Clay Shirk, esse simpático senhor da foto abaixo (que parece o Tom Hanks careca), é professor da Universidade de Nova York, autor do livro “Here comes everybody” e um dos mais influentes estudiosos dos impactos sociais e econômicos da Internet.
Ou talvez você o conheça pela onipresente (ao menos em cursos de inovação) frase:
A revolução não acontece quando a sociedade adota novas ferramentas. Acontece quando a sociedade adota novos comportamentos.
Clay Shirky
A conectividade (hoje representada pela internet) foi, de fato, uma revolução. Não apenas possibilitou o acesso a incontáveis fontes de informação (premissa original de sua criação) mas, com isso, alterou a maneira como a sociedade se relaciona.
Diz-se que existem dois tipos de inovação, a incremental – que agrega novas funcionalidades a algo já existente – e a disruptiva – que, em suma, reconstrói aquilo ao redor da solução que ela traz.
Pessoalmente sempre tratei inovações disruptivas como tais em função da alteração, significativa, de ao menos um destes três fundamentos da sociedade:
- Relações de influência e poder: aqui envolvendo capacidade de mobilização, modificação do entorno e pretensão positiva ou negativa com relação a coisas e fatos.
- Economia: forma como valores (bens e representações de valor – dinheiro, etc) são transacionados.
- Comunicação: onde encaixam-se, inclusive, ferramentais para desenvolvimento humano (educação), influência (adoção de comportamentos) e agilidade de reação.
Quem estava vivo (consciente e pensante) de 1993* pra cá vem acompanhando a desconstrução destes três fundamentos com a popularização da “web”. E vem mais por aí!
* O conceito é de 1962 (Rede Galáxica), a primeira implementação de 1969 (Arpanet), mas coloco 1993 como referência pela popularização nos EUA da World-Wide-Web (versão gráfica da Internet); no Brasil, poderíamos considerar 1995.
Já alteramos tanto nossos comportamentos, já desconstruímos tanto nossa compreensão de mundo, que situações como esta, abaixo, ocorrida quando o WhatsApp ficou fora do ar, para mim não são cômicas (tá bom, #euri sim) mas um reflexo sobre como as pessoas estão reconsiderando o propósito dos dispositivos, das instituições e delas mesmas:
Muitas vezes olhamos a conectividade em suas microaplicações. Falamos de ferramentas e dispositivos (“Olha o Snapchat!”, “Olha o Oculus Rift!”, “Olha a realidade virtual”, “Já chegou o disco voador!“) mas a grande maioria se esquece de ter uma visão mais ampla de onde tudo isso está ancorado.
Verdadeiros inovadores questionam pilares da sociedade; as ferramentas e soluções que criam são consequência deste questionamento.
Quando observamos o – talvez-quem-sabe-se-a-mídia-concordar – “novo Steve Jobs” (estas aspas significam que o indivíduo se torna referência midiática em inovação), Elon Musk (PayPal, Space X e Tesla Motors), percebemos que seus objetivos não são “criar uma app”, “criar um carro legal” ou “fazer um foguete que vai-e-volta”.
Seus desenvolvimentos questionam modelos e confrontam premissas, algo que qualquer um pode fazer, mas somente se for possível afastar-se do mesquinho pensamento imediatista de se atingir os ‘resultados financeiros do quarter’, ganhar sua ‘participação nos resultados’ e criar um videocase sobre uma ação medíocre.
(Aqui me permito uma cutucada; há alguns bons anos, quando trabalhei em uma empresa de mídia, sugeri que uma possível solução para um canal de TV com baixa penetração no cabo, seria distribuí-lo via internet, gratuitamente ou com pacotes de assinatura por tempo de consumo. Não só não foi aceita – pois, afinal, um canal de TV “tem que estar na TV” – como globos oculares viraram para cima. Bem, o Youtube poderá ter serviço pago com canais de TV a cabo, e esses p*** nem produtores de conteúdo são ☺).
Reduzindo ao traço mínimo
Há uma conceito em arquitetura, pintura e gerência de projetos (acredito que outras áreas do conhecimento também o utilizem) que busca simplificar algo para o que se chama ‘traço mínimo’, a versão mais simplificada possível do cerne (parte principal) deste ‘algo’ para facilitar a compreensão do que efetivamente o define.
Em 1945, Picasso criou uma sequência de 11 litografias desconstruindo progressivamente a imagem de um touro até reduzi-la à sua forma essencial, o “absoluto espírito da besta”. #jctambémécultura 🙂
Trazendo esta desconstrução para nosso universo (digitalismo da vida), apesar das inúmeras aplicações da conectividade, não há Clarice Lispector nem Albert Einstein que superem a célebre constatação da Maya (minha pug):
Tomo uma licença poética para tentar simplificar grupos de atividades que podem ser encaradas como pilares da existência humana. Apesar do poético termo, considero estes grupos em específico justamente para avaliar como, em função da conectividade, foram alteradas as relações econômicas, de poder/influência e comunicação.
Começando pela lembrança do querido Maslow e sua pirâmide de necessidades, juntamente com a evolução do cérebro das espécies, três grupos de atividades são cruciais para qualquer indivíduo, a partir das quais outras necessidades surgem posteriormente:
- Alimentação e energia: geração de energia para o corpo e para a sobrevivência;
- Abrigo: a proteção para a sobrevivência e a proteção contra intempéries do ambiente;
- Relacionamentos amorosos e de afeto: como premissa para perpetuação dos genes e, consequentemente, da espécie.
Sem querer me aprofundar na filosofia existencial mas, se, na pior das hipóteses, o sentido da vida é a perpetuação dos genes (ver livro “O gene egoísta“, de Richard Dawkins), estes três elementos acima são o que precisamos para seguir em frente.
A partir daí – e deixando Maslow um pouco de lado – podemos inferir alguns outros grupos de preocupações humanas impactadas pelo digital:
- Transporte: a maneira como nos locomovemos de um local a outro
- Educação: a forma como construímos nossas ideias e evoluímos como espécie
- Entretenimento: aproveitamento do tempo ocioso (ou em conjunto com o produtivo) com atividades que gerem prazer e satisfação.
Esta segmentação, além de atender a um potencial TOC pessoal, organiza um conjunto de sete artigos (incluindo esta breve introdução) que terá o papel justamente de confrontar a cíclica relação entre as mudanças comportamentais e evoluções tecnológicas ligadas à conectividade de pessoas e coisas.
Fica, que vai ter Tesla, vai ter Uber, vai ter Nubank, vai ter Internet das Coisas, vai ter robótica, vai ter bolo. =) [Webinsider]
Leia também:
http://br74.teste.website/~webins22/2016/05/08/emprego-e-temporario/
JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.
Uma resposta
O JC escreve bem!! Lida, como poucos, com fatos e teorias; sabe fazer citações inteligentes e instigantes. Ajuda-nos a pensar de modo amplo e profundo… Daí, talvez, a ausência de comentários. A mediocridade anda solto por aí fazendo estragos.