Talvez este post só interesse para desenvolvedores (ou nem para eles), em todo caso, vamos lá.
Eu defendo que a compra de jogos não é uma compra de um bem de posse, mas de momentos de diversão. Ou seja, ao invés de um produto, estamos comprando um serviço. A compra de um jogo é mais próxima da entrada de um cinema do que da compra de um produto qualquer.
Um dos fortes indícios para comprovar minha tese está no fato dos jogos serem mais baixados que aplicativos não jogos mas permanecerem menos no celular. Mesmo com boas avaliações, a maioria dos jogos cumpre um papel temporário de divertir.
Não descarto a compra por impulso, é claro que ela existe, mas acredito que o processo de compra para jogos é muito mais complexo do que parece.
Faço isso sem base de pesquisa. É apenas a minha opinião, formada por pura percepção e acompanhamento que faço com pessoas (heavy users ou não) e vendas de alguns desenvolvedores que tenho contato.
Acredito que o processo envolve um cálculo mental muito parecido com o que acontecia no mercado de games de console americano. Como um jogo de 50 dólares pode ser jogado por dezenas (ou centenas) de horas, seu preço por hora é muito mais em conta que uma entrada de cinema, tornando-o mais atrativo. Pode parecer loucura, mas com a economia estável, esse tipo de cálculo é feito mesmo que a pessoa não se dê conta disso.
O processo de compra é muito importante para os desenvolvedores. Entender o consumidor é fundamental, pois hoje existem muitas formas de conseguir receita no jogo. Por isso, escolher a melhor forma de cobrar e ter o melhor equilíbrio de custo benefício (preço diversão) irá definir o sucesso ou fracasso comercial do jogo.
É muito comum escutar desenvolvedores e especialistas fazendo afirmações do tipo:
Os jogos de celular são muito mais baratos que outros jogos
Mas na cabeça do consumidor, a questão não é o valor absoluto e sim uma questão de custo benefício.
O componente de custo leva em conta a quantidade de horas de diversão. E o componente de benefício, a satisfação de jogar. E esta questão é ainda mais complexa, levando em conta o gosto pessoal de cada um.
Veja, não que exista cálculos em Excel, chutando número de horas, com pesos e medidas, mas mentalmente, o jogador monta uma expectativa para cada jogo.
Outra afirmação:
Este jogo custou uma fortuna para ser produzido
O processo de compra é egoísta. Isso pode mudar em alguns casos, mas é raro. Se a “fortuna” não trouxer benefício real para o jogador (como gráficos maravilhosos, por exemplo), não faz diferença. Divulgar investimentos aumenta a expectativa em relação ao jogo, isso é bom para divulgar e atrair atenção, mas pode ser ruim se o jogo não cumprir com as expectativas.
Outra afirmação muito comum:
2 ou 4 dólares é muito pouco dinheiro
Se o ponto fosse este, as pessoas não deveriam pensar muito antes de gastar. Mas na prática, é muito comum as pessoas resistirem à compra, mesmo achando um jogo que parece ser legal.
Na prática, o jogador tem uma verba finita e uma quantidade de slots a ser preenchida por ela.
Eu explico o que quero dizer com slots. Tirando raras exceções, as pessoas têm uma verba finita para comprar diversão. Não importa se falamos de adolescentes que recebem mesada, de crianças que precisam mendigar (aprovar) cada compra com os pais ou de pessoas que compram através de gift cards (redeem codes, muito comum entre brasileiros que compram na App Store). Até mesmo se considerarmos quem tem bastante grana e não tem um número fixo estipulado para gastar, em sua maioria serão pessoas que costumam ter uma medida limite do que consideram gastar muito ou pouco.
Então, com essa verba se define mentalmente um número limitado de slots. Imagina que sua verba seja cerca de 10 dólares. Se o ticket médio de jogos para celular costuma ser 1 dólar, significa que existem 10 slots a serem preenchidos.
Por isso, não basta um app ser bom ou custar míseros 2 dólares. O preenchimento de um slot com uma compra significa um slot a menos para preencher até a grana acabar. Um slot preenchido significa um slot a menos. Parece jogo de palavras, mas na percepção do jogador, faz toda diferença do mundo.
