Interpolação de dados e reconstrução da onda musical são elementos técnicos que trabalham para melhorar a qualidade na reprodução do áudio digital.
Eu fui testemunha do lançamento do Compact Disc, em fins de 1982 e início de 1983. Até então, qualquer usuário que comprasse Lps de qualidade saberia que algumas gravações estavam sendo feitas em fitas PCM com os equipamentos ADC de estúdio da época, mas o PCM propriamente dito nenhum consumidor doméstico havia escutado na forma de um disco.
E como em todo novo formato desconhecido pelo público que consome este tipo de produto, as controvérsias foram imediatas, muitas das quais sem base argumentativa alguma. Notava-se naquele momento que a histeria xenofóbica de alguns audiófilos era resultado da ameaça pura e simples da mudança de ambiente. Para outros, e nisso me incluo e a meus conhecidos, foi preferível esperar para ver se o novo formato tinha a qualidade anunciada ou não. Para tal, era preciso conhecer as bases nas quais o PCM havia sido adotado como um novo meio de gravação.
O áudio digital não apareceu só porque os pesquisadores da área queriam se livrar do formato analógico. Ele surgiu como uma expectativa de contornar problemas crônicos para os quais a engenharia de áudio nunca conseguiu solução adequada.
Mas, como todo formato inovador, ele apareceu ainda cercado de dúvidas e problemas. E para não citar todos, eu peço licença ao leitor para me deter em um deles, bem mais próximo do usuário, que se refere ao valor de amostragem e resolução em bits.
Eu não posso, em sã consciência, entrar no mundo matemático que só os engenheiros dominam, portanto irei me limitar ao ultra básico:
Um dos objetivos mais fundamentais para a mudança de ambiente, do analógico para o digital, foi ultrapassar valores conservadores e insuperáveis de relação sinal/ruído, ruído de fundo, extensão da faixa dinâmica, etc. E, de fato, nos resultados obtidos com a introdução do PCM uma série de vantagens foi observada em todas essas medições, sem falar que a ampla resposta de baixa frequência e a ausência de flutter (variação de frequência no tempo) foram fatores ainda mais decisivos.
Por outro lado, problemas inerentes à codificação e decodificação da onda musical iriam ficar pendentes por um período considerável de tempo.
Basicamente, a maior queixa neste sentido era baseada na frequência de amostragem e na resolução em bits. Para amostrar e quantificar uma onda musical é preciso medir pontos na maior frequência possível, seguindo os preceitos do teorema de Nyquist-Shannon, que diz que a frequência de amostragem deve ser o dobro da frequência mais alta do espectro capturado. Ou seja, para amostrar 0 Hz até 24 kHz, a amostra tem que ser feita em 48 kHz. Para o CD o valor desejado se estende de 0 Hz a 22.05 kHz, com uma amostragem de 44.1 kHz.
Na prática o que se vê é que quando a onda musical é capturada, cada ponto dela precisa ser medido, em um processo chamado de quantização. Idealmente, a quantidade de pontos quantizados e as medidas obtidas deveriam ser tais que a onda musical pudesse ser depois reconstruída (na volta ao domínio analógico) e reproduzida fielmente.
Infelizmente, nem todos os pontos da onda conseguem ser medidos com a precisão desejada, e assim alguns valores de quantização precisarão ser arredondados ou então truncados. A diferença entre o valor real de um ponto da curva e o valor aproximado obtido neste cálculo é chamado de erro de quantização, e este erro poderia, em princípio, se tornar audível. Se for, ele é denominado de ruído de quantização.
O erro e, por conseguinte, o ruído resultante da medição imprecisa dos pontos da onda musical, são ambos proporcionais ao baixo número de bits usados para fazer cada medição, o chamado “bit depth”. Embora 16 bits seja satisfatório para a maioria das aplicações, valores cada vez mais altos em bits passaram a ser usados com o correr do tempo, como 20, 24 e 32 bits, de modo a preservar a acuidade da onda musical amostrada.
As diferenças de resolução
Embora na década de 1970 se tenha calculado que seriam necessários 16 bits em uma taxa de medição de 44.1 kHz para que o Compact Disc pudesse capturar e reproduzir uma onda musical completa, vários estúdios de gravação preferiram usar equipamentos com taxa de amostragem maior.
