No caminho contrário ao de reportagem publicada no UOL, sobre gamers profissionais e com a chamada O futuro de seu filho está nos games, gostaria de tecer um comentário.
Caros pais, apesar do que andam escrevendo ou promovendo por aí, o futuro de seu filho NÃO está nos games.
Educadores e psicólogos afirmam muitas vezes que “não existem estudos conclusivos sobre o mal que games podem causar em crianças e adolescentes”. Bobagem! Estudos e artigos muito bem elaborados e conduzidos por especialistas (estou listando alguns no final deste post) já foram publicados.
Jovens viciados em games apresentam um ou mais dos seguintes problemas de saúde: estresse, depressão, obesidade, redução da interação social, transtornos do humor, ansiedade social e transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH).
Sim, caros pais, o assunto é muito sério e não há dinheiro no planeta, pago por patrocinador ou multinacional do setor, que vale a saúde e bem-estar físico e mental de seu filho.
O caso mais chocante vem da China, a qual possui mais de 20 milhões de viciados em Internet, gamers na sua maioria, o primeiro país a declarar a aflição um transtorno clínico.
Na terra de Xi Jinping eles chamam o problema de “heroína eletrônica”. O tratamento criado pelo governo foi radical: a criação de 250 campos – semelhantes a bases militares – espalhados pelo país, onde adolescentes viciados são internados para “desintoxicação digital”.
Sim, jogos eletrônicos viciam. Mas afinal, como é o mecanismo gerador do vício?
Game over never
Primeiro, é fundamental observar que, ao contrário dos primeiros games inocentes do passado, é praticamente impossível para o jovem gamer de hoje visualizar na tela colorida que tem diante de si as palavras “Game Over”.
De fato, a ideia central (e talvez diabólica) é promover um mergulho no infinito. O “Game Over” foi substituído pela expressão “loop de compulsão”, o qual funciona assim: o jogador joga o game; o jogador alcança a meta; o jogador é premiado com novos conteúdos; que faz com que o jogador queira continuar a jogar com o novo conteúdo e voltar a entrar no game e assim por diante.
Durante o jogo, o cérebro libera uma substância chamada dopamina, que causa sensação de prazer e euforia e isto faz o jogador querer continuar jogando por mais tempo. Quanto maior o tempo de jogo, mais dopamina. Criar esta motivação interna “química” irresistível no jogador, que o levará a jogar mais e mais é o segredo por detrás do sucesso de muitos games.
Sem dúvida a fórmula funciona muito bem, em especial para as megacorporações digitais envolvidas na produção dos games. Não por acaso esta indústria bateu Hollywood em faturamento e deve arrecadar 74 bilhões de dólares até 2017.
Caros pais, o assunto não deve ser tratado como mais uma fase na vida de seu filho e muito menos vocês devem alimentar a esperança que ele está “treinando para ser um atleta profissional”. Bobagem. Entre milhões, somente uma dezena se destaca e faz dinheiro jogando videogames. E mesmo assim, até alguma lesão mais grave nos olhos ou nos braços aparecer.
Os sintomas de que seu filho está viciado em games são diversos. De acordo com o estudo do Dr. Kenneth Woog, psicólogo clínico, pais devem estar atentos para os seguintes sinais:
- Queda no rendimento escolar
- Problemas de visão, dores nos braços, pulsos
- Obesidade
- Isolamento e depressão
Existe ainda um lado mais obscuro e negativo nos games, quando o tema central da hipernarrativa está baseada na violência gratuita e na crueldade sem limites. Afinal, que tipo de habilidade este “atleta do mouse e teclado” está praticando? Não podemos esquecer que Anders Breivik, o jovem terrorista norueguês que matou 69 pessoas inocentes em 2011, admitiu treinar habilidades de tiro com videogames violentos.
A tecnologia (e os games de hoje são fruto da mais pura e autêntica tecnologia digital) é muitas vezes comparada ao deus romano Janus, o qual possui duas faces e representa as transições, a passagem de um estado para outro. A tecnologia nos coloca diante deste dilema, pois oferece um benefício mas carrega também um lado negativo e nem sempre estamos preparados para enfrentá-lo.
Caros pais, pode parecer trivial o que vou escrever para terminar este post, mas o futuro de seu filho está na escola, na universidade, nas amizades e na leitura de bons livros. Os games podem esperar, quem sabe, eternamente.
Notas
Diferentes termos são utilizados com o mesmo sentido: games, videogames e jogos eletrônicos, os quais representam qualquer atividade de um jogo no qual o jogador interage com imagens enviadas a um dispositivo digital que as exibe, geralmente numa tela, em qualquer plataforma, seja esta PC, tablet, console ou smartphone.
Referências – artigos
AMY, P. Game Theory: How do video games affect the developing brains of children and teens? NeurologyNow. June/July 2014 – Volume 10 – Issue 3 – p 32–36
BREEZE, M. A quiet killer: Why video games are so addictive. The Next Web. January, 2013.
DAVIDOW, B. Exploiting the Neuroscience of Internet Addiction. The Atlantic. July 18, 2012.
KARASINSKI, V. Como os video games viciam o seu cérebro? TecMundo. 24 julho 2014.
