No esplendor do 70 mm

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Oliver e o esplendor do 70 mm

Com a introdução radical da projeção digital nas redes exibidoras brasileiras foram por terra as esperanças de retornar aos dias gloriosos da película de bitola larga ou da projeção com lanternas de alto brilho e lentes scope Panavision de alta qualidade.

Toda vez que eu assisto um documentário sobre esta época, sobre o Cinerama, Todd-AO e processos similares, a primeira coisa que me vem à mente é que é quase impossível descrever como eram as antigas projeções nos cinemas para alguém que nunca esteve lá.

E hoje em dia, nas salas congelantes e sem grandes atrativos, as sessões mais parecendo um programa de televisão, com toneladas de anúncios, o espectador mais jovem não terá parâmetros para avaliar o que foi perdido.

Infelizmente, a minha geração e as dos meus amigos próximos sabe o que foi e sabe que não volta mais. É uma consciência doída, que a gente nota nos documentários sobre o assunto, portanto não se trata apenas de saudosismo pessoal, mas de perda real de algo que teve, como cinema, grande valor no passado.

E foi naquele clima que eu assisti Oliver!, filme do notável diretor inglês Carol Reed, lançado em 70 mm no Cinema Vitória, na Cinelândia do Rio de Janeiro.

As décadas de 1960 e 1070 assistiram a grande derrocada do que se chama hoje de “cinema de rua”, com impacto no mercado exibidor em solo norte-americano. Mas, curiosamente, esta perda não se refletiu por aqui, tanto assim que muitos exibidores abriram várias salas, algumas já equipadas com sistema de projeção em 70 mm.

O mercado de filmes em bitola larga de 70 mm aqueceu de tal forma, que os estúdios lançaram filmes rodados em Panavision 35 mm ampliados para 70 mm, e em certo ponto lançando mão de filmes antigos, filmados com lente plana ou em CinemaScope, e relançando nos cinemas em telas planas ou ultra curvas do 70 mm.

Quando Oliver! foi exibido no Vitória, o cinema ficou abarrotado. A expectativa em torno do filme e da estória atraiu o grande público. Tivesse Carol Reed se proposto a mais uma versão em filme do romance clássico “Oliver Twist”, escrito por Charles Dickens, o impacto talvez não tivesse sido o mesmo.

Mas, se tratava de uma megaprodução, com sets em larga escala no estúdio, poucas cenas rodadas em locação, controle total de uma produção baseada em uma versão musical da estória.

E mesmo depois de passados tantos anos (o filme foi lançado em 1968), a gente se depara com a obra super moderna, não só sob o ponto do visual, como também pelo brilhantismo na condução dos atores e em todos os aspectos da produção.

O filme contou com parte da nata do cinema inglês da época. E como era comum neste tipo de produção, alguns grandes atores, como, por exemplo, Leonard Rossiter ou Harry Secombe, tem aparições discretas no filme. E Carol Reed ainda teve o trabalho de educar para o cinema os atores Mark Lester e Jack Wild, o primeiro ainda bastante verde (com 10 anos de idade) e o outro já parecendo um ator profissional.

No filme não se percebe, mais Jack Wild já tinha 16 anos de idade. Ambos iriam ter carreira duradora como atores, mas Wild acabou sendo vítima de câncer, falecendo aos 53 anos de idade.

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É impressionante apreciar o trabalho espontâneo desses dois jovens, principalmente o olhar melancólico de Mark Lester, ao incarnar o personagem principal da estória. O grande trunfo, entretanto, estava na presença em cena do super versátil Ron Moody, que ganhou o Oscar de melhor ator, no papel do desonesto Fagin.

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Todos esses personagens são complexos. Fagin, por exemplo, é um sujeito de fala macia, sedutor, ao mesmo tempo em que passa a perna em todo mundo. Parece até um político dos tempos de hoje.

A produção conta com a colaboração do experiente Johnny Green (ex-MGM) e da coreógrafa Onna White, conhecida por seu trabalho em “O Vendedor de Sonhos, lançado em 1962. O filme ganhou vários Oscars, incluindo melhor filme e direção.

A fotografia Panavision 35 mm de Oliver! é exemplar, e não se poderia esperar menos de um diretor do calibre de Carol Reed, e sim, o filme foi ampliado para 70 mm, e apresentado como tal no Cinema Vitória, ainda com projetores Philips DP-70, como me informou anos atrás o Orion Jardim de Faria, fabricante dos Incol 70/35, que iriam eventualmente substituir os Philips naquele cinema.

A restauração e a edição em Blu-Ray

A primeira cópia em home vídeo que eu tinha de Oliver! foi editada em VHS Hi-Fi. A esta altura, a imagem era de baixa qualidade, mas assistível. O som, entretanto, já mostrava sinais de decadência, com distorção nos vocais, principalmente os da atriz Shanni Wallis, que faz o papel de Nancy.

A edição em DVD comemorou 30 anos de aniversário do filme, já com restauração completa de imagem e som (Dolby Digital 5.1). Tudo indica que a master magnética original não teria sobrevivido, mas a trilha soa muito bem, sem um traço sequer da distorção observada na edição em VHS.

