Se alguém ouvir com atenção a magnífica interpretação de Elis Regina da música “Dois P’rá Lá Dois P’rá Cá”, muito bem escrita na forma de um bolero por João Bosco e Aldir Blanc Mendes, irá notar no background um vocal com harmonia idêntica às melhores gravações das trilhas compostas por Henry Mancini, entre elas posso citar a de “Breakfast At Tiffany’s” (no Brasil, “Bonequinha de Luxo”): é só ouvir a faixa “Sally’s Tomato” e tudo se encaixa.
Quem viveu musicalmente as décadas de 50 e 60, ou colecionou álbuns desta época, provavelmente tomou conhecimento do maestro e compositor Henry Mancini, que fez algumas das melhores trilhas para cinema e televisão, com ênfase em arranjos jazzísticos em alguns casos.
Mancini passou grande parte da sua vida em estúdios cercado dos mesmos e excepcionais músicos, entre eles os irmãos Ted Nash e Dick Nash (sax e trombone, respectivamente), Jimmy Rowles (piano), Larry Bunker (vibrafone), Shelly Mane (bateria) e os fantásticos irmãos Pete Candoli e Conte Candoli, o primeiro com mais constância nas trilhas sonoras.
Reedições disponíveis
Não há dentro da discografia de Henry Mancini nada que se possa perceber como uma tendência musical específica ou excludente. A maior parte do material composto e gravado poderia ser classificada como “popular”, mas fica óbvio que o maestro ficou aberto para o que estava acontecendo no resto do planeta.
Em 1966 foi organizado o primeiro Festival Internacional da Canção Popular, transmitido na época pela TV Rio. Imagens do evento podem ser visto em um blog sobre o assunto. Diziam testemunhas que Mancini teria entrado no palco tremendo que nem vara verde. É até possível que seja verdade, porque o clima naqueles festivais era de amargar, vaias em profusão, parecia torcida de estádio de futebol, uma tristeza!
Em um documentário feito para a televisão inglesa na década de 1990, eu ouvi Henry Mancini se referir a “Wave” como uma das músicas mais bem escritas até hoje.
Se eu não tivesse ouvido eu mesmo, provavelmente não acreditaria que ele tivesse dito isso, não porque Wave não seja antológica, mas porque o acervo do maestro é recheado de pequenas obras primas!
Basta citar o tema do show de TV “Mr. Lucky”, com lindíssima introdução em órgão. Cantado com a ajuda do seu coral “Mr. Lucky” é ainda mais brilhante. A gravação faz parte do álbum “Dear Hart, And Other Songs About Love” (RCA, 1964), e eu confesso que eu incorporei este disco na minha coleção inicialmente só por causa desta faixa.
Olhando somente o lado jazzístico da obra de Henry Mancini nota-se que não houve discriminação sobre o veículo de comunicação ao qual o material composto se destinava. A trilha sonora de Peter Gunn é um exemplo claro disso, com um embasamento que serviu de base para ajudar a criar o clima do seriado, ao mesmo tempo em que se presta à construção de standards tanto de jazz quanto de música popular.
Pantera Cor de Rosa
Por causa do tema principal do filme “A Pantera Cor de Rosa”, o saxofonista Plas Johnson ficou conhecido por todo mundo. É virtualmente impossível ouvir o tema da pantera e não se lembrar dele!
A sequência de trilhas sonoras desde o início da década de 1960 é exemplar, todos os discos montados para o público, ao invés de serem cópias das trilhas propriamente ditas. As gravações envolvem o processo Living Stereo da RCA por vários anos.
É possível registrar a íntima associação com o diretor Blake Edwards ao longo deste período. Mas, Mancini ficou também conhecido pela trilha de “Touch Of Evil” (“A Marca Da Maldade”), obra singular do diretor Orson Welles.
Como cada pessoa tem o gosto que lhe compete e agrada, para mim o melhor álbum de Henry Mancini até hoje é Uniquely Mancini, gravado com a sua big band para a RCA, em 1963.
O disco foi lançado com o então processo “revolucionário” de fabricação de elepês chamado na época de Dynagroove. A BMG da Espanha nos fez o favor de reeditar o disco com excelente transcrição da master.
Nesta edição, o som é limpo, revelador nos detalhes e nos faz lembrar como valorizamos a edição antiga do elepê. Por outro lado, de “Living Stereo” a edição não tem nada, trata-se de uma gravação com métodos Dynagroove, usados nesta época.
Uniquely Mancini contém standards de música popular e Jazz, com arranjos envolventes e leves. Dá chance aos seus solistas e o mais importante é que nunca nos remete para os arranjos tradicionais do gênero, pelo contrário, percebe-se o toque do maestro e da sua criatividade.
Henry Mancini marcou as pessoas da minha geração durante anos. Ia-se ao cinema, e lá estava no fundo uma trilha sonora incomparável, o que nos levava a ir em uma loja e comprar o disco.
Seus arranjos influenciaram gerações, deixando um legado impressionante. No Brasil tocou-se Mancini diretamente (por exemplo, nas gravações de Eumir Deodato para o selo Equipe) ou indiretamente, como no arranjo da música de Bosco e Mendes citado no início deste texto.
Em qualquer hipótese, a obra do compositor está aí para ficar para todas as gerações que um dia se dispuserem a ouvir. [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.