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Estar presente em um evento que congregou público e profissionais da área do cinema e da música, foi uma experiência gratificante, e que me fez sair de lá um pouco mais rico de informações do que ocorre nessas áreas, combinadas e separadamente.

Eu estive de passagem pelo recente Festival Cinemúsica de 2010, que aconteceu na cidade de Conservatória, no estado do Rio de Janeiro. Apesar do pouco tempo por lá, ainda assim deu para perceber e sentir o bom clima de entusiasmo de pessoas deste ramo e do público, com assuntos relacionados ao cinema e à música, ou em vários pontos de convergência entre ambos.

Por outro lado, eu fiquei igualmente impressionado com a magnitude de dificuldades enfrentadas nos vários segmentos da produção independente, dos sucessos e insucessos, alguns desses últimos bastante próximos, eu diria praticamente clonados, daqueles que eu tomei conhecimento, desde tempos imemoriais.

Neste sentido, o Festival funciona como uma espécie de congresso de cinema e música, com seus painéis de discussão, que são importantes e necessários, para o reconhecimento dos acertos e problemas e os modos de enfrentamento desses últimos, que possam beneficiar toda a comunidade.

Os problemas crônicos do cinema brasileiro

Eu tive a oportunidade, e me senti bastante enriquecido por isso, de assistir e ouvir três cineastas, dando o pontapé inicial em um debate que prometia durar dias, a respeito da situação atual do cinema brasileiro. Neste início de debate estavam no palco Márcia Derraik, cujo filme “Onde a coruja dorme” foi exibido à noite, na abertura do Festival, e além dela estavam também o cineasta Tom Job Azulay, creditado por ter conseguido romper barreiras entre os documentários com forte conteúdo musical, em “Os doces bárbaros“, e finalmente o jovem diretor Renato Terra, que conseguiu pontuar um inesperado sucesso com o filme “Um noite em 67”, que trata do lendário festival de música da TV Record, marcado por vários incidentes, naquele ano.

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Da esquerda para a direita: Márcia Derraik, Tom Job Azulay (abrindo os debates), Hernani Heffner (moderador), e Renato Terra.

O interessante, pelo menos para mim, neste tipo de debate, é que o cenário não é muito diferente daquele que eu conheci, a respeito do cinema brasileiro, há décadas atrás. E, neste ponto, juntar pessoas da área, para rediscutir os principais percalços e tentar achar soluções, é uma atitude mais do que saudável.

Se existem soluções à vista, é difícil dizer, mas o fato é que encontrar solução para problemas foi uma coisa que eu mesmo fiz a vida toda, então eu acredito e sou otimista, de que as saídas são encontráveis, principalmente quando várias pessoas se reúnem, para então expor os seus pontos de vista. Na plateia do seminário, estavam também vários outros cineastas e produtores, que iriam contribuir com suas experiências e seus ângulos de visão sobre os assuntos ventilados.

Existem, a meu ver, falhas incríveis de infraestrutura na produção independente do cinema brasileiro. Quando a cineasta Marcia Derraik declarou que ela era o seu próprio departamento jurídico, ela arrancou risos na plateia. A situação não é nem um pouco diferente daquela que eu experimentei quando fazia pesquisa, na hora da chamada prestação de contas. Como é que um cientista vira contador, de uma hora para a outra, e como é que uma cineasta precisa aprender a jurisprudência, para se safar dos diversos aspectos de direito autoral, por exemplo, de maneira a tornar o produto do seu trabalho alguma coisa viável? Não é fácil!

Uma outra tangência que posso também me dar ao luxo de fazer é a maneira como os filmes são financiados. Certos temas têm mais trânsito do que outros, e no momento, tudo indica que são temas ligados a favelas e comunidades diversas, e aqueles religiosos, em particular, os espíritas. Em pesquisa científica, é igualzinho: as agências de fomento sempre dão preferência aos assuntos “do momento”. Hoje em dia, por exemplo, se fala muito em célula tronco.

O ruim disso tudo é que temas que correm por fora, mesmo dotados de méritos de conteúdo, sempre terão dificuldade de trânsito de produção (ou de fomento, no caso da pesquisa acadêmica), e com isso cineastas (ou cientistas) emergentes ou independentes terão imensas barreiras para se estabelecerem profissionalmente.

Eu sempre soube que não basta conseguir produzir um filme. Ele tem que ser distribuído e exibido, para se ter algum retorno financeiro, e que, de preferência, possa financiar o filme seguinte. Tudo indica que, em termos de facilidades de produção, somente algumas produtoras, a maioria ligada ao ramo da publicidade, conseguem realizar filmes com um mínimo de estrutura e facilidades diversas.

O tal departamento jurídico, que a cineasta Márcia brincou de fazer de conta no seminário, é importante quando o roteiro, por se tratar de filmes ligados à música e aos compositores, precisa ser escrutinizado, de maneira a ter a necessária licença para ser exibido, sem constrangimentos legais.

