Do fonógrafo ao gramofone, quem inventou a música gravada?

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Quem inventou a música gravada? O cilindro de Edison funcionava com uma folha de estanho, enrolada em um cilindro de metal, onde, através de uma corneta, uma agulha cortava o som em sulcos com profundidade vertical. Já o gramofone, ao contrário, usava um disco de metal, onde o sulco era cortado lateralmente.

Thomas Edison inventou (?) o cilindro como mídia de gravação, mas posteriormente Emil Berliner fez a mesma coisa com um disco. Os dois levaram anos disputando quem foi o inventor da música gravada, mas no final a indústria fonográfica foi criada em torno do disco de Berliner, com variações de manufatura que duram até hoje.

 

Eu era, segundo o testemunho da minha mãe, um bebê de cerca de 9 meses de idade, quando parei de chorar no momento em que a minha tia, irmã dela, chegou em casa com o disco de 78 rpm com o clássico de Lupicínio Rodrigues “Vingança”, cantada por uma das irmãs Batista. Depois de observar isso, a mamãe e a minha tia me viram crescer fascinado com o som saindo de um disco fonográfico.

Na meninice, a minha mãe deixava ao meu lado uma pilha de discos 78 rpm, que eu sozinho mesmo colocava em um toca-discos, que tinha o botão “Repeat”, que eu gostava de ver funcionando. No entanto, como qualquer criança curiosa, desde o início eu queria saber como era possível sair som musical de um disco!

Na realidade, as gravações que se ouvia em disco tiveram origens diversas e os dois nomes creditados pelo fenômeno da gravação foram, respectivamente, Thomas Edison, quando este inventou (?) o fonógrafo, e Emil(e) Berliner, quando surgiu então o gramofone.

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O cilindro de Edison funcionava com uma folha de estanho, enrolada em um cilindro de metal, onde, através de uma corneta, uma agulha cortava o som em sulcos com profundidade vertical. Já o gramofone, ao contrário, usava um disco de metal, onde o sulco era cortado lateralmente.

Supostamente, o corte lateral no disco tinha muito menos distorção que o corte vertical do fonógrafo. Mas, há quem afirme o contrário: na década de 1970, eu li um livro (que está disponível até hoje, com outra capa) intitulado “From Tin Foil To Stereo: Evolution Of The Phonograph”, onde seus dois autores Oliver Read e Walter L. Welch, argumentam que quando a agulha corta o sulco com aumento de profundidade o som é muito melhor. Eles ainda afirmam, com base no corte do disco estereofônico moderno, o qual usa parcialmente o corte vertical, que a qualidade do áudio é ajudada por este tipo de corte. Como esses dois autores babaram na alegada genialidade de Thomas Edison, eu sempre achei essas conclusões suspeitas.

Edison foi uma daquelas figuras cercadas de controvérsias e polêmicas. Muitos afirmam que ele pensava no fonógrafo, mas não foi ele e sim um dos seus ajudantes que desenhou e construiu o primeiro aparelho. Claro que isso foi contestado no livro de Read e Welch.

O que nenhum desses dois autores conseguiria contestar é que se provou na prática que a duplicação de cilindros nunca foi para a frente, então comercialmente a venda de cilindros gravados acabou sendo um fiasco, e a invenção de Edison caiu no vazio.

formacao e propagacao do som

É interessante se observar que o cilindro tem algumas virtudes que o disco nunca teve: a velocidade linear da agulha de corte poderia ser mantida constante, mas o disco precisa rodar com uma velocidade tangencial constante, e com isso a velocidade linear cai quando a agulha se aproxima do centro do disco, provocando a distorção do material gravado. Além disso, discos analógicos são tocados por um braço, que tem uma significativa distorção geométrica, coisa que o cilindro nunca teve.

Esses problemas do disco analógico nunca tiveram uma solução satisfatória, tanto assim que os tornos de corte de acetato mais modernos usaram cabeças magnéticas de pré-escuta da fita magnética matriz, para alterar parâmetros de corte no torno, e diminuir a distorção resultante de vários fatores, inclusive o da queda de velocidade linear. Nos discos de corte direto do passado, o conteúdo gravado era limitado, justamente para evitar que a agulha de corte chegasse a uma região crítica do centro do disco.

A disputa de sempre: Edison, Berliner, patentes e credibilidade dos inventores

O sucesso na duplicação do disco fonográfico propiciou o crescimento deste segmento da indústria. Berliner inventou o disco de shellac, uma espécie de goma laca, que era prensada para a velocidade padrão de 78 rpm posteriormente. O disco de shellac, entretanto, era frágil, muito duro, e forçava o usuário a ter cuidado e trocar a agulha de reprodução depois de um certo número de discos tocados. O usuário era obrigado a ter um caixinha de agulhas ao lado do toca-discos, de modo a poder continuar a ouvir música.

