A forma tradicional de montagem de áudio para música dentro de casa, ao longo desses anos, consiste de uma fonte de programa, um amplificador estéreo, um par de caixas acústicas e opcionalmente um subwoofer. Audiófilos e amantes de música no mundo todo se adaptaram a este formato, muito embora a gravação de áudio em apenas dois canais somente foi realidade nos estúdios nos primórdios da estereofonia! Na realidade, o som musical gravado passou rapidamente a três e depois a quatro canais, ainda na década de 1950.
Fitas magnéticas de dois, três ou quatro canais precederam o disco Lp, de 33 1/3 rpm estereofônico. Na época em que o primeiro Lp estéreo foi lançado (circa 1957/1958) a prensagem de Lps em mais de dois canais era tecnicamente inviável. Então, o que os estúdios fizeram na época foi “mixar” a fita de estúdio para uma fita “madre” com dois canais, que seria, por seu turno, enviada aos técnicos de corte de acetato, para fazerem a matriz do Lp estéreo.
Gravações de estúdio ou em palcos selecionados, capturadas por um microfone estéreo calibrado, ou então com dois ou três microfones, acima da orquestra (métodos minimalistas usados desde a época de Blumlein, que foi quem melhor desenvolveu técnicas deste tipo), são perfeitamente reprodutíveis com o uso de apenas duas caixas acústicas, se devidamente instaladas e calibradas. Isto é possível porque sons fora de fase, capturados na origem, podem ser recriados com o espaçamento entre as caixas em relação ao ouvinte, dando a sensação de espaço e profundidade necessários à ilusão do palco sonoro frontal criado pelas caixas.
Acontece que a restrição do áudio estereofônico a dois canais (ou a mono, neste aspecto) foi um mero acidente de percurso. Tivessem os primeiros Lps sido feitos com mais de dois canais, a evolução da cadeia de gravação e reprodução teria sido bem diferente do que foi naqueles tempos. E isso é tão verdadeiro que, mesmo hoje em dia, todo o trabalho de preservação e restauração de gravações mais antigas, a maioria das quais lançadas em SACD, consiste de três ou mais canais, derivados integralmente das fitas analógicas originais.
Um outro fator, ainda talvez mais importante, foi que o cinema impulsionou o som multicanal, principalmente a partir do final da década de 1970 (com o Dolby MP©), enquanto que a indústria musical continuou no mesmo compasso, viciando o audiófilo em dois canais apenas. Na verdade, criou-se um mito, muito difícil de ser derrubado até hoje, de que a reprodução de música não precisa, e na realidade dispensa, o uso de mais de dois canais.
Se este raciocínio fosse conceitualmente correto, então seria necessário reproduzir todos os discos multicanal derivados de fitas originais, como os SACD que eu citei acima, forçando a redução, por hardware, para dois canais, e invalidando assim a cadeia de reprodução originalmente pretendida pelo engenheiro de gravação. Isto é particularmente verdadeiro para gravações em três canais, como aquelas feitas pelo lendário Bob Fine, na época do Living Presence da Mercury Records. No caso, eliminar-se-ia o canal central e se confiaria nos canais esquerdo e direito para encontrar a parte central do palco sonoro frontal.
Entretanto, a redução da reprodução de conteúdo musical a apenas dois canais atingiria requintes de sadismo, se impingida compulsoriamente em um sistema de reprodução, devidamente calibrado para 5.1, 6.1 ou 7.1 canais, como nos atuais home theaters.
Inicialmente, os fabricantes de A/V receivers fizeram, como, aliás, o fazem até hoje, a implementação do modo “stereo direct”, de maneira a eliminar qualquer vestígio de pós-processamento no áudio musical de dois canais. É como se a gente fizesse um curto-circuito entre o sinal de entrada e o amplificador de saída dos aparelhos. O sinal não passa nem mesmo pelos circuitos de tom (graves e agudos), e no final ainda elimina qualquer chance de usar mais do que os tradicionais dois canais esquerdo e direito!
O problema é que, da mesma forma que se procura posicionar e calibrar as caixas para dois canais estéreo da melhor forma possível, é aconselhável fazer o mesmo para os sistemas multicanal. E muito embora seja possível se usar o segundo no lugar do primeiro para ouvir música, na grande maioria das vezes este arranjo acaba por subtilizar o equipamento instalado.
A solução que foi encontrada para se ouvir som de dois canais em um equipamento multicanal, aproveitando as virtudes deste último e o melhor dos dois mundos, chama-se Dolby ProLogic II ou IIx, em “Music Mode“. A diferença entre ambos II e IIx se refere ao número de canais implementados nos sistemas, 5.1 e 6.1/7.1, respectivamente.
