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O assunto Stereo 35 mm foi introduzido recentemente ao leitor desta coluna, por ter se tornado um marco na evolução da indústria fonográfica norte-americana. A implantação deste método de gravação se deve à gravadora Everest Records, fundada por Harry Belock e Bert Whyte, o primeiro, um engenheiro eletrônico egresso de Hollywood e o segundo, que começou como representante de vendas dos modelos de gravadores de fita Magnecorder, e que se interessou posteriormente por gravações binaurais e depois estereofônicas.

Como os Magnecorders gravavam em mono, mas eram empilháveis e acopláveis com vários tipos de pré/amplificadores de linha, Bert Whyte os usou para experimentações com gravações estereofônicas de dois canais, ainda em um estágio de uso pessoal, ou simplesmente para demonstração dos equipamentos por ele vendidos.

O que tornou Whyte um personagem icônico da época foi o fato dele ter se dedicado ao jornalismo especializado, e o seu trabalho pôde ser visto na Audio Magazine, até aproximadamente a data de fechamento deste periódico.

Whyte e Bob Fine andaram de mãos dadas por um certo tempo, mas foi Whyte quem se deu conta da possibilidade de usar filme magnético em 35 mm, para gravações estereofônicas de maior impacto. Whyte sempre esteve na fronteira das gravações de áudio e era um experimentador por natureza. Para o selo Crystal Clear, por exemplo, ele realizou gravações em corte direto e simultaneamente o que muitos consideram a primeira gravação digital em solo norte-americano: as interpretações de obras clássicas pelo organista Virgil Fox, com o título “The Digital Fox”.

 Everest Records e o filme magnético de 35 mm

Em 1958, o engenheiro Harry Belock havia formado a Belock Instrument Corporation e decidiu se juntar a Bert Whyte, para formar a Everest Records. Cientes do uso de gravadores de três canais em filme 35 mm, os dois contrataram na Westrex a fabricação dos equipamentos customizados, a partir de especificações feitas por eles.

Bert Whyte era adepto da captura minimalista, e usava microfones Neumann U-47 na maioria das vezes. Incialmente, o repertório da Everest era dedicado à gravação de música clássica, mas depois eles criaram uma base de produção para jazz e popular. Eis aqui a capa de um relançamento (imagem da esquerda), de uma gravação interessante desta época, acompanhada da capa original de 1959:

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A faixa título deste disco, “Bamba-Samba”, composta pelo violonista Charlie Byrd, foi regravada depois com Stan Getz, no agora lendário disco “Jazz Samba” para a Verve, com o nome mudado para “Samba Dees Days”.

Harry Belock se afundou em problemas financeiros e terminou por vender todo o equipamento de 35 mm para Robert Fine, que os instalou no estúdio Fine Recordings, por volta de 1960.

Bob Fine iria aproveitar a chance para então realizar gravações em filme magnético 35 mm para as gravadoras contratadas, entre elas a Command Records, comentada no texto anterior.

Nos estúdios Fine, o som capturado por uma miríade de microfones iria alimentar dois decks 35 mm de três canais simultaneamente. Uma delas serviria como cópia de segurança (“backup”), já que o processo de gravação tinha custo elevado.

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Operador controlando dois decks 35 mm nos estúdios Fine (Popular Science, Agosto de 1967).
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Estúdio A, Fine Recordings, com a cabine de gravação ao fundo.

Ao contrário de Whyte, Fine optaria por microfones individuais para cada músico, como se vê acima. Na série da Living Presence para a gravadora Mercury, as mixagens iriam restringir o resultado para a transferência apenas dos canais laterais esquerdo e direito, ficando o canal central exclusivo para cópias mono. Fine alegava que havia notado um “cross-talk” (“vazamento” de som de um canal para outro) entre os canais laterais para o canal central. Assim, ao eliminá-lo, estaria eliminando junto o artefato criado. Um outro fator de peso era a venda superior de Lps mono, naquela época, e que perdurou até mais ou menos até o final da década de 1960.