E quando o assunto vira para a questão do direito autoral, ele fica ainda mais nebuloso. Na platéia, estava Roberto de Carvalho, que falou sobre a sua experiência como representante das produtoras independentes (ABMI), no tocante à distribuição de fonogramas, tão complicada quanto a situação dos filmes brasileiros.

A gente nota que o cinema brasileiro é viável. Com o advento da câmera digital, as produções podem ser (e são) feitas com grande qualidade de imagem (desde 1080p, até 2K ou 4K) e com enorme economia, porque, depois de montado o filme, ainda em ambiente digital, passa-se o conteúdo para um intermediário digital (DI), e deste saem cópias em película para cinema, direto para DVD ou Blu-Ray.

O cineasta, entretanto, entende, como ninguém, que o custo deste processo é, apesar dos pesares, muito alto, e ele só irá tomar a decisão final, por exemplo, de passar o DI para película, depois de ter certeza de que o filme será exibido!

Eu, por acaso, estava ao lado do cineasta Ricardo Pinto e Silva, e do exibidor Leonardo Frossard de Faria (Moviecom), os quais me deram uma visão ainda mais profunda e detalhada desta problemática toda.

Uma homenagem mais do que justa

Um dos motivos pelos quais eu estive neste último Festival de Conservatória foi a homenagem que foi prestada ao pioneiro de cinema Orion Jardim de Faria, que foi anteriormente alvo desta coluna, em referência aos equipamentos de projeção de 70 e 35 mm, de sua fabricação.

O nosso encontro se deu primeiro no hotel de um velho amigo dele, Sebastião Martinez, ex-executivo e principal importador de filmes em 70 mm, da Fox Filmes do Brasil. Desnecessário dizer que este encontro entre os dois, passados, segundo me disseram, muitos anos, foi prazeroso e repleto de muitas recordações dos bons tempos do 70 mm.

Da esquerda para a direita: Orion Jardim de Faria (INCOL), Sebastião Martinez (Fox Filmes), e Leonardo Frossard de Faria (Moviecom), um dos filhos de Orion.
Da esquerda para a direita: Orion Jardim de Faria (INCOL), Sebastião Martinez (Fox Filmes), e Leonardo Frossard de Faria (Moviecom), um dos filhos de Orion.

Também estava lá o empresário Roberto Darze, que eu conheci naquele momento, e que no final me confirmou que os Incol 70/35 foram de fato os projetores instalados quando da inauguração do Cine Bruni-Tijuca, de sua propriedade, além de outros cinemas deste circuito. Foi nesta semana de inauguração, diga-se de passagem, que eu tive chance de assistir o musical inglês “Half a Sixpence” (no Brasil, “A moedinha do amor”), com o então desconhecido, ex-roqueiro inglês, Tommy Steele, cuja edição em DVD custou a sair, porque um diretor da Paramount não gostava do filme. O original, fotografado em 35 mm, foi apresentado em cópia ampliada para 70 mm, com som magnético em seis trilhas.

A homenagem a Orion de Faria foi uma iniciativa do presidente do Festival, Ivo Raposo, e por isso mesmo, realizada numa das suas instalações de cinema. Ela foi muito importante, por se tratar de um tributo prestado por pessoas ligadas ao cinema, em todos os seus segmentos.

Posando para um registro do evento, da esquerda para a direita: Orion de Faria, Ivo Raposo (presidente do comitê organizador) e Leonardo de Faria.
Posando para um registro do evento, da esquerda para a direita: Orion de Faria, Ivo Raposo (presidente do comitê organizador) e Leonardo de Faria.

O evento constou de uma entrevista, conduzida pelo curador do Festival e diretor de conservação da Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, Hernani Heffner.

Flagrante do depoimento de Orion de Faria, sendo entrevistado pelo curador do Festival, Hernani Heffner, à sua esquerda.
Flagrante do depoimento de Orion de Faria, sendo entrevistado pelo curador do Festival, Hernani Heffner, à sua esquerda.

Na entrevista, Orion de Faria contou sua trajetória como industrial e como cinéfilo. No final do seu depoimento, leu uma poesia de Fernando Pessoa, sendo muito aplaudido pelos presentes. O depoimento foi gravado em vídeo, para preservação da memória do entrevistado e do Festival.

Ponderações finais

Não há dúvida de que o cinema brasileiro merece seu espaço. O cinema como arte não pode e não vai morrer. De cineastas veteranos e jovens, surge sempre um sangue novo, com inserções de temas nunca antes pensados, e com isso sempre uma esperança de renovação do cinema como arte, que também nos pertence.

