Cineastas em Hollywood que o tempo não irá esquecer (2)

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Charles Chaplin nunca se perguntou o que é conteúdo. Talvez porque ele tivesse demais

É quase impossível para qualquer cinéfilo citar os cineastas de quem mais gosta. Nesta segunda parte, eu faço um esforço para acrescentar mais dois: Charles Chaplin e Frank Capra.

 

Às vezes eu me indago como crianças que passam fome na infância e depois conseguem se tornar adultos incubando dentro de si os sofrimentos, para se tornarem pessoas com conduta exemplar de qualquer tipo. A minha mãe mesmo me contava um exemplo de vida, de um amigo de infância que veio do nada, dormia em bancos de jardim (em cidades pequenas naquela época não havia repressão contra isso), mas que lutou, estudou e se tornou médico de sucesso.

Milagre? Não, esforço e otimismo!

De fato, existe uma fase do pós-adolescente de qualquer um onde o indivíduo se define como pessoa que quer integrar a sociedade, de forma correta e sem prejudicar ninguém, e dar o máximo de si mesmo para conseguir seus objetivos. É o momento de se definir a profissão ou os sonhos, caso eles não tenham existido previamente. É hora também de parar de viver de ilusão e ir à luta. Não é incomum nesta fase escolher uma profissão mais centrada na realidade do que aquela fantasiada na adolescência.

E um dos mais visíveis exemplos do que estou afirmando é o de Charles Spencer Chaplin, cuja carreira comento a seguir:

Charles Chaplin

Carlitos, Charlot, Little Tramp, Vagabundo, etc., foram nomes da tela para aquele que criou este personagem, Charles, Charlie, ou Chas Chaplin.

Chaplin teve início de vida conturbado, abandonado pelo pai e criado por mãe portadora de doença mental. Historiadores citam a experiência infantil de uma criança que evoluiu no meio da rua, mas que supostamente lhe deu depois inspiração para a criação de personagens de comédia e drama. Chaplin nunca soube onde e quando nasceu. A sua data de aniversário foi estimada de alguma maneira.

Seja como for, Chaplin começou a sua vida no cinema observando as notórias limitações da mídia e algum tempo depois, já como diretor, começou a inovar aspectos de tomada de câmera e montagem. A ele é atribuído, por exemplo, um dos primeiros movimentos de câmera assemelhado a um “travelling”, realizado em “Easy Street” (no Brasil, “A Rua da Paz”), no caso acompanhando os passos dos personagens na rua.

Em qualquer hipótese, Easy Street é um filme que acentua o desenvolvimento do vagabundo (The Little Tramp), seu principal personagem, que tem uma miríade de significados.

 

https://youtu.be/RIc6i62ftmA

 

Se existe uma classificação correta para “herói”, o vagabundo de Chaplin é ele mesmo. Em Easy Street, por exemplo, o valentão, dono da rua (magnificamente interpretado pelo ator inglês Eric Campbell) intimida o vagabundo tornado policial e enviado para aquele endereço, para mostrar quem manda ali.

O que se segue é um primor de comédia física, acentuada pela sofisticada e já mencionada movimentação da câmera, provavelmente feita com o uso de trilhos e não de grua (“dolly”). A ação e as gags cômicas são favorecidas pelo talento de Chaplin como bailarino improvisado, o que ele faz em muitos dos seus filmes da época.

O Vagabundo traz à tela as idiossincrasias dos desfavorecidos, é verdade, mas o personagem é idealista e consciente de que ele não tem lugar na sociedade. Existem cenas desses filmes onde se vê o personagem indo embora sozinho, com a íris da câmera fechando com ele na partida.

Em Luzes da Cidade (“City Lights”), na minha opinião um dos seus mais importantes documentos sobre a beleza espiritual do Vagabundo, Chaplin faz seu personagem doar uma fortuna que ele havia ganho de um milionário excêntrico para uma florista cega sem ter ele próprio um centavo sequer para si mesmo.

Ela não sabe quem é ele, porque em uma cena anterior o barulho da porta de um carro a faz pensar tratar-se de um milionário. Uma solução brilhante, que se revela emocionante quando o Vagabundo reencontra a florista já dona de sua loja.

 

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A timidez do encontro é fotografada quando Chaplin mostra seu rosto com a flor e a mão na boca, maneirismo típico das pessoas tímidas. O seu sorriso, entretanto, mostra paixão e deleite, ao ver o seu esforço recompensado. Não sei até hoje se Chaplin era um homem religioso, provavelmente não. Mas, esta cena mostra com notável didática o ato cristão de fazer o bem aos outros sem receber nada de volta!

Chaplin tinha reputação de rodar o mesmo plano um número absurdo de vezes, sendo comum mais de cinquenta tomadas. Aparentemente tudo isso foi preciso para que ele encontrasse soluções de cena, e tudo faz crer que ele nunca se detinha em roteiros previamente escritos.

Chaplin fez de tudo: foi produtor, diretor, ator, dançarino, e ainda tocava violino. Compôs a maioria das trilhas sonoras, que foram orquestradas por terceiros. No seu final de vida regia uma orquestra para se distrair, embora não se tenha notícia de que ele tenha tido educação formal em música.

Sua independência como criador cristalizou-se quando ele se juntou a Douglas Fairbanks, Mary Pickford e D. W. Griffith para fundar a United Artists. Griffith também havia sido um dos pioneiros do cinema, contribuindo com as produções sofisticadas da época.

Infelizmente, Chaplin teve a sua carreira interrompida por motivos políticos: acusado de comunista (não foi o único), perseguido sistematicamente por J. Edgar Hoover, o poderoso chefão do FBI, e depois “convidado” a se retirar do país.

