No período inicial do lançamento do Compact Disc no comércio a única coisa que se sabia de concreto a respeito é que se tratava de um disco com leitura a laser e som digital. O assunto foi amplamente divulgado pelas revistas de áudio da época, sendo assim impossível para o audiófilo não ler e, se interessado, aprender.
Por volta desta época, eu e amigos rondávamos as pouquíssimas lojas da cidade, à cata de algum disco novo. E aí surgiu uma pergunta de um para o outro, que terminou por virar uma anedota. Quando alguém comprava alguma coisa, os outros perguntavam: “É DDD?”.
A confusão inicial era compreensível: o usuário começou a se indagar se, afinal, o disco que foi comprado era de fato digital ou só parte dele? O questionamento se tornou relevante diante da reedição de discos Lps antigos no novo formato.
Para acabar com o problema, a Sociedade (Americana) de Serviços Profissionais de Gravação de Áudio (SPARS) propôs a adoção de um código de classificação com três letras, conhecido depois como “Código SPARS”.
O código foi imediatamente adotado pela Polygram, braço da Philips para o setor de discos analógicos, digitais e cinema. E durante muito tempo foi possível ver o código na capa ou contracapa dos Compact Discs:
No encarte dos primeiros discos com o código, a Polygram incluiu uma explicação sumária, multilíngue, sobre o mesmo:
Restava saber se o usuário final seria capaz de digeri-lo. Para tal, ele ou ela teriam que conhecer as diversas etapas da produção de material fonográfico. Para o consumidor entusiasta ou para o audiófilo o problema era fácil de resolver. Para outros, entretanto, não havia certeza, daí discos da Philips entrarem com uma página de explicações, mesmo que abreviadas. Até hoje, acho que a solução para o usuário não informado era precária. Hoje em dia mesmo, basta perguntar a quem ouve música se ele ou ela sabem o que é mixagem ou masterização. Na maioria das vezes, aposto que a resposta será não. Porque, para o ouvinte casual, pouco importa de que maneira o som chega aos seus ouvidos.
A sopa de três letras
De acordo com o código, a primeira letra se refere ao processo original de gravação, a segunda ao ambiente no qual a mixagem foi feita e a terceira ao processo de transformação da gravação para o meio a que se destina.
O código é de natureza binária, ou seja, só admite duas possibilidades: “A” para Analógico e “D” para Digital. Como o Compact Disc analógico foi abandonado no decorrer do desenvolvimento do formato, a terceira letra teria que ser forçosamente “D”.
Gravações pré-PCM, geralmente em fita magnética, seriam obviamente classificadas como “A”, mas se o estúdio decidisse converter os originais de imediato ao ambiente digital e mixar o resultado a partir dali, o código teria que ser ADD.
Confesso que não sei até hoje se o código AAD, que implicaria o estúdio ter gravado e mixado em ambiente analógico, espelhava de fato o que estava acontecendo no momento em que a matriz final do disco foi feita. E explico por que: via-de-regra, os estúdios usaram fitas convertidas de dois ou mais canais direto para uma master de dois canais apenas, vício que foi adquirido ao longo dos anos, em função do áudio doméstico estereofônico consistir de apenas dois canais. Então, se o estúdio fizesse uso direto desta master, nenhuma mixagem teria sido feita antes da masterização.
Mais honesto teria sido reduzir o código para duas letras: AD ou DD, e foi exatamente isso que muitos selos de audiófilo fizeram. Estúdios inclinados ao perfeccionismo, e dedicados à gravação de música, historicamente fizeram suas mixagens em tempo real, isto é, no exato momento da gravação. Para tal, é usado um console e o som capturado alimentando diretamente um gravador, digital ou analógico, de dois canais.
A importância do processo na evolução do disco gravado
Se o detalhamento do disco pelo uso do código SPARS foi projetado para esclarecer o usuário, particularmente o entusiasta, ele também esclarece o processo de aproveitamento do material de estúdio.
Aqui cabe lembrar as malfadadas tentativas pré-CD dos discos quadrafônicos, mixados a partir de matrizes de oito ou dezesseis canais. Acontece que o CD foi planejado para áudio PCM de baixa compressão, de modo a aproveitar toda a largura de banda transmitida para o máximo de qualidade possível. Por causa disso, a restrição do programa de áudio para dois canais não está lá à toa, e qualquer tentativa de incorporar mais do que isso teria implicado em comprometimentos técnicos inaceitáveis pelos seus projetistas, com os quais, diga-se de passagem, eu concordo totalmente.
O áudio PCM viu na era DVD uma luz no fim do túnel. Com o avanço dos microprocessadores e aumento da memória disponível se tornou viável aumentar o número de canais, a frequência de amostragem no disco e a resolução da gravação, sem comprometer a qualidade final do áudio gravado.
