Idiossincrasias e contradições do som estéreo multicanal

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Tendo recentemente que me defrontar com uma modificação importante no meu setup pessoal de som multicanal, eu me vi às voltas com a lembrança de um velho dilema das instalações domésticas: da presença ou não de caixas acústicas diferentes para posições diferentes do espaço de audição.

Historicamente, e eu me tornei consciente disso lá pelo meio da década de 1990, nunca houve consenso de que o formato de caixas idênticas seria o ideal para a instalação doméstica do som multicanal, argumento que parecia em princípio de uma lógica aparentemente irrefutável.

E entre aqueles que advogavam a colocação de caixas acústicas idênticas em todas as posições (caixas frontais e surround), nunca ouve uma menção sequer, pelo menos que eu me lembre, que provasse que a argumentação tinha base no entendimento de como o som multicanal se espalha nos cinemas. E se o tivessem feito, teriam notado de que a semelhança entre as caixas acústicas frontais e as do surround nas salas de cinema simplesmente não existe!

Nas salas de cinema o surround é montado de forma diferente por causa do espalhamento constante e coerente acusticamente do som ser necessário em todas as posições de assento da plateia.

Forma-se um “U” gigantesco em torno desses assentos, com caixas espaçadas de acordo com as instruções enviadas pelos desenvolvedores de projetos ou, no caso moderno, pelos que criam os codecs digitais, e com a calibração dependente de um programa contido em película ou em um arquivo digital, mais recentemente.

Algo similar é previsto para a instalação doméstica. O software para a calibração é gravado em uma EPROM instalada nos processadores e A/V receivers. Ele é acionado pelo setup do equipamento, e é carente de um recurso mínimo, como um medidor de pressão sonora e uma fita métrica (trena, de preferência). Quem não tem medidor ainda pode se valer do próprio ouvido, apenas tomando cuidado para não errar demais no acerto do volume de som de cada caixa.

Se o usuário tem um medidor confiável ele deve prestar atenção para as limitações do mesmo, e para o ambiente que o circunda. Mas, na prática, pequenas variações de leitura entre as caixas não irá alterar significativamente o equilíbrio de amplitude necessário para reproduzir qualquer material de fonte em formato multicanal. E neste aspecto, é sempre interessante mencionar que a audição de programas 5.1 conhecidos será sempre o teste final para se avaliar se tudo está correto, ou ainda precisa de alguns ajustes.

 Os parâmetros de sempre

O ajuste de caixas acústicas múltiplas em uma sala que pode nunca ter sido adequada para audições multicanal é contemplado no programa embutido nos equipamentos de reprodução. E se o usuário quiser, pode fazer uso de equipamentos que são fornecidos com algoritmos proprietários (rotulados com nomes diversos) e um microfone desenhado para fazer a calibração automática das caixas ligadas ao sistema.

Em qualquer hipótese, os parâmetros de calibração serão obrigatoriamente os mesmos:

1. Adequação física ao tipo de caixa instalada.

2. Corte de frequência para cada caixa ou conjunto de caixas (“bass management”).

3. Distância de cada caixa até o ponto de referência (conhecido como “ajuste de retardo”).

Os programas que fazem este tipo de ajuste automaticamente ainda acrescentam o acerto de resposta de frequência individual das caixas, na forma de um equalizador de qualquer tipo (provavelmente paramétrico). Eu pessoalmente acho este tipo de ajuste temerário, e creio que pode ser este o motivo pelo qual muita gente declara pelos fóruns da Internet alguma insatisfação com os resultados obtidos com este tipo de programa.

Alguns comentários se fazem ainda necessários:

Pequenas diferenças na medida da distância das caixas até o ponto de referência (“sweet spot”) sempre foram creditadas como de relativa pouca importância, mas na prática uma audição cuidadosa da reprodução de programas multicanal evidencia justamente o contrário. Tanto assim que equipamentos mais antigos, que costumavam oferecer retardos com intervalos na escala de valores muito amplos (10 ms, 20 ms, etc.), foram substituídos por outros com intervalos menores, e computados a partir da medida da distância, ou seja, o usuário mede a distância com relativa acuidade, introduz o valor medido no setup e o computador de bordo faz o cálculo do retardo correspondente.

Uma importante alteração no setup do áudio diz respeito ao abandono de seleção de caixas por tamanho (“Small” versus “Large”) e com a adoção do corte de frequência entre as caixas e o subwoofer, se existente. Se este não for instalado, o sistema exige que um par de caixas reproduza o LFE e demais conteúdos de baixa frequência do programa.

Receivers e processadores modernos irão permitir o ajuste do corte em intervalos de pelo menos 10 Hz, indo de “Full Range” (escala completa de reprodução, ou seja, nenhum corte), passando por, por exemplo, 40 Hz, 50 Hz, etc., indo até 200 Hz ou um pouco menos. É importante assinalar que equipamentos com certificado THX terão corte padrão em 80 Hz, muito embora o usuário não seja nunca obrigado a adotá-lo.