Um desses exemplos é o do Soundstream, que trabalha a 50 kHz, embora em 16 bits. Para fazer a master de um CD nestas circunstâncias foi preciso converter a amostragem obrigatoriamente para o padrão de 44.1 kHz. Se este padrão fosse alterado para qualquer outro valor a compatibilidade do formato estaria automaticamente perdida. O processo de conversão asseguradamente nunca foi satisfatório, segundo as próprias gravadoras. E quando da conversão deste material a 50 kHz para DSD finalmente se pode, segundo estas mesmas fontes, ter completa fidelidade na transcrição integral da fita de estúdio.
Por causa disso, outras gravadoras preferiram gravar PCM em 44.1 kHz e 16 bits, e transpor o resultado para a master do CD, o que foi feito durante décadas. A Meridian, por exemplo, chegou a propor e executar um processo de gravação direta em CD-R, aliás, com excelentes resultados:
Decodificação digital-analógico, o grande desafio
A história nos prova, sem sombra de dúvida, que existiram limitações na reprodução de CDs por culpa de chipsets decodificadores que sequer chegaram a 16 bits de resolução, não importa quantos malabarismos técnicos fossem feitos.
Tudo isso mudou, com a introdução em 1993 pela Philips do decodificador TDA1547 (DAC-7) no player CD-950. O DAC-7 foi depois usado pelos fabricantes de players high end. Eu o tive no 950 durante muitos anos, e sou testemunha da qualidade do som na conversão do sinal digital para o analógico. O DAC-7 fazia parte de uma linha de conversores que levava o nome de Bitstream, que consistia em um maciço aumento da amostragem do sinal original do CD em cerca de 256 vezes a 1 bit, e a partir da onda convertida usar uma filtragem analógica ultra suave, e com pouco ou nenhum dano ao sinal de origem. A onda convertida pelo DAC-7 chega a 17 bits de resolução.
A melhoria do processo de decodificação demonstrou que o sinal PCM, gravado no CD sem nenhuma compressão, poderia ser finalmente revelado em toda a sua plenitude. Na década de 1990 eu tomei a liberdade de escrever uma carta ao principal engenheiro de gravação e proprietário da gravadora Telarc Jack Renner, comentando este fato. E ele me respondeu relatando que eles lá também tinham feito idêntica observação. Notem que isto aconteceu muitos anos da Philips e a Sony introduzirem o SACD, que se baseia na amostragem a 1 bit, em altíssima velocidade. A diferença entre o PCM e o DSD é no método de amostragem, contestado neste último até hoje por alguns por usar apenas 1 bit, é verdade, mas os resultados sônicos são excelentes e estão aí para quem quiser ouvir.
Quase todos os fabricantes que projetam circuitos decodificadores vêm, ao longo desses anos, sofisticando cada vez a transformação do sinal digital, no que tange à taxa de amostragem da fonte e independente da compressão ou perda.
Eu venho usando um equipamento Denon, por exemplo, no qual o fabricante implementou um circuito com o nome de AL32, que cobre toda a reprodução multicanal. O chip conversor avançado desta série recalcula o sinal de 44.1 kHz de um CD, indo de 16 para 32 bits, retificando a senoide da onda musical por algoritmos de interpolação de dados, para uma completa restauração do material gravado e/ou aperfeiçoamento de alguns parâmetros da reprodução do espectro de frequência, ao gosto do usuário final. O algoritmo do AL32 interpola pontos na onda, de modo a alcançar o local de medição mais provável de cada ponto interpolado.
A “reconstrução” da onda musical em tempo real é possível por causa do alto poder de processamento dos chips decodificadores. Além disso, a maior precisão de amostragem diminui ou até elimina o erro de quantização, simultaneamente ao acerto do resto dos parâmetros que fazem parte da conversão digital para analógico. O resultado é um sinal limpo, dinâmico e isento de distorção.
Eu venho ouvindo o AL32 avançado já próximo de uns dois anos. O resultado com o difamado CD é ímpar. Como na minha coleção de discos eu tenho títulos de aproximadamente 34 anos de idade, eu posso confirmar com convicção de que o benefício é notório e inquestionável.
E o debate analógico contra digital continua, com os percalços de sempre
Eu observo seguidamente vídeos do YouTube fazendo elogios ou reclamando do disco de vinil. Outro dia mesmo esbarrei em uma reclamação de um disco de vinil, que diz o seu proprietário que custou 50 dólares e veio com defeito, prensado em uma fábrica de altíssima reputação entre os audiófilos:
O cidadão que postou o vídeo reclama que o Lp foi trocado, mas o novo veio com o mesmo problema. Vendo isso, eu fico admirado de ver pessoas sacrificando o orçamento, gastando fortunas, em um produto falido desde a virada do século 19, mas que continua super cultuado por aqueles que entendem que o som do vinil é melhor.