Foi também extraordinário ouvir os mais velhos contarem suas experiências dos bastidores do cinema, dos quais eles foram personagens importantes. A conversa entre eles, nos tendo como ouvintes, revela algo em comum: que todos nós hoje vivemos das lembranças de um passado que marcou as nossas vidas, deles como profissionais, e nossas como espectadores e cinéfilos.

Algumas dessas revelações são contundentes, como por exemplo, a destruição de todas as cópias legendadas de filmes em 70 mm, o que inviabiliza hoje ser feito qualquer evento com este material.

E, evidentemente, uma das coisas que mais se lamenta, é a mudança radical do mercado exibidor, fruto, entre outras coisas, do desaparecimento das grandes salas dos cinemas lançadores, das quais nós todos temos saudades.

O Festival Cinemúsica ocorre todo ano, na expectativa de atrair profissionais e público, com a discussão, exibição (neste ano foram mais de setenta filmes) e apresentação de músicos e concertos. O participante pode ir lá para ver tudo isso, e ao mesmo tempo desfrutar do ambiente ecologicamente correto e saudável que a cidade oferece. Espera-se que, a cada ano que passa, novos depoimentos e novos filmes, possam encontrar seu lugar, não só na cidade de Conservatória, mas no Brasil como um todo. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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8 respostas

  1. Oi, Eder,

    Você como sempre nos dando o seu incentivo e apoio, pelo qual sempre lhe serei grato.

    Eu lamento não poder seguir adiante o projeto de conhecer todos os fabricantes de projetores brasileiros, mas vou defender enquanto puder que se crie nem que seja uma ala de algum museu ou centro cultural, dotada de uma mostra ao público do trabalho dessas pessoas.

    Abraços,

  2. Olá, Paulo!

    Novamente meus Parabéns pelo otimo texto aqui disponibilizado. Infelizmente não houve possibilidades que permitissem a minha visita ao Festival. Uma pena.

    Grande abraço e continue nos presenteando com estes artigos incriveis. Obrigado.

    P.S. Esta semana conheci o Sr. Alexandre Canteruccio, filho do Sr. Hugo, da Empreza Cinematografica Triunfo!

    Abraços.

  3. Oi, Ivo,

    Obrigado a você e ao comitê organizador, pela boa recepção que tivemos, e pela bela homenagem prestada ao Orion pelos seus pares. Sucesso para as próximas edições.

  4. Paulo
    Obrigado pela matéria. Primorosa. No proximo ano pretendemos transferir o CineMusica para o mes de outubro para não conflitarmos com o Festival do Rio, que exige exclusividade para exibição dos filmes concorrentes. A nova data, com certea, enriquecerá nossa programaçao cinematografica.
    No mais, agradeço a Deus e a todos que participaram dessa nossa 4ª edição e, especialmente, a voce por nos colocar nesse importante portal
    Forte abraço
    Ivo Raposo Jr

  5. Oi, Tresse,

    O formato da foto é determinado pelo Webinsider (16:9, “widescreen”). Eu é que sou feio demais para aparecer numa foto melhor…

    O Festival se realiza todo mês de setembro, bem no início do mês, geralmente aproveitando o feriado de 7 de setembro. É só ficar de olho no site!

    Não, não tenho conta no Bradesco, mas obrigado assim mesmo, pelos elogios. Espero que no ano que vem você possa aparecer por lá.

  6. Paulo, eu nem sabia desse Festival. Embora não entenda nada de Cinema, gosto muito da mídia. Por favor, me avise com antecedência a data do próximo. Tentarei ir.
    Quanto so seu relatório está impecável. Não sei se você tem conta no Bradesco, mas o Relatório está COMPLETO.
    Parabéns, mas continuo não gostando do seu retrato no cabeçalho. Êle precisa aparecer em 4:3

  7. Olá, Ricardo,

    Aproveito para lhe agradecer pela companhia agradável e pelos bons momentos que passei contigo, falando sobre cinema e sobre os rumos desta arte.

    Parabéns pela exibição do seu filme “Dores e Amores”. Tenho certeza de que foi um sucesso. Lamentavelmente, não estive lá, mas com certeza não faltará uma oportunidade no futuro, para remediar isso.

    Espero que você participe de novo no ano que vem!

  8. Paulo,
    Excelente o seu relato sobre o importante Festival Cine Música, que com sua mescla de entretenimento, informação e suas multiplas atividades, tanto benefício pode trazer à população e visitantes da cidade de Conservatória e demais cidades do Médio Paraíba.
    Resta acrescentar as deslumbrantes apresentações musicais e artísticas da seção Cultura Integrada, como a Orquestra Brasileira de Harpas, o alto nível da Orquestra Sinfônica Jovem de Barra Mansa e o Balé Dança e Magia, entre os que pude acompanhar.
    Ao lado de tudo isto a Gastronomia, com a seção Sabor e Música, com cursos com chefs, concurso culinário e degustações dos produtos locais, como queijos e cachaças.
    Um Festival para todos os gostos.

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