O que este de corte frequência diz é que: abaixo do valor do corte (digamos, 50 Hz) as caixas não receberão sinal de áudio e este último será enviado ao subwoofer ou a qualquer caixa indicada como “Full Range”, mesmo que o subwoofer esteja presente.

Na prática, o que se verifica é que até mesmo as caixas tipo torre raramente são otimizadas para a reprodução do LFE ou de faixas de frequência abaixo de 50 Hz. É neste ponto que um subwoofer de qualidade razoável desempenha um papel importante no som multicanal das trilhas de cinema (música não deve usar LFE codificado).

Note que a indicação de 80 Hz pelo padrão THX só faz sentido em função de alguns detalhes sobre caixas acústicas e a reprodução do áudio: primeiro, porque se é para escolher uma frequência de corte que seja adequada à maioria das caixas é preciso contemplar a falta de capacidade das caixas de menor volume em reproduzir sinais abaixo desta frequência. Segundo, que frequências abaixo de 200 Hz têm uma direcionalidade muito baixa, o que significa dizer que fica difícil para o usuário localizar no espaço qualquer coisa reproduzindo nesta faixa de frequência.

Se uma caixa for cortada a 80 Hz, e o som passa para o subwoofer, o ouvinte nunca irá saber que a caixa não toca aquele tipo de grave. O que se ouve parecendo que os sons graves saem uma caixa é na verdade a reprodução de harmônicos do som emitido. Por exemplo, o primeiro harmônico de 60 Hz é 120 Hz, o segundo é 240 Hz, e assim por diante, os últimos destes bem acima do corte e com direcionalidade suficiente para ser localizado.

 As polêmicas de sempre

O áudio é um assunto controverso, inflama opiniões radicais e inclui invariavelmente o gosto de cada um. E é por isso que fabricantes de caixas acústicas raramente conseguem consenso sobre a qualidade de reprodução de seus modelos.

A polêmica se acende mais ainda no que tange à distribuição e ajuste das caixas no ambiente. Muitos não aceitam a introdução de um canal central, enquanto que outros objetam a ausência de fidelidade e equilíbrio tonal resultante do ajuste do sistema pelo “bass management”.

É evidente que se o canal central nunca for instalado não haverá polêmica em torno do design do mesmo, muito menos se deveria ser uma caixa idêntica às caixas esquerda e direita frontais e do surround.

A ausência do canal central é, na minha avaliação pessoal, questionável. Porque existem méritos quanto à dispersão do som frontal que contribuem para a estabilidade do palco sonoro e quanto à exatidão da mixagem, principalmente quando se trata de trilhas sonoras ajustadas para o cinema.

Os engenheiros de som do cinema precisaram instalar um canal central e outros tantos para cobrir uma maior área de dispersão atrás da tela. No formato Todd-AO, que previa telas de grande curvatura e estatura, são contemplados cinco canais atrás da tela, e no CinemaScope teria sido feito o mesmo, não fosse a imposição da colocação de trilhas magnéticas na película de 35 mm, que impedem a gravação de mais do que 4 canais.

A adoção de um canal central no home theater tem como principal objetivo a recuperação da mixagem original da trilha de cinema e ele o faz com admirável competência, desde que corretamente instalado e com boa qualidade de dispersão. A maioria dos canais centrais disponível usa a configuração D’Appolito, conhecida também como M-T-M (Midwoofer, Tweeter, Midwoofer), que consiste na disposição de um Tweeter (alto falante para agudos, geralmente acima de 3.5 kHz) ao lado de dois alto falantes capazes de reproduzir graves e médios. A montagem tanto pode ser vertical, como encontrada em caixas frontais), como vertical, como nos canais centrais. A vantagem inerente deste tipo de montagem é garantir que a dispersão de som de alto falantes próximos não sofra interferência uns dos outros.

Em mixagens estéreo convencionais de dois canais, usadas basicamente para a gravação e reprodução de música, a presença de um canal central é irrelevante, porque ele nunca foi contemplado pelo engenheiro de mixagem. Na realidade, a mixagem é feita de maneira a usar os canais frontais esquerdo e direito para criar o campo sonoro com a profundidade e a perspectiva exigidas. Em outras palavras, o som estéreo de dois canais, se bem gravado, simula de forma competente o palco sonoro frontal sem precisar de nenhuma outra caixa acústica adicional.

