As telas construídas com o uso de diodos com materiais orgânicos emissores de luz começam a tomar impulso este ano. Problemas que ainda parecem atingir a sua manufatura em telas HDTV podem, entretanto, retardar o seu progresso.
OLED, o diodo orgânico emissor de luz, pode ter um grande e promissor futuro pela frente. Se bem sucedido, é provável que a atual tecnologia de televisores, plasma e LCD, atinja obsolescência em curto espaço de tempo.
As bases na quais se apoia esta tecnologia são bastante interessantes: compostos orgânicos interagem de várias maneiras com fontes de energia diversas, e neste caso em particular, a interação ocorre quando a passagem da corrente elétrica provoca a emissão de luz pela substância. O fenômeno é chamado de eletroluminescência. As aplicações imediatas são duas: iluminação e displays.
A luminescência de compostos orgânicos é um fenômeno conhecido dos pesquisadores. Uma de suas noções fascinantes é aquela encontrada na própria natureza: à noite, é possível observar vaga-lumes que acendem e apagam no escuro sucessivamente, dando um espetáculo de rara beleza.
A luz dos vaga-lumes é possível graças à transformação da luciferina a oxiluciferina, pela enzima luciferase, da classe das oxidases. A reação ocorre em múltiplas etapas. Sucintamente, a luciferina recebe energia do ATP (Adenosina Tri-Fosfato), formando um composto intermediário chamado luciferil-adenilato. Este então reage com o oxigênio molecular, formando oxiluciferina e liberando a energia armazenada na forma de energia luminosa.
Isto é possível porque nos compostos orgânicos os elétrons que circulam em seus orbitais naturais são capazes de receber energia (química, como no exemplo acima, luminosa, ou elétrica, como nos OLEDs) e saltar para um orbital mais externo. Por exemplo, elétrons que circulam em orbitais sigma (σ) saltam para o seu orbital correspondente sigma asterisco (σ*), de maior nível de energia. Quando o elétron volta ao seu orbital de origem a energia armazenada é liberada, neste caso, na forma de energia luminosa.
Os corantes são um excelente exemplo de compostos capazes de intermediar esta troca de energia. Na década de 1950, cientistas da Universidade de Nancy, na França, demonstraram o fenômeno da eletroluminescência usando alta voltagem aplicada ao composto corante laranja de acridina. Durante décadas, pesquisas foram feitas, aplicando-se alta tensão a compostos orgânicos, para se obter o mesmo efeito. Mas, no meio da década de 1970, pesquisadores do Laboratório Nacional de Física da Grã-Bretanha começaram a concluir trabalhos similares, observados em polímeros, com o uso de eletródios, e publicados na década seguinte.
Estes trabalhos formaram a base na qual a tecnologia do OLED se apoia. Nesta mesma década, pesquisadores da Eastman Kodak demonstraram o primeiro diodo formado com polímeros orgânicos. O avanço da pesquisa destes últimos se deve à redução da voltagem aplicada ao sistema luminoso, para obter o mesmo efeito.
Entretanto, na década de 1990, trabalhos publicados pela Universidade de Cambridge na Inglaterra demonstraram o primeiro polímero capaz de emitir grande quantidade de luz verde. O OLED que estamos vendo hoje é resultado deste tipo de pesquisa, no espaço de cores RGB.
A construção da tela OLED
O diodo OLED é composto por uma camada de material orgânico “ensaduichada” entre dois eletródios (um positivo e o outro negativo). A passagem da corrente elétrica desloca elétrons do orbital п (pi) para п*. A voltagem é aplicada a um OLED de forma que o ânodo se torne positivo em relação ao cátodo. Com isto a corrente elétrica corre do ânodo para o cátodo, e na sua passagem excita o polímero, com a consequente emissão de luz. Todos estes componentes (polímero orgânico e eletródios) são depositados em um substrato. Se a base do substrato for um plástico flexível, o display OLED se torna fino e dobrável, e isto tem sido demonstrado por diversos fabricantes.
O material orgânico usado na fabricação dos OLEDS não precisa ser necessariamente na forma de polímeros. Qualquer molécula orgânica isolada capaz de emitir luz quando excitada pode ser depositada em um substrato.
O comprimento de onda da luz emitida, que define a cor da mesma, é proporcional à diferença dos níveis de energia entre os orbitais de origem e os orbitais para os quais os elétrons saltam.