Chaplin iria passar o resto dos seus dias na Europa, somente voltando para a América em 1972, para receber um prêmio da Academia. Deixou como legado cerca de 80 filmes, entre mudos e sonoros.

Em 1967 faz o seu último lançamento “A Condessa de Hong Kong”, contando com Marlon Brando e Sophia Loren. O filme é rodado em Panavision, e ele faz uma pequena ponta. Chaplin havia chegado à “modernidade técnica do cinema”, ainda que tardiamente.

Frank Capra

Este é mais um dos exemplos de um grande cineasta vindo de origens humildes. Frank Capra nasceu na Sicília e emigrou para os Estados Unidos aos cinco anos com a sua família. Começou a trabalhar cedo, tal como se fosse arrimo de família.

Continuou trabalhando durante o secundário e a faculdade, formando-se como engenheiro químico. Mas, como não conseguia emprego fácil na profissão, continuou lutando até um dia deixar de lado a engenharia e chegar aos estúdios de cinema.

Seus estudos como engenheiro facilitaram a sua transição para o cinema sonoro, formato este que muitos em Hollywood achavam ser apenas uma moda passageira.

Capra havia se tornado um apologista da inclusão do som nos filmes. Posteriormente, durante toda a década de 1930 ele realiza uma série de filmes com forte conteúdo católico e profundamente social.

Sua clara obsessão em mostrar o lado bom e generoso das pessoas o fez ser retratado pelos cínicos como “Capra-corn”, “corn” no sentido de “arcaico”, “antiquado”, ou “exageradamente sentimental”. Entretanto, estudiosos, ao notar o seu distinto jeito de contar uma estória com um pronunciado lado social, preferiram classificar o seu estilo como “Capraesque”, em alusão ao grande número de filmes que mostram esta influência.

Ao longo do tempo muitos cineastas se inspiraram em Capra. Um dos exemplos mais recentes é o de Brett Ratner, com seu filme “Um Homem de Família”, fundamentalmente “Capraesque”.

O filme de Ratner segue um roteiro que mais parece tirado quase que integralmente do antológico “It’s a Wonderful Life” (no Brasil, “A Felicidade Não Se Compra”).

Wonderful Life foi feito em uma fase pós guerra e sem o mesmo sucesso na época dos seus filmes anteriores. No entanto, o filme é brilhante, com tomadas de cenas que enfatizam oticamente a personalidade de seus personagens. A estória pode até fazer jus, se quiserem, ao ditado popular da língua portuguesa “por trás de um grande homem existe uma grande mulher”, já que existe uma heroína ao lado do principal personagem.

A estória é simples: George Bailey é um homem que constantemente desiste de seus projetos para dar lugar à ajuda aos necessitados, em uma ação social que irrita o banqueiro da cidade, que faz o oposto. Logo no início do filme um anjo é convocado para ajudar Bailey sem no início saber por que. Trata-se da ajuda a um homem desesperado, que endividado por um erro de um parente seu, se sente um homem fracassado, contemplando suicídio por achar que sua família estaria melhor sem ele.

O anjo desce à terra para lhe mostrar como seria a vida dos outros e da sua mulher se ele não tivesse existido.

Na sua trajetória, George Bailey reencontra Mary Hatch, por quem não achava correto se unir, por ser mais velho do que ela, mas Mary é uma mulher determinada a se casar com ele. No filme, A belíssima atriz Donna Reed desempenha este papel com notável dignidade, ganhando depois o prêmio da Academia como melhor atriz coadjuvante em 1953.

Basta assistir a algumas cenas para perceber que Capra explora o carisma da atriz com a câmera em angulação privilegiada:

 

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Aqui se vê o sorriso de uma mulher reencontrando quem ela acha ser o homem da sua vida. Bailey, igualmente bem interpretado por James Stewart, reluta até o fim em aceitar esta paixão, porque Mary estaria comprometida com um seu amigo de infância.

O desenvolvimento do jogo afetivo entre Mary e George vai paulatinamente do flerte à tensão entre os dois, em uma sequência raramente vista no cinema, deixando a plateia em um suspense do momento do desenlace final, quando Bailey finalmente admite que Mary será a mulher com quem irá se casar.

É notável de se ver a sutileza de Donna Reed na hora de flertar, provocando George Bailey com comentários ou perguntas que nada tem a ver com os interesses dele.

Frank Capra escrevia roteiros, mas era outro cineasta que improvisava no momento da filmagem. Sabia como ninguém aproveitar o momento cênico dos atores. Em uma cena de Wonderful Life o ator Thomas Mitchell (Tio Billy) sai de cena bêbado, alguém deixa cair algo pesado no set, fazendo uma barulheira, o ator grita o caco “Eu estou bem…”, e Capra intuitivamente deixa a cena intacta no filme.

O brilho de Frank Capra se traduz não só na maneira de fazer seus filmes, mas na retórica humana do desenvolvimento dos roteiros, e foi isso, em última análise que deixou a sua marca registrada (“Capraesque”) e o seu legado em um monte de cineastas jovens que vieram a seguir.

Epílogo?

Bem, eu poderia aqui gastar horas e páginas falando sobre cineastas que influenciaram a minha vida prévia de cinéfilo. Talvez haja espaço para muitas outras partes deste mesmo assunto. O que me alivia hoje é ter a sorte de colecionar muitos destes filmes. A alta definição e o mais moderno equipamento de telecinagem trazem aos discos uma imagem exemplar.

Assim, se os cinemas de rua desapareceram, resta o consolo de poder “ver de novo” em casa, quantas vezes a gente quiser. As coleções são importantes, porque serviços de streaming ou TV paga colocam e tiram filmes do ar ao seu bel prazer. Os filmes que a gente coleciona estarão aqui sempre que precisarmos, e servem de referência para a vida de fãs que nós tivemos.

 

Outrolado_

 

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Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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