Até este ponto, e salvo melhor juízo, eu entendo que a reprodução de um programa com dois ou mais canais, com a inclusão de um canal central, é dependente do tipo de mixagem feita: se para dois canais, bastam os dois principais alto falantes frontais, mas se para 3 ou mais canais, a adoção de uma caixa central é importante para manter a mixagem multicanal estável. O usuário tem a seu dispor em qualquer processador de áudio moderno a escolha entre “Estéreo” ou “Multicanal”, podendo assim instalar um canal central e só usa-lo quando necessário.

 O importante é o timbre

É certo que o ideal seria que todas as caixas de um sistema multicanal fossem fisicamente idênticas, mas isso, em função das dimensões e espaço disponível da sala principalmente, nem sempre é possível.

Se este tipo de instalação for inviável (na maioria das instalações é o que acontece) uma boa solução é ter certeza de que o timbre e o balanço tonal de todas as caixas sejam os mais próximos possíveis.

Invariavelmente, caixas de um mesmo fabricante e de um mesmo modelo são as que mais se aproximam deste tipo de característica. O que não quer dizer que caixas diferentes ou de outras marcas não possam ser usadas. Muitas vezes, o usuário resolve isso adquirindo e instalando um conjunto de caixas previamente agrupado pelo fabricante, o qual indica em que posições elas deverão ser instaladas.

Não sendo o caso, e havendo necessidade de instalar caixas diferentes e com timbre aproximado, o bass management entra em cena para diminuir ou até compensar estas diferenças. Embora execrado por alguns, o bass management tem o mérito de permitir que o corte de frequência seja ajustado por cada caixa individualmente, respeitando assim as características sônicas de cada uma delas. Se o som obtido após o ajuste for claro e bem resolvido nas caixas, é sinal de que o bass management cumpriu o seu papel.

Advogados e estudiosos da acústica dos ambientes irão preconizar que os cortes de frequência entre as caixas periféricas e o subwoofer seja aquele que respeita a acústica da sala e não em função da curva de resposta de frequência das mesmas, o que é correto. Porém, a realidade de grande parte dos usuários é outra, porque se for para fazer os ajustes deste jeito seria necessário, antes de mais nada, medir e não adivinhar o corte de frequência ideal.

Na ausência deste tipo de medida, prevalece o bom senso: que é o de estabelecer um corte em um determinado ponto que evite comprometer a caixa acústica, e depois ouvir exaustivamente o resultado. Ajustes mal feitos irão deixar vazar sons de média frequência para o subwoofer, adulterando vocais e instrumentos com som grave. Se, após o ajuste, a presença do subwoofer não for notada, é possível que o usuário tenha dado um passo na direção certa.

Geralmente um ponto arbitrariamente estabelecido poderá ser qualquer valor entre 50 Hz e acima (para caixas de maior volume) e de 80 Hz e acima para as caixas satélite.

Se a instalação de som multicanal levasse em consideração apenas critérios técnicos, e com as respectivas medições, seria preciso conhecer não só o ponto de corte ideal, mas também as características do divisor de frequência, que filtrará o que passa e o que não passa para a caixa acústica e o subwoofer. Idealmente, a curva de transição entre estes dois componentes deveria ser tal que o subwoofer comece a responder efetivamente no ponto em que a caixa não consegue mais, e no mesmo valor de amplitude.

A realidade que eu sempre notei em usuários que gostam de assistir cinema em casa é não dar bola para instalações complicadas ou que exijam instrumentos e medições adequadas. E se for para ser ele ou ela serem forçados a fazer isso, a preferência de todos é não instalar equipamento algum ou comprar um conjunto integrado de player e caixas, quando então bastará ligar tudo, de acordo com o manual do fabricante.

As lições que eu venho aprendendo nestes últimos anos dizem respeito à evolução da excelência dos bons processadores de áudio, que nos compelem a nós entusiastas a tentar fazer uma instalação melhor, ser feliz com ela, e se voltar para o objetivo de tudo isso: assistir os bons filmes que nos agradam e as músicas que emocionam os nossos corações, sem se preocupar com o equipamento. [Webinsider]

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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6 respostas

  1. Bernardo, desculpe novamente pela ausência do livro, prometo tentar compensá-la com textos da coluna. E muito obrigado pela confiança, espero nunca desapontá-lo.

  2. John, esse “erro bobo” é problema meu.

    Seja sensato e se atenha ao conteúdo técnico do texto. Se estiver errado, por favor me avise, ok?

  3. “É evidente que se o canal central nunca for instalado não haverá polêmica em torno do design do mesmo…”

    “Se o usuário tem um medidor confiável ele deve prestar atenção para as limitações do mesmo…”

    Seus artigos são muito bem escritos, mas você frequentemente usa a palavra “mesmo” como se fosse pronome. Por quê?

    Erro bobo.

  4. Oi, Bernardo,

    O livro estava disponível na Amazon para download, mas foi retirado em definitivo por mim lá pelo fim do ano passado, por uma série de motivos, sinto muito!

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