Para possibilitar a emissão de luz sem barreiras, os eletródios são feito com o depósito de substâncias químicas condutoras de eletricidade, mas que apresentam transparência à passagem da luz. Um composto usado para este fim é uma mistura de óxido de índio (In2O3) e óxido de estanho (SnO2), na proporção de 90% do primeiro para 10% do segundo, em peso (p/p). Por causa desta diferença, o composto é referido como óxido de índio “dopado” com estanho.
O processo de composição e depósito dos diversos compostos tem que ser feito em ambiente ultra limpo, o que encarece a fabricação dos OLEDs.
OLEDs passivos e ativos
Existem vários tipos de OLEDs, desenhados com objetivos e aplicações específicas. Dentre eles, a arquitetura de alimentação elétrica pode ser diferente:
No OLED de matriz passiva (“PMOLED” ou “Passive Matrix OLED”), a alimentação é externa e na forma de tiras. Ânodo e Cátodo são dispostos em forma de uma matriz (colunas versus linhas) um relação ao outro. O encontro entre dois pontos da matriz forma o endereço do pixel que será aceso ou ficará apagado.
O OLED de matriz ativa (“AMOLED” ou “Active Matriz OLED”) em vez de tiras usa módulos inteiriços como eletródios, mas ao ânodo é sobreposto um transistor de filme (“TFT” ou “Thin Film Transistor”), que transmite a corrente elétrica e faz também o papel de um interruptor do pixel.
Este último tipo tem a vantagem de consumir bem menos energia e por isto está ganhando espaço na manufatura de displays. Além disto, a sua construção é mais propícia para tamanhos de displays maiores do que aqueles conseguidos com o PMOLED. A velocidade elétrica do TFT se presta melhor a aplicações como vídeo, que requer taxas de atualização (“refresh rate”) da tela adequadas.
Diferenças básicas entre OLED e LCD
Os cristais líquidos das telas LCD funcionam como interruptor da passagem de luz, que é fornecida pelo chamado “backlight”. Os atuais backlights feitos com arranjos de LEDs RGB melhoram muito a qualidade do branco e os níveis de preto, o suficiente para que a maioria dos usuários perceba um aumento significativo na reprodução de filmes.
Entretanto, o OLED dispensa o uso de backlight, porque é ele próprio quem emite luz. Além disso, pode ser desligado por completo, o que garante um nível de preto absoluto (sem luz alguma). O restante fica por conta da capacidade de emitir os comprimentos de onda RGB que garanta o espaço de cores para uma reprodução perfeita.
Até um tempo atrás, as telas de OLED apresentavam uma densidade de pixels pequena, quando comparadas às de LCD (308 dpi contra 498 dpi do LCD), mas este quadro está mudando. Neste ano mesmo, foi feito o anúncio de uma tela OLED de 55” em HDTV. Com isto, as aplicações do OLED em telas aumenta significativamente, e atinge o mercado de home vídeo, ainda que provisoriamente.
A alimentação elétrica direta no OLED garante, por seu turno, um tempo de resposta na faixa dos nano segundos, e, mais importante, sem arraste de movimento na tela. Na tela LCD, somente em tempos recentes, o arraste foi razoavelmente domado, mas os tempos de resposta ainda na faixa de mili segundos.
Em contrapartida, a vida estimada de uma tela OLED neste momento (cerca de 5 a 30 mil horas) é menor do que a tela LCD (maior do que 50 mil horas). Este parâmetro pressupõe a correta conservação da tela, caso contrário eles perdem completamente o significado.
Avanços e retrocessos
Infelizmente, a não ser que a indústria de televisores esteja escondendo o jogo, alguns problemas ainda afligem o mercado de OLEDs. Um deles, e talvez o principal, se refere à falta de estabilidade eletrônica do composto usado para a formação da cor azul. Compostos orgânicos são às vezes instáveis no tocante à estrutura de elétrons em seus orbitais. Exemplos banais, mas reveladores, são os de determinados corantes que perdem a cor depois de algum tempo, uma vez expostos à radiação solar constante.
A deterioração relativamente mais rápida do pixel azul provoca inevitavelmente o desbalanceamento na reprodução de cores, o que poderia ser parcialmente compensado por circuitos eletrônicos capazes, mas ao longo do tempo este desbalanceamento se torna tecnicamente inaceitável, até mesmo pelo consumidor não hobbyista.
