de um site esquisito pode resolver um problema. Você pode precisar daquele plug–in pro Excel. Jogar o micro no lixo pode ser mais barato do que limpá–lo.
Fazemos com nossos computadores o mesmo que nossos ancestrais têm feito com outras formas de vida – ajustando características de acordo com nossa conveniência em detrimento de sua robustez e resistência. Exatamente o contrário do que a evolução tem feito por muitos milhões de anos.
Computadores não evoluem da mesma forma ou na mesma direção em que animais selvagens evoluem – a sobrevivência do mais apto não é mais a regra. É a “sobrevivência do mais amigável”.
Nossos animais, sejam eles domésticos ou não, são um reflexo distante de seus primos selvagens. Tomemos por exemplo meus cachorros. Ainda que sejam lindos e brincalhões, que adorem crianças e que gostem de dormir no colo de humanos, são, por qualquer aspecto prático, inúteis. Em duas semanas sem banhos e sem uma casa para mantê–los secos, meus Shih–Tzus seriam colonizados por fungos e parasitas. Não conseguiriam caçar (nem todo o treinamento com bolinhas de borracha parece suficiente) e, provavelmente, morreriam de fome, de depressão ou enroscados em seus próprios pelos.
Em vez de bisões, temos vacas holandesas. Em vez de lobos, Shih–Tzus.
E, em 90% das mesas com PCs, PCs rodando Windows… [Webinsider]
Ricardo Bánffy
Ricardo Bánffy (ricardo@dieblinkenlights.com) é engenheiro, desenvolvedor, palestrante e consultor.