2008: o Annus Mirabilis da literatura fantástica no Brasil

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Para quem não está familiarizado com a expressão do título, explico: Annus Mirabilis, em latim, significa literalmente Ano Maravilhoso ou Ano Miraculoso; figurativamente, significa o grande ano na vida de um cientista, o ano em que ele publicou seu artigo ou livro mais importante, ou o ano em que lançou aquela teoria que mudou o mundo.

Sua origem está no título de um poema que o poeta inglês John Dryden compôs sobre os acontecimentos calamitosos de 1666, ano do Grande Incêndio de Londres, que praticamente arrasou a cidade inteira. (Para Dryden, 1666 foi um ano milagroso porque, no fim das contas, entre mortos e feridos, salvou-se muito mais gente e propriedades do que se imaginava.)

Mas 1666 também foi um ano bom para a ciência graças a um astrônomo inglês: Sir Isaac Newton fez descobertas revolucionárias em diversas áreas do conhecimento, como matemática e física. A mais conhecida foi a Teoria da Gravitação Universal (carinhosamente conhecida por nós como a Lei da Gravidade). O termo de Dryden acabou sendo vinculado posteriormente às realizações de Newton, que teve em 1666 o ano mais importante de sua carreira.

A mesma coisa aconteceu com Albert Einstein em 1905. O físico alemão radicado na Suíça publicou em 1905 artigos que apresentavam descobertas igualmente revolucionárias, entre elas o efeito foto-elétrico (que gerou a célula foto-elétrica sensora de movimento que temos nos elevadores hoje e que deu a Einstein o Prêmio Nobel de Física) e a Teoria Especial da Relatividade.

Toda esta introdução acima foi escrita, prezados leitores, para arriscar uma previsão: 2008 tem tudo para ser um ano maravilhoso para a literatura fantástica no Brasil.

Ficção científica

Notem que estou fazendo aqui um exercício explícito de futurologia. Não sou dono da verdade e muito menos do futuro, mas tudo o que tem sido escrito e publicado nos últimos dois anos está se encaminhando na direção de um grande ano para a ficção científica no Brasil ? seja através da publicação de clássicos da FC estrangeira em novas traduções ou livros mais recentes que ainda não haviam sido publicados por aqui, seja pelo surgimento de uma nova safra de escritores brasileiros desse gênero literário ainda pouco conhecido e menos respeitado ainda.

Esse novo movimento parece ter começado timidamente em 2003, com a republicação de Neuromancer, o clássico cyberpunk de William Gibson, pela Editora Aleph, em nova tradução. Na seqüência, em 2004, uma outra republicação importante: o clássico Laranja Mecânica, de Anthony Burgess, traduzida por este que vos digita, num processo que levou nove meses mas valeu a pena. Em 2005, Reconhecimento de Padrões, o mais recente livro de William Gibson até então, chegou às livrarias do Brasil.

Até aí, não parece muito para um país do tamanho do Brasil. Mas esse era só o aquecimento dos motores: o ano de 2006 começou com dois lançamentos na área acadêmica, livros que traçavam a relação entre cibercultura e ficção científica: Visões Perigosas ? Uma Arquegenealogia do Cyberpunk, de Adriana Amaral (Editora Sulina), sobre a influência da obra de Philip K. Dick, e meu livro A Construção do Imaginário Cyber (Editora Anhembi Morumbi), que analisava a obra de William Gibson como influência no contexto da cibercultura.

A ficção científica brasileira entrou em campo com Outros Brasis, de Gerson Lodi-Ribeiro, e A Mão que Cria, de Octavio Aragão, ambos pela Editora Mercuryo (que, infelizmente, logo após ressuscitar seu selo Unicórnio Azul e lançar esses dois livros, novamente acabou com o selo e declarou que não publicará mais literatura fantástica brasileira). Em termos de lançamentos estrangeiros, O Homem do Castelo Alto, de Philip K. Dick, recebeu uma nova tradução e um novo tratamento gráfico pela Aleph.

2007 foi o ano em que várias editoras publicaram, num pool não-combinado mas incrivelmente articulado em termos de timing, livros clássicos e contemporâneos de cibercultura, ficção científica e literatura fantástica: a Aleph, com VALIS, de Philip K.Dick, O Fim da Eternidade, de Isaac Asimov e A Era das Máquinas Espirituais, de Ray Kurzweil; O Jogo do Exterminador, de Orson Scott Card, em nova tradução pela editora Devir, que também lançou o livro Confissões do Inexplicável, de André Carneiro, decano da FC brasileira.