A fabricação do OLED, com o depósito de substâncias exige alto grau de pureza do composto e ambiente isento de qualquer tipo de sujeira no ar. A consequência de métodos precisos torna a fabricação, por si só, cara, e isto irá se refletir em algum momento no preço ao consumidor.
Pessoalmente, não creio ser esta uma situação nova. Todo modelo novo e que implica em uma mudança de mercado vem potencialmente acompanhado por um preço de varejo exagerado, mas a indústria controla isto a médio prazo, sob pena de não o fazendo, provocar o desinteresse do consumidor. Soma-se a isto a incipiência de conhecimento sobre vantagens técnicas que é corriqueira no mercado de massa.
Sem este, qualquer novo ou inovador produto irá encontrar o caminho do museu da tecnologia inovadora. Não é preciso ir muito longe para se tirar lições da história recente: quando o CD foi lançado, alguns céticos o apontavam como uma tecnologia de tiro curto, mas o tempo nos mostrou que mídias mais recentes e de melhor qualidade, como o SACD ou o DVD-Audio não conseguiram retirá-lo do mercado, nem mesmo do segmento de audiófilos.
O futuro só está começando
Já de algum tempo, analistas vêm tentando antever prognósticos sobre a evolução do OLED e da sua influência no mercado de vídeo.
É evidente que as aplicações em telas flexíveis, por exemplo, dará um enorme impulso na presença da tela OLED neste segmento, desde que, fique bem claro, os problemas encontrados na estabilização de seus compostos tenha sucesso.
A sua principal vantagem estará no menor consumo de energia, na melhor qualidade da imagem, resultante da maior capacidade de modulação elétrica, que resultam em melhor nível de preto, e consequentemente, de melhor palheta de cores.
Se o consumidor irá se dar conta disto em curto espaço de tempo, só o desenrolar desta história dirá. Não adianta arrumar argumentos como a espessura de tela, por exemplo, porque as atuais em LCD já são bem finas. Como também não adianta dizer que a cor da tela OLED é melhor, porque os atuais backlights de LED já mostram um avanço considerável neste aspecto.
O que, no final, irá determinar o sucesso do OLED, creio eu, será o acesso financeiro ao produto com ele fabricado e a demonstração inequívoca de que será um investimento sólido a longo prazo, e isto só poderá ser atingido se o custo de fabricação cair e a durabilidade do produto aumentar.
Eu sou um que espera sucesso nesta empreitada. As telas de LCD experimentaram um sucesso considerável nestes últimos anos, mas, como diz o poeta, para frente é que se anda, e as características físico-químicas dos OLEDs poderá torna-los a primeira mídia emissiva de qualidade, desde a invenção do tubo de imagem. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
13 respostas
Oi, Judson,
Obrigado. É sempre bom ter um retorno como o seu, mostrando que vale a pena fazer um esforço para melhorar a clareza dos manuscritos.
parabens Dr.Paulo, a sua explicação sobre a tecnologia OLED é a mais clara e objetiva que li até hj.
Oi, Daniel,
Geralmente este tipo de composto se presta para a manufatura de tintas, como o próprio link que você nos mostra indica.
Existe uma diferença aí que é importante na questão das cores: trata-se da diferença entre a cor pigmento (por ex.: tintas) e a cor luz (por ex.: telas de TV). Não tenho espaço aqui para explicá-las com detalhes, mas basta dizer que na cor pigmento o que conta é a absorção de luz de todos os comprimentos de onda, menos o da cor que ele mostra. E no segundo, o que ocorre é uma emissão de luz, segundo os mesmos princípios que eu descrevi na coluna.
Então, respondendo à sua pergunta, o composto mostrado no link não serve para esta segunda aplicação.
De qualquer forma, obrigado pela leitura e pela contribuição.
Olá, Paulo! Vc já ouviu falar desta nova tecnologia de produção de pigmento AZUL? Será que funcionaria p/ resolver problema citado em seu artigo?
http://www.inovacaotecnologica.com.br/noticias/noticia.php?artigo=pigmento-azul-reflete-calor-sol&id=010160120605
Prezados,
Consta que os maiores investimentos de desenvolvimento e fabricação de produtos baseados em OLED são atualmente da LG e da Samsung.
Até onde eu pude apurar, o modelo de HDTV de 55″ da LG já está à venda no exterior, mas não há informação sobre a durabilidade da tela. O preço gira em torno de uns 7500 dólares, um pouco violento, mas nem tanto em se tratando de uma TV “high end”.