Mesmo assim, teria sido também necessário eliminar a presença do vídeo em movimento, visto que ele consome a maior parte da banda de sinal transmitida. Por isto, o DVD foi criado com dois tipos de informação: um deles, localizado no diretório AUDIO_TS, conterá os subdiretórios e arquivos para a reprodução do DVD-Audio; o outro, localizados no diretório VIDEO_TS, com os subdiretórios e arquivados para a reprodução do vídeo em movimento.
Um disco DVD-Audio poderá ter o diretório VIDEO_TS vazio e vice-versa. O leitor poderá verificar isso colocando um disco de vídeo no computador, quando então notará que o diretório AUDIO_TS está vazio.
No DVD-Audio, ainda é possível gravar áudio comprimido sem perda. Isto foi possível quando a Meridian lançou o MLP (Meridian Lossless Packing). Com o MLP as gravadoras puderam aumentar o rendimento do espaço em disco, colocando mais música em menos memória. Note-se que estamos tratando de som idêntico ao do estúdio, com até 5.1 canais.
O DVD pode também ser um disco híbrido, contendo áudio em PCM de alta resolução na sua parte DVD-Audio e áudio em Dolby Digital e/ou DTS na parte de DVD-Video.
No que tange aos discos com programas musicais somente, o uso do código SPARS se aplica integralmente. Até hoje, são dezenas de álbuns gravados no passado e transferidos para o áudio multicanal, a partir de suas fontes de 8 ou 16 canais. Até mesmo os antigos projetos quadrafônicos poderão ser passados a CD (DTS CD) ou DVD-Audio/Video, ou SACD, sem qualquer perda do conteúdo.
Ao entusiasta ou audiófilo, que se interessa pela origem dos projetos de gravação do passado, o código de três letras esclarece como os atuais engenheiros trabalham nesta área. A mixagem do som, por exemplo, é uma arte como qualquer outra, e carece de criatividade e imaginação. Uma parte significativa da apreciação de áudio, mesmo em dois canais estereofônicos, passa pelo processo de mixagem, seja em tempo real (gravação ao vivo), seja como parte da pós-produção de um disco.
O código SPARS foi esquecido, bem como seus motivos de origem. Depois do meio da década de 1990 ele praticamente desapareceu dos rótulos e dos encartes. É uma perda pouco sentida, mas que, de outra forma, ainda esclarece e ajuda a informar quem de fato se interessa por áudio e música. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
7 respostas
Hoje, por distração, numa loja de departamentos me aventurei a comprar um CD da “Maria Bethânia – As canções que você fez pra mim”. Para a minha surpresa, a música “costumes” está com um áudio péssimo, de ruim qualidade. Ao verificar atentamente a contracapa, há um box no canto inferior esquerdo com a foto do fundo de estojo do CD original AAD. Também notei que está na mídia o ano de produção 1993, sendo que a ficha técnica diz tratar-se de uma reedição do ano 2011 (BN1500). Sorte que o preço de compra foi 4,90. Justifica-se.
Oi, Celso,
Obrigado pela leitura e incentivo, e um ótimo Ano Novo, com paz e principalmente saúde.
Oi, Paulo,
Um grande 20l4 para você.
E,parafraseando o Tresse, não deixe de escrever.
Olá, Andre,
Retribuo a você um Ano Novo com muita paz e saúde, e mais uma vez, obrigado pela sua presença aqui na coluna, leitura e elogio. Espero ser sempre merecedor desta acolhida.
Agora, com o retorno( para mim incompreensível ) do LP, falta mais uma letra, o DDDA, he,he,he. É a volta dos que não foram, em cartaz.
Obrigado pelo ano de muitos artigos, e que venham muitos outros, com muita saúde, é claro.
Olá, Tresse,
Para mim tem sido uma honra tê-lo como leitor desta coluna, e aproveito para lhe agradecer tudo o que aprendi sobre a vida profissional no ambiente da televisão.
Sobre aposentadoria, eu entendo que para você esta seria a segunda, ou estou enganado?
Depois de uma vida inteira dedicada à profissão, o descanso é merecido. Mas, existe sempre um risco no afastamento da vida profissional, um vazio que provoca uma mudança de atitudes ou de projetos. Pessoas como nós precisamos de algum projeto de vida novo, mas sem o estresse da época anterior, caso contrário o descanso da aposentadoria agirá contra o nosso corpo e a nossa mente. E eu espero que isto nunca aconteça com você!
Grande abraço e ótimo 2014.
Obrigado Paulo pelos ensinamentos que adquiri com seus textos, principalmente em Áudio. Em 2014 paro de trabalhar profissionalmente, mas pretendo continuar recebendo seus textos. Um 2014 cheio de realizações.