Motivada pelo filme A Scanner Darkly, de Richard Linklater, e pelo lançamento da versão definitiva de Blade Runner em DVD, a editora Rocco lançou o por aqui inédito O Homem Duplo e também uma nova tradução de O Caçador de Andróides.

O ano terminou com uma nota positiva para os fãs de cibercultura e ficção científica com o lançamento de Síndrome de Cérbero, de Tibor Moricz (JR Editora), Hegemonia, de Clinton Davisson (Arte e Cultura), e Quintessência, de Flávio Medeiros (Monções), este último, na verdade, de 2004, mas que em 2007 obteve mais notoriedade da mídia e começou a chamar a atenção dos leitores do gênero.

Não vou resenhar os livros aqui, porque consumiria muito espaço. Basta dizer que são iniciativas novas, de autores novos, que demonstram uma grande preocupação com a qualidade do livro como produto, seja pelo design gráfico de capa, seja pelo trabalho de editoração. Quanto às histórias, há de tudo um pouco: histórias ambientadas em outros planetas, histórias no Brasil do futuro próximo, aventura galáctica assumida e policial cyberpunk.

O jornalismo cultural tem prestado um enorme serviço a essa literatura, como mostra o projeto Ponto de Convergência, do jornalista catarinense Romeu Martins, que está fazendo uma catalogação da ficção científica escrita no Brasil, com entrevistas e resenhas, que podem ser lidas no Overmundo.

No momento em que escrevo este texto, está confirmado para o primeiro semestre de 2008 o lançamento da trilogia completa de Neuromancer (Count Zero e Mona Lisa Overdrive são os outros dois livros), além dos inéditos Snow Crash, de Neal Stephenson, e UBIK, de Philip K. Dick.

Também de Dick, uma nova tradução de Os Três Estigmas de Palmer Eldritch, além de O Fim da Infância, de Arthur C. Clarke, A Mão Esquerda da Escuridão, de Ursula K. LeGuin, e a trilogia Fundação, de Isaac Asimov, todos estes pela Aleph, enquanto a Devir já tem confirmado o lançamento de Heavy Weather, de Bruce Sterling.

Hibridismo

No quesito literatura brasileira, há pelo menos três escritores com livros fechados e aguardando sinal verde das editoras para publicação. E duas revistas online em fase de preparação para lançamento: uma de fantasia e New Weird, um subgênero hibrido da FC-com-fantasia que tem feito muito sucesso na Inglaterra, e uma policial, mas que está abrindo as portas para híbridos também. A palavra de ordem, portanto, é hibridismo: olho nela.

E o ano de 2008 começou bem com um lançamento em meados de janeiro de uma coletânea de história sobrenaturais: Amor Vampiro, com contos de autores que estão na estrada há algum tempo e só agora estão obtendo fora dos grupos de fãs o reconhecimento merecido, como Martha Argel e Giulia Moon.

A exceção da coletânea é André Vianco, autor de livros como Os Sete e O Turno da Noite (Novo Século), que estourou na mídia em 2001 e em poucos anos se tornou o autor de literatura fantástica que mais vende no Brasil atualmente (as tiragens iniciais de seus livros são de 15 mil exemplares) ? um excelente incentivo para autores iniciantes.

De resto, lembro das palavras que Martha Argel, sorridente e felicíssima (com toda a razão) me disse no lançamento da coletânea Amor Vampiro, ao ver a grande quantidade de fãs que lotaram a Livraria Cultura do Conjunto Nacional, em São Paulo: ?Quem é que disse que não existem leitores de literatura fantástica no Brasil??

Eles existem. E a nova onda que começou a se formar desde o começo do século XXI está começando a ser finalmente o tsunami, a perfect storm que vai invadir livrarias e leitores, corações e mentes em todo o Brasil. Agora não há mais retorno. E isso é muito bom. [Webinsider]

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Fábio Fernandes é jornalista, tradutor e escritor. Na PUC-SP, é responsável pelo grupo de pesquisa Observatório do Futuro, que estuda narrativas de ficção científica e a forma como elas interpretam e são interpretadas pelo campo do real.

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3 respostas

  1. Como sempre, um excelente texto do confrade. Pena que o meu livrinho não tenha merecido inclusão na lista de lançamentos de 2007, mas quero crer que talvez tenha ficado de fora porque foi uma produção independente, não é?
    De qualque modo, se você estiver interessado em conferir, Fábio, posso te enviar um exemplar.
    abraços,
    Jorge

  2. Sensacional, Fábio!

    Realmente alguém precisa fazer esse levantamento e expor as mudanças que estão ocorrendo nesta esquina do universo.

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