Imagine que um adolescente ganhou um cartão de 15 dólares e que este valor deve durar dois meses. Decidir comprar um jogo de 6 dólares para o iPad levará em conta que sobrarão 9 dólares até entrar uma grana nova na conta. Com os 9 dólares restantes, para comprar apenas mais um jogo neste mesmo valor. Será que o jogo vai “durar” um bom tempo? Será que o jogo vale tudo isso? Com 6 dólares ele poderia comprar 3 jogos de iPhone, será que não compensaria mais?
Mesmo que esse processo mental dure apenas alguns segundos, defendo que ele existe e que o processo de compra é assim complexo.
E que lição podemos tirar disso?
Como eu disse, escolher a melhor forma de cobrar e ter o melhor equilíbrio de custo benefício irá definir o sucesso ou fracasso comercial do jogo.
Apesar da maioria dos jogos para celular estarem usando o conceito de freemium — ou seja, jogue um pouco de graça e pague para jogar o jogo completo — a divisão entre o que é gratuito e o que é pago pode variar muito.
Quando o freemium começou a se popularizar, a divisão mais comum era disponibilizar um número de fases do jogo de graça e o mesmo completo por um preço único.
Mas agora, estão aparecendo vários jogos com a mecânica de moedinhas virtuais. O problema é, diferente do uso comum presente nas redes sociais, a mecânica que muitos jogos estão usando não é atrativa para o consumidor.
Um exemplo, o jogo DragonVale para iPhone. A graça do jogo é colecionar dragões. É possível jogar até uma parte sem comprar nada, mas depois ele se torna chato e repetitivo se não botar a mão no bolso.
Os dragões mais valiosos são muito difíceis de se obter através de cruzamento. Conseguir gemas (a moeda) jogando é muito lento (cerca de 5 por dia), tornando o jogo enfadonho demais.
Para comprá-los, é preciso usar de 250 a 2.500 gemas. Acontece que o pacote com 700 gemas custa 25 dólares e o com 1.500 gemas 50 dólares. Faça as contas: para usufruir do jogo completo seria necessário gastar mais de 100 dólares.
Outro exemplo, o Spice Bandits, também para iPhone. Um tower defense que você pode comprar novas armas e updates das armas existentes. A moeda são pontos ganhos no jogo chamados de Spices. Inevitavelmente, uma hora começa a ficar impossível continuar sem botar a mão no bolso (ou cansativo, jogando repetidamente as mesmas fases para ganhar apenas 1 spice). O problema é que o super pacote de spices custa 20 dólares.
Em ambos, os pacotes de menor preço só estendem a diversão por poucas horas. Então, na cabeça do consumidor, mesmo pagando o preço equivalente a um bom jogo de iPad (cerca de 4 ou 6 dólares) ele não estaria levando nem 1/3 do jogo completo.
O que fica é uma sensação de jogo caça-níquel, que quer te viciar para levar a maior quantidade de grana possível.
Eu nunca me uso de parâmetro para nada, mas neste caso, talvez seja um bom exemplo. Costumo comprar muitos jogos para iPhone e iPad, adorei os dois jogos citados mas não gastei um único centavo com eles. O ponto é que eu pagaria fácil 4 ou 6 dólares por cada um deles se soubesse que teria o jogo por completo.
Se o meu raciocínio estiver correto, esses desenvolvedores estão cometendo um grande erro. Para eles, vale conhecer a Curva de Laffer e entender que, se o preço pelo jogo completo fosse menor, muito mais gente estaria comprando e com isso, a arrecadação final seria muito maior.
E por último, mas não menos importante, esta é uma crítica ao medo que os desenvolvedores têm de testar modelos novos. Óbvio que existe uma pressão grande para ter retorno de investimento, mas justamente por isso que eu acho importante testar vários modelos. A graça destas plataformas é justamente esta. Podemos testar até acertar a mão. [Webinsider]
Texto publicado originalmente no Coxa Creme.
Ricardo Cavallini
Ricardo Cavallini é profissional de comunicação interativa, autor do livro O marketing depois de amanhã.