O objetivo do Music Mode no DLP II/IIx é tirar vantagem da dispersão frontal e dos canais surround, para ampliar lateralmente o palco sonoro frontal, tornando-o mais largo, e ao mesmo tempo aumentando a sensação de profundidade, sem alterar o fasamento, sem alterar a dinâmica do programa original, e principalmente sem que o ouvinte perca a noção de direcionalidade.
Se o som ficasse difuso, em função dessas mudanças, o risco maior seria a perda do foco de cada instrumento ou voz no palco frontal criado durante a reprodução orquestral, e isso destruiria por completo a imagem estereofônica. O DPL evita que tal aconteça com o uso de algumas informações contidas na gravação original e a manipulação das mesmas em ambiente digital, com algoritmos proprietários, segundo informações que eu recebi por e-mail, da própria Dolby, anos atrás.
Todos os parâmetros de reprodução são, em princípio, calibráveis, mas nem todo equipamento dotado de DPL permite isso. Felizmente, a calibração em si nem sempre é tão crítica assim, principalmente quando o sistema de caixas é bem montado e está num ambiente com adequação suficiente para reproduzir todos os canais sem grande comprometimento acústico.
Os parâmetros do DPL II/IIx são os seguintes:
Center Width (ou Center Mode): calibra a largura do palco sonoro frontal, a partir do canal central e indo para a direita e esquerda simultaneamente. Os valores típicos de ajuste vão de 0 até 7 e a calibração padrão (default) é 3. É possível que em algumas gravações sons exageradamente processados de forma artificial possam produzir um imagem estereofônica errática, e aí neste caso o ouvinte pode preferir “estreitar” o palco, diminuindo o valor para, por exemplo, 2, ou então desativar o DPL por completo.
Panorama: a interação entre os canais esquerdo e surround esquerdo e entre os canais direito e surround direito aumenta a percepção de alargamento do palco, fazendo com que o ouvinte se coloque não na frente dele, mas imergido dentro dele. A técnica é usada em algumas gravações de música em 5.1 ou 6.1 nativas, sem necessidade de pós-processamento em DLPII/IIx. Aqui o ajuste é binário (ligado ou desligado) e como o efeito pode facilmente ser considerado artificial, o padrão (default) costuma ser “desligado”.
Dimension: O ajuste de dimensão empurra o campo sonoro como um todo para frente ou para trás, ou ainda o mantém inalterado (ajuste de valor 0). O ajuste é feito pela interação dos canais frontais com os canais surround, e costuma variar entre -3 e +3. Valores mais baixos empurram o campo sonoro para frente e vice-versa. O objetivo aqui é tentar alcançar, se for o caso, um ajuste de balanço (equilíbrio) entre os canais frontais e traseiros. Na prática, isto pode ser visto da seguinte maneira: se o som estiver “aberto” demais ou com surround exagerado, empurra-se o campo sonoro para frente, e quando a imagem estereofônica parecer estreita (“mono”) ou o surround quase inexistente, empurra-se o campo sonoro para trás. O ajuste padrão (default), entretanto, costuma ser 0.
Observações e comentários finais
A formação de um palco sonoro frontal com duas caixas é bem mais fácil porque geralmente as caixas instaladas são idênticas e algumas até podem ser de “par casado” (caixas com alteração de simetria de alto-falantes para a posição esquerda e para a direita).
Com a entrada de um canal central, todo o cuidado é pouco, no sentido de usar uma caixa cujo timbre seja o mais próximo possível das outras caixas frontais, pois só assim o campo sonoro será totalmente uniforme. Note que o não casamento do canal central com os laterais é, em última análise, o motivo pelo qual audiófilos costumam objetar o uso de uma caixa central, e a gente percebe que um casamento perfeito é difícil de obter.
Alguns fabricantes de caixas oferecem opções diversas para resolver isso, e neste caso, é preferível lançar mão de alguma delas, se houver dúvidas sobre a colocação de outro modelo para o canal central.
Sistemas de reprodução como o DPL II/IIx, descrito acima, costumam ser publicamente execrados por audiófilos puristas ou de cabeça pouco aberta para alternativas ao que se convenciona ser uma espécie de padrão de reprodução para música.
Anos atrás, a indústria fonográfica tentou o som Quadrafônico em Lps, mas sem muito sucesso. Antes disso, muitos audiófilos acreditavam ser possível recriar ambiência (sensação de espaço) com o uso de circuitos passivos como o Hafler e mais duas caixas acústicas traseiras, sem muita preocupação com a resposta de freqüência das mesmas. Mais recentemente, foi a própria indústria fonográfica quem tentou adotar esquemas de reprodução similar ao falecido quadrafônico. Até os chamados “selos de audiófilos” fizeram tentativas deste tipo.
