Com Luciene Santos.
Os videogames realmente emulam caixas de Skinner? O artigo de Max Seidman intitulado ‘Psicologia da Recompensas em Jogos’ nos remete ao mundo da pesquisa comportamental básica, referindo-se à famosa caixa de Skinner e o ‘efeito superjustificativo’. Mas o artigo acaba se transformando em um argumento visando à manutenção do status quo. Ou seja, ‘toda submissão é aparentemente aceitável’.
Na década de 1930, o psicólogo de Harvard, B. F. Skinner, formulou um estudo detalhado sobre o Condicionado Operante (mais conhecido como a Caixa de Skinner). O conceito era simples: colocar um rato na caixa e lhe dar comida como recompensa por acionar a alavanca interna. Skinner utilizou conceitos como reforço, punição e extinção.
Segundo Seidman, em muitos aspectos, os consoles de games reproduzem os efeitos da Caixa de Skinner. Os cientistas descobriram que o cronograma de recompensa mais eficaz é um esquema de recompensa com razão variável – a inserção aleatoriedade na equação de tal forma que poderia haver motivações para realizar determinada atividade sem nenhuma recompensa, embora tenham formatado o estudo da ‘famigerada’ recompensa média.
Las Vegas – Caixa de Skinner gigante
Seidman afirma que esse comportamento pode ser estendido aos seres humanos e funcionar como sistema de controle da realização de qualquer atividade, simplesmente dando-nos uma chance de uma recompensa em vez de nos prometer uma recompensa garantida. “Nós tendemos a reconhecer esta forma intuitiva: é por isso que jogamos”, atesta Seidman. Eis a revelação dos sistemas de design da maioria dos jogos eletrônicos. Essa forma de recompensa vale tanto para os animais quanto para os seres humanos.
Um exemplo dos efeitos da caixa de Skinner nos seres humanos são as máquinas de caça-níqueis. A partir deste ponto de vista, a cidade de Las Vegas nos Estados Unidos é uma Caixa de Skinner gigante. Em teoria, as máquinas de caça-níqueis funcionam a partir de uma agenda de recompensa intermitente: dá uma chance de retorno para qualquer ação. Ou seja, os jogadores são motivados a jogar quando a chance de receber uma recompensa é de 50%.
A maior empresa de jogos sociais do mundo (Zynga) é conhecida por usar a famosa relação de horários de recompensa variável em seus jogos, como Farmville, rodado na rede social Facebook. Até o mesmo o jogo World of Warcraft utiliza esse sistema de recompensa. Apenas parte do tempo (e não o tempo todo), os jogadores conseguem obter os chamados killed mobs (monstros mortos) para sacar tesouros e cumprir suas missões.
O nefasto horário de recompensas variáveis
O uso de agendas de recompensa variável no design de videogames é muitas vezes criticado por educadores. Porém, se os designers de jogos decidirem usar simples recompensa de horários fixos (para cada ação há uma recompensa prometida), os jogadores iriam jogar apenas um determinado tempo. Com agendas de relação de recompensa variável, os jogadores são mais ativos. Assim, os designers de jogos buscam ‘enganar’ os jogadores para que eles joguem mais e gastem mais dinheiro do que realmente desejariam.
E, cada vez mais envolventes, as regras e a jogabilidade funcionam como uma espécie de ‘prisão’, cuja trama se desenrola em torno de um labirinto que impediria o jogador de encontrar uma porta de saída. Da Caixa de Skinner nascem os chamados heavy gamers (viciados em jogos). Do ponto de vista da ética, os sistemas de design de jogos transformam a diversão de jogar em verdadeiras armadilhas de aprisionar corações e mentes.
Efeito superjustificativo
O efeito superjustificativo também estudado por Skinner ocorre quando um estímulo externo esperado (dinheiro, prêmios ou recompensas) reduz a motivação intrínseca de uma pessoa para realizar uma determinada tarefa. De acordo com a teoria da autopercepção, as pessoas prestam mais atenção à recompensa externa (recompensas) para fazer uma atividade do que para a satisfação inerente recebida da própria atividade.