Web Junkie. Filme documentário de Shosh Shlam e Hilla Medalia sobre os jovens chineses viciados em internet e games.
Referências – alguns estudos clínicos
AQUINO, C. Síndrome da Visão de Computador – Especialistas alertam sobre o perigo de passar horas de frente para as telas do computador, smartphone e tablet. Saúde Plena. 01/12/2013.
Chan PA, Rabinowitz T. A cross-sectional analysis of video games and attention deficit hiperactivity disorder symptoms in adoelscents. Ann Gen Psychiatry. 2006;5:16.
ABREU, C. N. ,KARAN. R. G. GÓES, D. S. e , SPRITZER, D. T. Dependência de Internet e de jogos eletrônicos: uma revisão – Internet and videogame addiction: a review. Revista Brasileira de Psiquiatria. 2008;30(2):156-67.
Gupta R, Derevensky J. The Relationship Between Gambling and Video-Game Playing Behavior in Children and Adolescents. J Gambl Stud.1996;12(4):375-94.
SETZER, V. W. Os Riscos dos Jogos Eletrônicos na Idade Infantil e Juvenil. Depto. de Ciência da Computação, Instituto de Matemática e Estatística da Universidade de São Paulo. Versão de 2001.
WOOG, K. Computer Addiction in Adolescents and Young Adults, Solutions for Moderating and Motivating for Success. Woog Laboratories, Inc. 2007.
Follow: @rdmurer [Webinsider]
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Leia também:
Ricardo Murer
Ricardo Murer é graduado em Ciências da Computação (USP) e mestre em Comunicação (USP). Especialista em estratégia digital e novas tecnologias. Mantém o Twitter @rdmurer.
3 respostas
Olá, Ricardo e leitores do Blog
Acredito que tudo em excesso faz mal, se você beber água demais (elemento fundamental para a vida) morrerá, água de menos também morrerá. O autor faz um contraponto necessário, mas cercado por equívocos conceituais e demonstra uma visão antiquada sobre as novas gerações dos videogames. Primeiro, a dopamina está relacionada à exploração e não ao bem-estar propriamente dito, quem é responsável pela sensação de prazer é o sistema opiáceo (endorfinas), ativado em conjunto com a dopamina. Quando o autor diz “Jovens viciados em games apresentam um ou mais dos seguintes problemas de saúde: estresse, depressão, obesidade, redução da interação social, transtornos do humor, ansiedade social e transtorno do déficit de atenção/hiperatividade (TDAH)”. Que bobagem, esses estudos são correlacionais e não causais. Na verdade, há uma série de games que tem sido desenvolvidos justamente para tratar TDAH, ansiedade social, etc… O autor parece que desconhece ou ignora outros estudos como os da neurocientista Daphne Bevelier que mostram exatamente o contrário, action games podem favorecer desenvolvimento de diversas habilidades cognitivas, entre elas, a da atenção visual. Esses estudos estão publicados na Nature e Science, revistas de alto prestígio e não em um site como o Tecnomundo – referência que o autor utiliza. Em seguida, o autor fala sobre o estudo do Dr. Kenneth Woog, psicólogo clínico, alertando os pais para a relação entre videogames e rendimento escolar. Claro, videogames são muito mais interessantes do que aulas expositivas sem nexo e objetivo. Talvez o autor acredite nesse modelo de educação, eu não! Para um gamer da 7 e 8 geração aulas expositivas sem objetivo claro, sem aplicação e feedback em real time é bastante desinteressante. Em silêncio, olhando para a tela do celular, ao invés para aula e para o professor, esses alunos, no fundo, estão clamando por mudanças na educação e na sala de aula. Eles gritam em outra frequência, que o professor, a gestão e o autor desse texto não conseguem ouvir. Acho o nome da matéria da UOL infeliz, mas totalmente justificável quando se trata de um veículo de comunicação algoz por cliques! O título é sensacionalista, não representa em si uma ideia geral do que representa o game para futuro da nossa sociedade.
Olá Ricardo,
Acho que sua opinião tem fundamento mas querer colocar a indústria de games tanto como o futuro para os filhos ou como grande vilã é um grande equívoco.
Existem casos e casos e concordo com você que as grandes empresas exploram o conhecimento sobre o efeito da dopamina em nosso corpo, mas isso pode ser uma grande ajuda se falarmos de jogos educativos, tanto para crianças como para adultos.
Jogar faz bem, estimula o cérebro como nenhuma outra atividade mas como qualquer outra coisa em excesso pode ser nocivo, o que os pais precisam é aprender mais sobre o universo em que seus filhos estão inseridos e assim vão ter mais e melhores condições de establecer os limites para seus filhos.
Culpar o mundo e punir as crianças por não estar preparado e informado para educar a fazer escolhas é a saída comum e a grande causa de todos os preconceitos.
Muito bom o artigo.
Concordo plenamente,pesquisas duvidosas tem falado sobre gameficação, falado que os jogos iram dominar nosso dia a dia, que é algo saudável , mas é puro marketing para que essa indústria continue arredando bilhões.
O pior que tudo isso se torna um pretesto para o filho falar para o pai “jogar o profissão agora”.