E a lista de codificadores é grande: Dolby ProLogic (o do cinema!), Circle Surround (DMP) Spatializer (Telarc), e vai por aí. Embora teoricamente esses dois últimos exigissem decodificadores dedicados, seus proponentes diziam serem compatíveis com o DPL convencional, usado bem antes dos DPL II e IIx, e até mesmo em sistemas sem decodificador nenhum.
Saiba o leitor que a diferença de reprodução entre o circuito Hafler e o Dolby Surround (circuito passivo, que antecedeu ao ProLogic) é praticamente nenhuma. E esta ausência de diferença só começa de fato a mudar a partir do momento em que a própria Dolby se dá conta de que a incorporação de canais surround discretos (separados) muda completamente a percepção do ouvinte.
Por isso, com o Dolby ProLogic II, a abordagem de design muda radicalmente, indo da dispersão pura e simples de som de ambiência nos canais traseiros, sem direcionalidade, para uma tentativa de separação entre os canais surround esquerdo e direito, respectivamente.
Esta mudança foi o que, em última análise, permitiu a inserção do “Music Mode”, como anteriormente descrito. O Music Mode não acrescenta informações surround dispersas como anteriormente, na verdade as informações acrescentadas vão inicialmente para as laterais, de forma a “fechar” o envelope sonoro gradativamente, e é por isso que ele funciona sem ofender os ouvidos das pessoas.
Note que ?alargar? o palco sonoro frontal não é o mesmo que tentar criar uma ambiência artificial, como no circuito Hafler e no Dolby Surround ou seus congêneres, que trabalham passivamente a informação sonora. O DPL II estende a informação estéreo de dois canais para 5.1, e o IIx para 6.1 ou até 7.1, dependendo do equipamento. Em nenhuma dessas circunstâncias, contudo, a imagem frontal é perdida, nem a informação sonora traseira cria um surround artificial, ou seja, todos os espaços são respeitados.
O DPL IIx, em particular, contempla total compatibilidade com programas em 5.1, 6.1 e 7.1, podendo servir para pós-processá-los, de acordo com a fonte. Por exemplo, uma fonte 5.1 pode ser estendida para 6.1 ou 7.1, dependendo do número de canais amplificados. E finalmente, é importante mencionar que todos os canais em uso respondem plenamente de 20 Hz até 20 kHz, garantindo assim a alta fidelidade que o ouvinte deseja. Na minha avaliação pessoal, eu entendo que nada do que foi proposto pré-Dolby DPLII é plenamente satisfatório para a audição de música.
O gosto pela música e a escolha do equipamento usado são prerrogativas muito pessoais e intransferíveis de cada um. A mim não me cabe aconselhar ou julgar o que cada um ouve, porém não acho admissível restringir o uso de um home theater a apenas dois canais, motivo pelo qual eu resolvi usar, e uso até hoje, DPL IIx, em setup 7.1, e não me arrependo. Idealmente, se deveria ter um setup para cada tipo de uso, mas na maioria das instalações isto não é possível ou do interesse do usuário.
Uma coisa que eu aprendi a respeito do home theater é que ele é um espaço flexível e democrático, ocupado tanto pelo usuário sem ambições como pelo hobbyista dedicado. Nos anos de 1980, um home theater se montava com um vídeo cassete e um aparelho de TV, e este é o arranjo com o qual muita gente ainda se satisfaz. E nós temos que entender isso com clareza.
Em contrapartida, ignorar que esta flexibilidade não possa alcançar uma sofisticação maior é um erro de conceito de idênticas proporções. O home theater deixou, há anos, de ser um centro de entretenimento exclusivo para cinema, para ser uma fonte multimídia, que só encontrará limites na capacidade da nossa imaginação em usá-lo. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
8 respostas
Oi, Sergio,
Com toda a certeza!
A gente vê por aí um monte daquelas gravações da década de 60, algumas das quais com a ajuda de câmeras de eco notáveis, que são melhor percebidas com a ajuda de múltiplos canais. Aqui no Rio tinha uma dessas, no antigo estúdio da Musidisc, provavelmente copiada dos estúdios americanos.
É uma pena que muitos catálogos dessa época estão guardados em algum depósito, sem até agora merecer uma recuperação e remasterização em alguma mídia de boa resolução.