Na década de 1950 a realidade era outra: mais ou menos pela metade da década a fita pré-gravada estereofônica foi lançada e com grande qualidade na reprodução do áudio. Somente em 1958 o primeiro Lp estereofônico foi lançado no mercado, e a fita perdeu lugar para ele, não por causa da qualidade, mas por causa do preço e da maior dificuldade de manipulação da mídia.
Mas, enfim, cada um sabe o que é melhor para si. O tempo que se perde o preço alto que é pago bem poderia ser gasto acompanhando o que se passa no ambiente digital. Pessoas com ouvido crítico mas com observação equilibrada poderiam mudar de opinião frente ao que já existe nos modernos circuitos decodificadores e parar de condenar ou desqualificar o áudio digital. Outrolado_
. . .
Leia também:
Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.
0 resposta
Paulo satisfação em retomar o contato.
Seu tema sobre a evolução da reprodução do audio digital, é uma aula que nos remete ao grande estudioso em som, o físico Galileu Galilei.
Uma viagem que percorreu a evolução do audio analógico, até os progressos do digital. Teria muito a comentar mas na minha condição de leitor, só farei algumas colocações. O segredo da evolução do aúdio digital creio que necessariante passará pelo aprimoramento dos chips conversores DAC (como você descreveu com seu Denon), juntamente com a adoção de um outro formato de gravação, com quase nenhuma compressão. Entendo que o atual formato de gravação (CDA) dos CD’s está superado, e não tem como evoluir. O SACD (sucessor natural do CD) infelizmente não foi a frente, DVD-A ocorreu a mesma coisa. No campo digital a saída para o único heroi da resistência (o CD ainda o mercado), seria a adoção de novos codecs (do tipo ATRAC3plus desenvolvido pela Sony e compatível com o .CDA da Microsoft). Quanto ao Vinil na minha opinião (muito pessoal a nível Brasil), ele atualmente é a “melhor opção disponível em audio analógico” para quem não dispoe de espaço, e muito $$$ para ter em casa uma Studer A-80. Abração Paulo.
Olá, Rogério,
Mais uma vez obrigado pela leitura e pelos comentários, sempre muito sensatos.
Eu estou com um texto ainda em andamento, que deverá entrar na pauta do Outro Lado a qualquer hora dessas, e que faz uma revisão sobre os codecs de áudio mais importantes que ainda estão por aí. Eu pretendo provar que o DSD está muito mais vivo do que as pessoas pensam, e não só no high end.
Agora, se você me permite, uma pergunta de curiosidade: você daria 50 dólares por um Lp?
Paulo sua nova reportagem (em maturação) sobre os codecs , certamente trará novos horizontes e esperança de um novo degrau na evolução do áudio digital. Aguardarei ansioso pela matéria. Quanto ao Lp vamos lá… reúno na minha casa uma pequena discoteca, e sempre que desejo ouvir algo, recorro a essa coleção. Quanto aos “novos LP’s” (vendidos a peso de ouro) é um capítulo a parte. Definitivamente não compraria. Pois a tecnologia “mista” empregada (ao meu ver) não vale o que se paga. O Vinil “antigo” de sebos ou colecionadores (gravados em equipamentos profissionais de 24, 36, 48 canais “analógicos”), são o único resquício que sobrou de bom de uma era que acabou. Já em relação as novas gravações em Vinil (no qual os estúdios utilizados não reúnem todo cuidado técnico utilizado no passado), se traduz no final do processo de uma matriz de Vinil proveniente de um sinal digital, que foi convertido na hora de fazer a madre de prensagem. Você deve entender meu ponto de vista Paulo. Existe o analógico puro (captação, mixagem, edição, matrizagem e prensagem analógica) e o processo misto. Você que ouve muito Cd’s lembra do antigo código SPARS ? AAA, AAD, ADD, DDD. Essas siglas se traduzem na fronteira entre o melhor do analógico somado ao digital. Seria isso Paulo.