Entendo que manda o bom senso aguardar mais um pouco. Acho as perspectivas promissoras, mas vamos esperar para ver, concordam?
Olá, Paulo,
Há anos estive numa loja da Sony em um Shopping de S.Paulo. Lá estava em demonstração uma pequena tv, creio umas 10 polegadas que afirmavam que era OLED. Imagem primorosa de deixar qualquer um boquiaberto. Daquela época para cá não mais ouvi falar nessa tecnologia. Hoje, com seu texto,ela ressurge.
Aproveitando, depois de algum tempo, apareceu no mercado a tão decantada tv Philips 21:9, LED, 58″. 3D, no site de uma revenda, com fotos de encher os olhos. E de esvaziar os bolsos também.
Abraço
Paulo, parabéns pelo texto. A Sony fez o primeiro monitor de vídeo profissional com OLED, mas o preço foi “salgado”. Pelo que sei ela vai abandona-lo; ela disse para onde iria, mas esqueci e não antei o nome do material. Azul é encrenca; ninguém gosta dele: natureza (flor azul é difícil), física (transição indireta para liberar o fóton) e TV (componente mais ruidosa). Quem gosta dele? Arquitetos, Decoradores, Cenógrafos etc.
Oi, Nolan,
Concordo com tudo que você diz, e acho que ainda tem muita tela LCD por aí difícil de domar. Por coincidência, na semana passada, eu passei alguns dias tentando calibrar a imagem do meu monitor, por conta de um adaptador de vídeo novo (uma coisa puxa a outra) que eu instalei no micro. Mas, a gente vê que não adianta ficar olhando padrão muito tempo, porque no final o que funciona mesmo é a vista da gente, e como cada tem peculiaridades na sua, a mesma tela pode acabar não agradando alguém do meu lado.
Sobre o conteúdo, eu fui ajudado muito pela lembrança do tempo em que eu ensinava fotometria no laboratório, particularmente quando tinha monitores. Não há nada de muito diferente do que tudo isto aí, só que em outro nível de explicação e trabalho.
Abraço e obrigado pelo comentário, amigo.
Prezado Paulo:
Incrível o teu conhecimento teórico sobre o assunto.Uma verdadeira aula.Mas o OLED tem que apresentar um resultado muito bom,ou melhor,excepcional para que nós consumidores sejamos seduzidos por ele.Você lembra que a poucos anos atrás tinhamos nós televisores de tubo,enormes,com consumo alto e mil problemas na imagem,onde a estabilidade da convergência era critica e os cantos da tela eram uma balbúrdia.Eu,que me arvorava de técnico,futriquei muito aquela porqueira que era o circuito de MAT (muito alta tensão) porque ele atraia um depósito negro de pó e carvão imundo.Sem contar o perigo de choques extremamente dolorosos.Com o LCD a imagem fluoresceu,apenas no eliminar das linhas de varredura de mossos olhos.E a iluminação por LED,aprimorou de tal modo a qualidade da imagem,que mesmo hoje eu me surpreendo com certas coisa que vejo.Para mim,pelo menos,que assistiu a TV Tupi em B&W com uma tremula claridade azulada atacando minha vista,o que temos hoje é um…céu.É claro que acredito no futuro e no OLED,mas este vai ter que oferecer um argumento de peso,muito peso,se pensar em subatituir o padrão LCD/LED atual.Mas você tem razão,em algum momento no futuro,vai acontecer.Abração.
Prezado Dr. Diniz,
É um privilégio, admito aberta e publicamente, ter uma amizade contigo por mais de 40 anos e de saber que entre nós a busca pelo novo nunca morreu, graças a Deus.
São lições que herdamos dos nossos pais, e que esperamos passar aos nossos filhos e netos, se dermos esta sorte.
Obrigado pela contribuição, meu amigo!
Caro Prof Paulo
Aprendo muito com seus ensinamentos, sempre muito bem redigidos e atualissimos.
Vi hoje mesmo uma apresentação do material grafeno como base para o desenvolvimento e barateamento dos OLEDs. Infelizmente não tenho link e sim uma apresentação em PPS facilmente “googlavel”.
Parabens pelos artigos. Mande mais !!!
Oi, Josias,
Obrigado. A gente sempre espera e torce para que o texto seja útil a alguém interessado no assunto!
Muito bom artigo. Isto joga luz sobre outras questões como o uso do OLED em dispositivos moveis por exemplo.
Parabéns!.