Paulo,
Comecei a ouvir meus cd´s stereo em Dolby PRO II aproximadamente 6 meses atrás, após ler esse seu artigo. É realmente mais agradável. Foi uma surpresa muito boa mesmo. Não tenho perda de graves ou “punch”. Tentei também ouvir em NEO 6, que é o equivalente do Dolby PRO II do DTS, mas o Dolby é melhor. Sou entusiasta do som surround, adoro os formatos DVD-A e SACD, e ouvir cd´s comuns em Dolby PRO II tem me animado muito. Se a vida é em surround, por que não o nosso prazer de ouvir música ?
Abraço,
Oi, Pedro,
O seu amigo engenheiro tem razão. A relação entre amplificadores de saída e caixas mostra que a potência de saída tem prevalência sobre o que supostamente uma caixa aceita.
Na prática, isto quer dizer que os amplificadores de baixa potência, dependendo da dinâmica do programa que está sendo reproduzido, tem uma tendência a clipar a onda senoidal na saída. Esta clipagem, se contínua, pode acabar queimando os alto-falantes e a seguir os amplificadores de saída.
Hoje em dia, entretanto, este risco é minimizado pelos circuitos de proteção nos A/V receivers (acho pouco provável que o seu não tenha), que, diante de um curto na saída, eles são automaticamente desligados.
Em suma, não vejo, em princípio, problema algum em instalar o sub da Lando. Apenas faça uma calibração de maneira ter um bom grave sem esforço do seu alto-falante ou amplificador interno. Na dúvida, consulte a Lando sobre isso.
Salve, Paulo
Surfando pela internet, descobri a sua coluna e achei interessantíssima, assim como as dicas. Aproveito para fazer uma consulta:
Tenho um receiver av Marantz SR5004, com as dianteiras BSA e as traseiras são Jamo. Coloquei as torres em bicablagem, mas quero colocar um subwoofer ativo. O grande problema é que todos que pesquisei são monstruosos em dimensões, exceto um da Lando. O meu receiver é 7.1 (90 W x 7). Um amigo meu, engenheiro eletronico, disse que não haveria problema algum utilizar um da Lando (D-200) de 75 W. Mas, um outro amigo, que mexe com som, disse que a manobra é inadequada e existe o risco de queima. Faz algum tempo, li um artigo da Polk, que falava que caixas utilizads com potencia inferior era a mais adequada configuração, pois a potencia máxima do receiver dificilmente seria utilizada. E agora, o que você pode me ajudar?
Obrigado
Pedro
Muito bom esse texto amigo, muito bem explicado. Mas particulamente não gosto de ouvir músicas em Dolby Pro Logic, Pro Logic II e etc. Se for pra usar multicanais de áudio prefiro usar as surround como estéreo e deixar o receiver em MULTI A.F.D em modo music. Os sistemas Dolby Surround, Surround EX, Plus, Digital, DTS correspondem melhor à filmes.
Caro Robert,
Se você não gosta do resultado, na minha opinião não deveria insistir com ele.
Se, no entanto, você quer entender o que está acontecendo, seria preciso que você começasse por ter absoluta certeza de que o seu equipamento obedece aos parâmetros de instalação necessários à reprodução do padrão Dolby.
Depois disso, você pode fazer testes com discos de música contendo Dolby Surround, Circle Surround ou Spatializer.
Uma outra fonte muito útil para testes é a edição Delos do disco Surround Spectacular (Delos DE 3179), que contém sinais de teste e calibração do sistema.
N.B.: O Dolby ProLogic II/IIx é construído para discos normais; os descritos acima foram mencionados apenas para testes da instalação.
Gostaria de entender porque em todos os sistemas home theater que tive quando ativo o Dolby Pro Logic o som perde em volume e intensidade. De fato o sistema simula bem uma fonte multicanal, mas perder essas qualidades do que se está ouvindo é bem desagradavel.
Muito bem esplicado o artigo…pensei que traduzir isto tudo para o público leigo seria mais complicado e não sei se me esforçaria tanto…Ótimo trabalho!
Mas acredito que o público geral e os proprios audiófilos, tenham restrições quanto aos codecs surrounds, justamente por ferir o conceito de palco, se as caixas de um home 5.1 podessem se colocadas ao lado das frontais (esquerdo e direito), dando uma sensação de alargamento melhor e quem sabe uma dispersão individual de instrumentos, seria interessante, mas como a fonte no caso CDs, são gravados em stereo, as pessoas acreditam que codecs de cinema não poderiam fazer isto bem feito, seria necessario um codec próprio, nos CDs e nos Home theaters, especifico para efeito de palco, inclusive com o uso estraordinários dos canais 6 e 7 do homes 6.1 e 7.1, para execusão de algum solo, por exemplo trompetes, violinos e pianos etc.
Mas o arranjo das caixas teria que ser diferente, isto é, numa posição de palco e não de surround de cinema.A existencia de um codec específico, como dito antes também seria de suma importancia.