Toda intersecção entre comportamento humano e a tecnologia me fascina. A constante influência entre estas duas abordagens resulta em avanços (ou, ao menos, em questionamentos) de ambos os lados.
Muito ainda se fala sobre Pokemon GO mas nada supera a polarização entre o amor e ódio típicos de um sucesso arrebatador.
No meio desta guerra de razões, como todo bom profissional precisamos separar gostos e motivações pessoais da compreensão a respeito do comportamento humano. Sem meias palavras, pouco importa se você gosta ou não, entendamos porque um monte de gente gosta!
No mundo dos games, diz-se que “todo mundo é um jogador”, frase que não poderia ser mais verdadeira; todos temos motivações e desejos responsáveis por moldar nossos comportamentos.
Quando isto é transportado para uma narrativa lúdica (por exemplo, um game), nada mais fazemos do que transpor o foco de nossa jornada para um universo ficcional e, quando o mundo alternativo está alinhado com mecânicas que nos motivam, bingo (bingo?! alguém ainda usa isso?!), acabamos ‘gostando’ disso.
Os Arquétipos de Bartle
Uma interessante teoria comportamental no ambiente lúdico concebida pelo pesquisador britânico Richard Bartle — uma das maiores autoridades mundiais em ambientes imersivos, como jogos online, MMORPGs etc — apresentou um estudo que investigou diferentes personalidades de jogadores.
Em sua análise, estes jogadores de games imersivos foram classificados em quatro grupos: Achievers (Acumuladores ou Conquistadores), Explorers (Exploradores), Socializers (Socializadores) e Killers (Lutadores), denominados como Arquétipos de Bartle ou Taxonomia dos Tipos de Jogadores.
No modelo de seu livro Designing Virtual Worlds, Bartle detalha as motivações de cada um destes perfis e como o administrador de um ambiente imersivo (game, MMO, etc) pode equilibrar a coexistência destes perfis conforme seu desejo.
Desde o lançamento do app/game Pokemon GO no Brasil (em 03 de agosto de 2016) venho — junto com milhões de pessoas — explorando as funcionalidades desta aplicação que conseguiu superar, em faturamento, ícones do mundo mobile, como Candy Crush.
E, atualmente, segundo a empresa de inteligência de mercado mobile SensorTower, é mais utilizado no mundo do que o todo-poderoso Facebook.
Apesar das esperadas críticas quanto à “zumbificação” de seus jogadores, dado o grau de imersão resultado da integração do mundo físico (geolocalização e realidade aumentada) com a experiência lúdica, o outro lado tem contundentes razões para defender o seu ginásio Pokemon app: fortalecimento do senso de comunidade, estímulo à exploração do mundo real, senso de pertencimento, entre outras.
Assim como são comoventes as histórias de crianças autistas se comunicando em função do game, hospitais recebendo “doações de módulos Lure” para que crianças lá internadas possam brincar mais (este “Lure Module” é uma ferramenta do jogo que atrai mais pokemons para determinada área), pais e filhos caminhando juntos pela cidade atrás destes monstrinhos virtuais e até estadunidenses tendo que aprender o sistema métrico para poder jogar (as distâncias no jogo são dadas em quilômetros, não milhas).
Tem pra todo mundo!
Independente de seu julgamento quanto ao tipo de entretenimento e tempo gasto nele, investigar Pokemon GO como um profissional de comunicação digital, ou mais especificamente, de storytelling e gaming, é fascinante.
Com uma análise inicial, o jogo não só segue muito bem uma curva crescente de dificuldade, balanceando a chateação e a frustração….
…., como também integra sua ação à narrativa original da franquia (se você não conhece a história de Ash, os ginásios, as batalhas etc. pode não entender de onde esse negócio de caçar pokemons veio) e, não bastasse, ainda traz funcionalidades que agradam a todos os perfis comportamentais descritos anteriormente.
Usando o modelo de Bartle, os quatro perfis mencionados convivem em dois eixos que vão do foco nos jogadores ao universo e da interação à ação.
Quando olhamos Pokemon GO, conseguimos cruzar as atividades disponíveis no game em função destes quatro perfis principais dos Arquétipos de Bartle, o que explica porque tantas pessoas — com distintas motivações — acabaram atraídas pelo app.
Achievers (Acumuladores ou Conquistadores)
Seu engajamento se dá pela possibilidade de adquirir, organizar e exibir suas posses.
Inicialmente temos o próprio caráter colecionável dos pokemons e a luta para preencher as 250 possibilidades em tela que mostra, inclusive, quantos tipos de pokemon o jogador viu e conseguiu capturar (provocando-o ainda mais para ir atrás daqueles que fugiram).
A conquista dos ginásios Pokemon, onde os jogadores devem duelar para definir quem será o dono daquele ginásio, reforça a exposição da conquista, que, para este perfil, é mais importante que a batalha em si.
Explorers (Exploradores)
Seu objetivo é ir atrás do desconhecido, descobrir lugares, atividades, segredos que os demais personagens desconhecem.
A integração da geolocalização e realidade aumentada, induzindo o jogador a explorar fisicamente novas regiões é catalisada com o fato de que alguns tipos de pokemon só podem ser encontrados em regiões específicas das cidades.
A mecânica de “farming” (cultivo) de ovos, onde o jogador deve andar uma distância determinada que ovos de pokemon choquem, além de servir de combustível para os Acumuladores (pois terão a chance de obter novos e distintos pokemons) também reforça o fator surpresa, típico dos Exploradores e Acumuladores, sobre qual tipo de pokemon sairá do ovo.
Socializers (Socializadores)
Buscam o desenvolvimento das relações humanas e trabalham o senso de pertencimento.
A escolha de uma equipe pelo jogador — Mystic, Instinct ou Valor — a partir do nível 5 (quando já dominou as mecânicas básicas do jogo) trabalha o senso de pertencimento a um grupo (a uma causa maior) e, consequentemente, o embate com os grupos antagônicos.
O reforço da identidade comum também ocorre quando o jogador visita ginásios conquistados por jogadores do mesmo time ou de times inimigos.
Os ginásios de seu time (Valor, Instinct ou Mystic) reforçam o suporte social, próprio de narrativas que utilizam a competição entre grupos.
E, por fim, dado o sucesso e envolvimento de milhões de pessoas com o jogo, há o favorecimento dos encontros IRL (in-real-life; na vida real). Grupos são formados para caçar pokemons, pessoas iniciam interações ao se verem jogando o mesmo game, e, contrariando os modelos vigentes de games, a socialização real é estimulada e abraçada pelos jogadores.
Que tal 500 pessoas atrás de um Squirtle?
Killers (Lutadores)
Sua expectativa está em ser melhor que o outro, em vencer disputas de poder.
O objetivo final da captura, seguindo a narrativa original da série animada, é desenvolver seus pokemons, treiná-los, torná-los mais fortes para que possam vencer as competições nos ginásios.
Por essa ótica, as ações realizadas pelos ‘killers’ que, a princípio, não tem aderência à sua personalidade, na verdade são etapas para que ele possa alcançar aquilo que deseja, batalhar nos ginásios e ser o melhor mestre pokemon.
Viu? Tem pra todo mundo!
Se estas funcionalidades foram desenvolvidas conscientemente para atender a todos os perfis? É bastante provável… afinal, já faz tempo que jogo deixou de ser brincadeira de criança. [Webinsider]
JC Rodrigues
JC Rodrigues (@jcrodrigues) é publicitário pela ESPM, pós-graduado pela UFRJ, MBA pela ESPM. Foi professor da ESPM, da Miami Ad School e diretor da Disney Interactive, na The Walt Disney Company.