O efeito global de oferecer uma recompensa para uma atividade previamente sem recompensa é uma mudança para a motivação extrínseca (simples prazer de jogar em si) e o enfraquecimento da motivação intrínseca preexistente (recompensas). É justamente isso que propõe a Teoria dos NewsGames. Jogar pelo prazer de jogar já que a própria narrativa emula soluções sociais que podem ser compartilhadas por todos.
Pela teoria da autopercepção, uma vez que as recompensas não são oferecidas, o interesse na atividade é perdido. Oferecer motivação intrínseca (recompensas) antes não dá retorno comercial, e recompensas extrínsecas (prazer de jogar em si) devem ser continuamente oferecida como motivação para sustentar a atividade. E quando o jogo mina o prazer intrínseco (recompensas) do jogador para jogar?
Do ponto de vista de um designer isso é bom, desde que as motivações extrínsecas (prazer de jogar em si) permanecem. Segundo Seidaman, ‘é difícil para um designer adicionar horários de recompensa fixa em um jogo sem risco do efeito superjustificativo (redutor da motivação) entrar em jogo.’ Eis o momento de repensarmos os jogos como mera diversão em si. Pois, ao final da brincadeira, resta-nos a sensação de que nada de ‘útil’ foi realizado.
Nessa perspectiva, aquela visão meio leiga dos pais sobre a utilidade cognitiva dos videogames teria certa lógica: será que existe algo de aproveitável nesses joguinhos? Essa pergunta é muito comum entre pais e educadores, mas a resposta quase sempre esbarra no muro da empáfia da mídia que vende todos os dias os glamoures da indústria dos games. Parece uma guerra perdida dentro e fora do tabuleiro de jogo.
Dando ou não recompensas?
Para Seidman dar recompensas em jogos é desejável. Designers querem dar aos jogadores recompensas por inúmeras razões, inclusive reforçando o comportamento dos jogadores, aumentando a sensação de que eles têm o domínio total da situação, ao permitir que escalem graus de dificuldade ao longo do jogo, através da mecânica de andaimes e de missões que desafiam as habilidades dos jogadores.
Então, como podem os designers dar recompensas diante dos perigos inerentes ao disparo do efeito superjustificativo que surgem no meio da trama, ameaçando fazer os jogadores perderem o interesse no jogo? A solução é criar sistemas que evitem que os jogadores joguem apenas para obtenção de recompensas, o que evitaria as suas motivações inconstantes. O sistema não pode deixar que o jogador tenha certeza de que irá receber recompensa, eis a razão do uso dos horários de recompensa variável.
É muito simples: quando um jogador sabe que vai receber uma recompensa, ele joga apenas para obtê-la. É muito mais difícil de fazer mudanças motivacionais dentro da narrativa de um jogo quando a recompensa é incerta. Nos NewsGames, como as recompensas são compartilhadas socialmente entre os jogadores e também por quem não joga (pois os benefícios sociais são de todos), o risco do chamado efeito superjustificativo é quase zero.
Europa estimula jogos como disciplina
Nos últimos 20 anos, a Europa vem promovendo movimentos em prol de jogos movidos a sistemas de disciplina. O que é dominante no velho Continente ainda está rastejando no resto do mundo. Os boardgames designers europeus trilham uma estrada cognitiva diferente daquela aberta por americanos, japoneses e brasileiros. Os europeus sacaram que jogos-disciplina oferecem algo mais aos jogadores além da diversão em si. Um exemplo de uma pessoa que joga videogames de tênis ou guitarra. O jogo torna-se parte da sua personalidade e identidade.
Os jogos-disciplina acabam se transformando em um canal para ser utilizado com segurança para o enriquecimento cognitivo pessoal. Porém, há grandes obstáculos que estão entre a nossa situação atual e um mundo onde as pessoas estão quase totalmente sucumbidas a aplicativos de compulsão. Mas, provavelmente, o maior deles é a “aceitação das pessoas inteligentes do grinding (moagem de cérebros). “Isso me faz pensar de uma pessoa dando desculpas para seu cônjuge abusivo”, compara Burgun.