Apreciação subjetiva

Até hoje é impressionante notar a timbre metálico nos instrumentos de sopro apresentado nas gravações 35 mm da Everest, particularmente, é claro, no som dos trompetes e trombones. O nível de amplitude é, em algumas tomadas, exageradamente elevado e incômodo para a audição em volumes de concerto, em ambientes domésticos.

Por conta disso, existe uma variação significativa entre a tonalidade na captura de vários instrumentos. É possível que parte deste timbre metalizado seja culpa dos microfones usados ou, mais provável, da extrema proximidade dos mesmos frente aos instrumentos ou sessões da orquestra. Para os instrumentos de corda, como violinos, cellos ou violões, o efeito de som metálico é menor e bem mais tolerável.

Uma outra característica dessas sessões da Everest é a ausência quase constante de ambiência, tornando o som “seco” ou “deslocado”, dando a impressão de que um ou mais músicos estão tocando em outro lugar.

No geral, as gravações da Everest são importantes de serem reavaliadas pelo ouvido do usuário de hoje, acostumado com as gravações digitais de alta resolução, presentes na maior parte dos discos modernos.

Sob o ponto de vista da recuperação de acervo o número de reedições ainda disponíveis indica claramente a importância da Everest no pioneirismo da música estereofônica doméstica, independente da precisão ou qualidade que ela pudesse ter alcançado.

Se o leitor quiser, poderá ter acesso a algumas das sessões da Everest em 2 canais (CD) lançadas pelo selo Empire, ou 2 canais em CD/DVD-Video e até 3 canais, em DVD-Audio, lançadas pelo selo Classic Records. A HD Tracks tem alguma coisa para download em 2 canais, mas não permite baixar as faixas por usuários deste país.

 Audio Magazine

Durante anos a fio eu lia mensalmente três revistas americanas sobre áudio: Stereo Review, High Fidelity e a Audio Magazine, mencionada no início deste texto. Abertamente contra especulações na área de áudio, a Audio publicava todo ano no mês de abril um texto com a aparência de uma matéria séria, escrita por um tal Professor I. Lirpa.

O Professor Lirpa apresentava novos equipamentos, a maioria esotéricos ou revolucionários, na forma de análises e comentários. Quem lesse um texto desses inadvertidamente, poderia até achar que eles eram sérios. Houve inclusive um incidente, em um periódico brasileiro da época, cujo nome eu não me lembro, que republicou uma dessas matérias, achando tratar-se de uma evolução na tecnologia do áudio.

Mas acontece que “I. Lirpa” era o anagrama de “April I(st)” (ou “April Fools’s Day”, no jargão americano), o nosso conhecido dia da mentira.

Durante anos, a Audio Magazine adotou uma postura conservadora sobre a percepção do áudio, mas jamais se negou a encampar editorialmente os grandes avanços na área.

A minha coleção particular dessas revistas, que guardei por muitos anos, foi toda para o lixo, mas não me surpreendo de ver que números antigos ainda são alvo da cobiça de muitos colecionadores e audiófilos. [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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2 respostas

  1. Olha, Tresse, é um período de transição meio estranho a princípio, principalmente se você tinha uma rotina que te obrigava a ter horário para tudo. Mas, depois tudo se ajeita, e se alguma coisa de bom a gente carrega é a experiência de vida, onde muitos dos nossos maus momentos acabaram por nos trazer lições de vida.

    Eu só espero que pessoas como você não desperdicem o resto da vida, seja pelo lazer e pela vida mais calma merecida, seja por nunca deixar de aproveitar para passar adiante tudo aquilo que te tomou anos para assimilar e aprender.

  2. Paulo,
    agora psso ler seus textos com mais tempo. Parei de trabalhar em 31/12/2013. Estou me planejando para ler seus textos em “baixa velocidade”, mas não pare de escrever.

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