Lamentavelmente, a edição atual em Blu-Ray, editada pelo selo Twilight Time, teve prensagem limitada a 3000 cópias, que não é quase nada para o mercado americano. A revenda do disco pode ainda alcançar valores estratosféricos, mas se o leitor recorrer ao site da Screen Archives (loja que teve exclusividade do selo) o mais rápido possível, ainda consegue alcançar o preço promocional oferecido. Ainda está para sair a edição da Columbia, mas sem data prevista.

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Na edição da Twilight o disco apresenta imagem e som com qualidade satisfatória. A dinâmica da trilha sonora é superior à do DVD, e percebe-se uma pequena alteração da mixagem multicanal, com algumas cenas espalhadas para o surround lateral.

Nada de muito importante, porque o filme foi originalmente projetado para telas 70 mm, com cinco canais na frente. A direcionalidade dos diálogos está muito bem preservada, e só isto já deixará o fã de cinema contente.

Abertura e intervalo estão igualmente preservados com tela escura, o que é ótimo, porque nas apresentações daquela época estes trechos da trilha eram reproduzidos com as cortinas fechadas! Ao tocar o disco esses dias, quando chegou próximo de 1:30 de duração, a imagem fica momentaneamente escura e a minha filha me pergunta: “Ué, acabou?”

Então, eu fui compelido a dizer que naquela época tinha intervalo, e de fato logo a seguir aparece o crédito com a mensagem “Intermission”. Melhor do que isso, só se nós estivéssemos de volta aos cinemas. [Webinsider]

. . . . .

Leia também:

http://br74.teste.website/~webins22/2016/12/21/esta-dificil-ir-ao-cinema-e-nao-e-por-causa-da-idade/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/12/31/tudo-sobre-o-dolby-atmos-o-som-3d-em-um-so-filme/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/12/05/sequencias-refilmagens-cinema-norte-americano-erram-acertam/

http://br74.teste.website/~webins22/2016/11/23/inafundavel-molly-brown/

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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9 respostas

  1. Caro Paulo, com sua licença quero dirigir-me ao Vinicios que se interessa por direção de fotografia: não deixe de ver ou rever o filme “O mensageiro do Diabo( The night of the Hunter)” de 1955, com esplendorosa imagem de Stanley Cortez. Nenhum cinéfilo purista poderá deixar de assistir a tão formidável espetáculo. Ah, a direção é de Charles Laugton que por sinal dirigiu poucas fitas.

  2. Caro Paulo, aproveitando o texto “no esplendor do 70mm”, revi ontem numa tv de 40″, depois de muitos anos, numa cópia excelente em DVD, “A Noviça Rebelde”. Que fotografia em TODD AO. Grande Robert Weise lá em 1965.

    1. É verdade, se bem que a versão em Blu-Ray deixa muito a desejar na parte de áudio, na minha opinião.

      Esse diretor foi injustamente criticado por vários de seus filmes. Mas, no conjunto da obra mostrou mestria em todas as filmagens, domínio absoluto da montagem e em travelling de câmera (você vê isso no filme que você citou várias vezes).

      Um dos seus bons filmes, “O Enigma de Andrômeda” recebeu um tratamento porco por parte da Universal, e por causa disso eu nem me abalei em importar o Blu-Ray. É um absurdo um filme desta estatura, que eu vi em 70 mm no cinema, ser lançado sem o som original. Quem não viu a versão em 70 mm não sabe o que se está perdendo.

  3. Caro Paulo, mais um excelente artigo. Só nós mesmos para avaliar e relembrar tudo de melhor que o cinema já apresentou.
    Fugindo um pouco, fico encabulado com a nossa tv e os vários formatos de tela que apresentam nas chamadas de programas e comerciais: ora 16:9, ora 2.35:1 e até 2.20:1 quando a imagem vira uma “tripa” na tela do aparelho. Onde chegaremos? Não existe um padrão?

  4. Olá, Vinicius,

    Em primeiro lugar, obrigado por prestigiar a coluna.

    Seria leviano da minha parte tecer comentários sobre um curso que eu não conheço. Por outro lado, eu tenho reservas pessoais no ensino à distância, porque eu acredito que o processo correto de aprendizagem demanda uma interação saudável entre aluno(a) e professor. Entendo que sob determinadas circunstâncias o curso à distância se torna a única forma de acesso ao conteúdo.

    O meu conselho a você é que antes de escolher qualquer curso, você deve procurar saber quem são os docentes envolvidos, se eles publicaram trabalhos e são estudiosos em suas áreas de atuação.

    Sugiro a você um contato com as duas pessoas que eu conheço e que são da área de cinema, com larga experiência no assunto, e que poderão te dar uma orientação mais aprofundada do que você quer. São eles:

    Rafael de Luna, professor do Departamento de Cinema e Vídeo da Universidade Federal Fluminense – http://www.cinevi.uff.br/corpo-docente/rafael-de-luna

    Hernani Heffner, professor, curador e pesquisador do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro – http://www.aicinema.com.br/professor/hernani-heffner/ ou http://mamrio.org.br/wp/

    Você pode falar em meu nome. Diga a eles exatamente o que você quer estudar e peça sugestões que possam lhe atender.

    É possível que nesta época do ano haja alguma dificuldade de contato, mas não desista de fazê-lo.

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