O designer conta que conheceu pessoas que são perfeitamente inteligentes e pagam qualquer preço para jogar games, como Diablo. Depois de gastar um tempo interminável jogando, o jogador sai do jogo com a sensação de mãos vazias, com recompensas sem sentido. A explicação simples para esse fenômeno é que as pessoas estão cada vez mais preparadas para gostar desses modelos de jogos, porque cresceram com ele e formaram identidades em torno dessas narrativas.
NewsGames como alternativa
Para não ficar apenas em aspectos teóricos, o design de games Keith Burgun coloca a mão na massa e desenvolve o projeto AURO, plataforma alternativa de jogos movidos a disciplina. De nossa parte, propusemos as bases da teoria dos NewsGames como ferramenta social fundamentada na criação de uma cultura política de cidadãos comuns, através de jogos baseados em informação e notícia (temática). Além disso, estruturamos as bases de um novo modelo de Jornalismo Online baseado em plataformas eminentemente ludo-informativas.
Os NewsGames trazem à luz os jogos como disciplina, sem deixar de lado todos os grandes valores de produção e acessibilidade dos aplicativos de compulsão modernos. Afinal, aplicativos de disciplina não têm de ser ‘áridos e feios’. Apesar de algo distante da atual realidade, a proposta de jogos baseados em informação e notícia oferece em troca a ativa participação social dos jogadores. É algo inacreditável!
Jogadores: valorizem o seu tempo!
Essa guerra é desigual e a indústria dos videogames conta com grandes recursos, tanto cultural e financeiramente. O imaginário criado em torno do universo dos games é de tal ordem que é bem compreensível o simples fato de a maioria das pessoas se sentirem compelidas a jogar jogos novos e cada vez mais caros. E quando você está nesse meio, é muito difícil encontrar aplicativos movidos a disciplina, e os que são produzidos atualmente não são tão bons assim.
Isto é devido a um loop de autoperpetuação: como não há demanda por aplicativos de disciplina, as pessoas tendem a não querer jogá-los outras vezes. “Como são de qualidade ruim, as pessoas não se sentem tão atraídas. Todos nós precisamos parar de aceitar e dar desculpas para a chamada moagem de cérebros humanos”, alfineta o designer de jogos, Keith Burgun. Então, “valorize o seu tempo!”
Entenda que você não tem de escolher entre se divertir e ser enriquecer culturalmente, pois ambos podem ser alcançados ao mesmo tempo. Além disso, os designers de jogos precisam começar a pensar jogos como sistemas cognitivos movidos a disciplinas. A bem de nossa saúde física e mental, cada um de nós deve se especializar em ser um excelente gestor de suas próprias compulsões. Caso contrário, correrá sempre o risco de ser refém de novas compulsões que o corpo ainda desconhece.
Afinal, jogos movidos a narrativas de compulsão fazem novas vítimas todos os dias. Mas o perigo não reside somente nos games. O perigo está em toda parte e é inocente aquele que vive apenas baseado em suas habilidades e competências. Pois, o outro deve sempre servir de referência. Para entender a extensão do problema, Keith Burgun nos convida a fazer uma busca no Google Imagens por repetitive chore (tarefa repetitiva). Eis a surpresa: o resultado número um é o logotipo do Halo 4. Tente você mesmo…
[Webinsider]
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Leia também:
- Manifesto dos NewsGames: jogos como disciplina ou compulsão?
- A internet não é mais um território anárquico
- Quando o meio digital muda a sociedade
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Geraldo Seabra
Geraldo Seabra, (@newsgames) jornalista e professor, mestre em estudos midiáticos e tecnologia, e especialista em informação visual e em games como informação e notícia. É editor e produtor do Blog dos NewsGames.