Os últimos elepês que eu guardei, todos de grande valor para mim, corte direto, half speed mastered, etc., foram doados a um amigo. Depois disso, foi um caminho sem volta e eu te juro sinto pena de quem ainda gosta e se vê obrigado a ser explorado por um mercado que perdeu a compostura, se quiser comprar um disco novo. E para quê, eu te pergunto, cortar em 45 rpm, cobrar uma nota sentida, e no final com um som muito abaixo de uma remasterização em SACD de bom nível.
Eu lembro e já citei nos meus textos as siglas propostas pela Polygram, siglas que foram motivo da anedotas entre os meus amigos colecionadores na década de 1980, quando um perguntava para o outro, na base da farra, “É DDD???”
Paulo satisfação em retomar o contato.
Seu tema sobre a evolução da reprodução do audio digital, é uma aula que nos remete ao grande estudioso em som, o físico Galileu Galilei.
Uma viagem que percorreu a evolução do audio analógico, até os progressos do digital. Teria muito a comentar mas na minha condição de leitor, só farei algumas colocações. O segredo da evolução do aúdio digital creio que necessariante passará pelo aprimoramento dos chips conversores DAC (como você descreveu com seu Denon), juntamente com a adoção de um outro formato de gravação, com quase nenhuma compressão. Entendo que o atual formato de gravação (CDA) dos CD’s está superado, e não tem como evoluir. O SACD (sucessor natural do CD) infelizmente não foi a frente, DVD-A ocorreu a mesma coisa. No campo digital a saída para o único heroi da resistência (o CD ainda o mercado), seria a adoção de novos codecs (do tipo ATRAC3plus desenvolvido pela Sony e compatível com o .CDA da Microsoft). Quanto ao Vinil na minha opinião (muito pessoal a nível Brasil), ele atualmente é a “melhor opção disponível em audio analógico” para quem não dispoe de espaço, e muito $$$ para ter em casa uma Studer A-80. Abração Paulo.
Olá, Rogério,
Mais uma vez obrigado pela leitura e pelos comentários, sempre muito sensatos.
Eu estou com um texto ainda em andamento, que deverá entrar na pauta do Outro Lado a qualquer hora dessas, e que faz uma revisão sobre os codecs de áudio mais importantes que ainda estão por aí. Eu pretendo provar que o DSD está muito mais vivo do que as pessoas pensam, e não só no high end.
Agora, se você me permite, uma pergunta de curiosidade: você daria 50 dólares por um Lp?
Paulo sua nova reportagem (em maturação) sobre os codecs , certamente trará novos horizontes e esperança de um novo degrau na evolução do áudio digital. Aguardarei ansioso pela matéria. Quanto ao Lp vamos lá… reúno na minha casa uma pequena discoteca, e sempre que desejo ouvir algo, recorro a essa coleção. Quanto aos “novos LP’s” (vendidos a peso de ouro) é um capítulo a parte. Definitivamente não compraria. Pois a tecnologia “mista” empregada (ao meu ver) não vale o que se paga. O Vinil “antigo” de sebos ou colecionadores (gravados em equipamentos profissionais de 24, 36, 48 canais “analógicos”), são o único resquício que sobrou de bom de uma era que acabou. Já em relação as novas gravações em Vinil (no qual os estúdios utilizados não reúnem todo cuidado técnico utilizado no passado), se traduz no final do processo de uma matriz de Vinil proveniente de um sinal digital, que foi convertido na hora de fazer a madre de prensagem. Você deve entender meu ponto de vista Paulo. Existe o analógico puro (captação, mixagem, edição, matrizagem e prensagem analógica) e o processo misto. Você que ouve muito Cd’s lembra do antigo código SPARS ? AAA, AAD, ADD, DDD. Essas siglas se traduzem na fronteira entre o melhor do analógico somado ao digital. Seria isso Paulo.
Os últimos elepês que eu guardei, todos de grande valor para mim, corte direto, half speed mastered, etc., foram doados a um amigo. Depois disso, foi um caminho sem volta e eu te juro sinto pena de quem ainda gosta e se vê obrigado a ser explorado por um mercado que perdeu a compostura, se quiser comprar um disco novo. E para quê, eu te pergunto, cortar em 45 rpm, cobrar uma nota sentida, e no final com um som muito abaixo de uma remasterização em SACD de bom nível.
Eu lembro e já citei nos meus textos as siglas propostas pela Polygram, siglas que foram motivo da anedotas entre os meus amigos colecionadores na década de 1980, quando um perguntava para o outro, na base da farra, “É DDD???”