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O gasto de agulhas provocado pelo atrito com o sulco dos discos perdurou por anos a fio, mesmo depois da substituição do shellac pelo polímero do cloreto de eteno, plástico apelidado de vinil. Por um longo período de tempo, a reprodução de elepês se deu por agulhas com ponta de safira, com uma duração de cerca de uns seis meses, após o quê a distorção aparecia e a agulha teria que ser trocada. Essas agulhas foram depois substituídas por outras com ponta de diamante, que duravam muito mais, enquanto que a massa de vinil passou a ser dopada com lubrificantes, de modo a diminuir o atrito inevitável entre a agulha e o sulco dos discos. Nada disso, entretanto, impediu que ruídos derivados de fraturas do plástico ou atritos da agulha com os sulcos deixassem de aparecer na audição dos discos;

A indústria fonográfica

Depois da disputa entre Edison e Berliner, e o descrédito do primeiro, o cachorro Nipper, anteriormente desenhado diante de um fonógrafo, foi modificado ouvindo um gramofone. Essa história de disputa é longa, e o logo “His Master’s Voice” (A Voz Do Dono) acabou como símbolo dos discos da Victor (depois RCA Victor), com a imagem estampada nos selos:

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A indústria fonográfica, com o uso dos discos de Berliner prosperou, e se espalhou para o mundo todo. O cilindro de Edison virou peça de museu. Berliner substituiu o disco de metal por um disco de cera, para que as gravações fossem feitas com mais qualidade.

Engraçado é que Doug Sax e Lincoln Mayorga, ao criar os discos de corte direto, juravam que ouviram discos antigos com um som de piano superior aos elepês da época, atribuindo a diferença ao uso da fita magnética para o corte de acetato. Os críticos das revistas de áudio daquela época classificaram o trabalho dos dois de “Back To Basics”, e com toda a razão, porque a fita magnética permitiu a edição do conteúdo antes do disco ser cortado. Sax e Mayorga, para fazer um disco de corte direto, só poderiam gravar direto no torno de corte de acetato sem pausa na gravação, portanto um retrocesso indesejável.

Sax e Mayorga inicialmente não informaram aos seus usuários que eles gravavam também em fita magnética, por precaução. Como a prensagem de discos é limitada em número de cópias, os discos de corte direto passaram a ser vendidos por preços elevados. Quando se soube que os discos de corte direto envolviam cópias em fita magnética, muita gente reclamou horrores nas revistas de áudio que eu lia naquela época. A história se repetiu quando a Mobile Fidelity usou fontes de áudio digital para fazer elepês caros, de alta qualidade.

Até hoje, eu noto que colecionadores radicais de discos analógicos se sentem diminuídos com o abandono do disco de vinil. Várias empresas independentes perceberam isso e reativaram a prensagem de vinil, usando massa de alto grau de pureza e com maior gramatura. Tudo isso, é claro, tem um custo, e o preço de um elepê desses excede sobremaneira o das outras mídias. Mas, como se trata de um nicho, só tem mesmo prejuízo quem se dispõe a continuar usando vinil para ouvir música!

Infelizmente, a indústria fonográfica como um todo, teve os seus dias contados, e muitos estúdios importantes fecharam. O disco fonográfico foi pelo mesmo caminho, todo mundo hoje preferindo ouvir música por streaming, através de um telefone celular com fones de ouvido.

As preferências de cada um

Para aqueles que, como eu, abandonaram de vez os elepês, a persistência de fabricar e/ou usar um disco fonográfico convencional deixou de fazer sentido há décadas. Meus amigos audiófilos mais próximos, que decidiram manter seus elepês, nunca deixaram de ter em mente de que o áudio digital é igualmente colecionável e infinitamente mais duradouros.

Na década de 1980, eu li com muito interesse o livro do Professor Ken Pohlmann chamado “Principles of Digital Audio”, e descobri ali as razões que me fizeram acreditar que o áudio analógico teve seus méritos, mas teria que se destinar eventualmente ao arquivamento e/ou preservação do material gravado.

Os atuais codecs de áudio digital, aliados a um equipamento de reprodução adequado, alcançam níveis de qualidade que o ambiente analógico nunca atingiu. Eu tive a chance de mostrar isso a uma pessoa que não tem conhecimento de áudio algum, e ela ficou impressionada com o que ouviu.

Eu sempre argumento que música ou áudio nunca devem ser impostos a ninguém. Na minha casa, eu deixei meus filhos serem expostos ao que eu ouvia, mas com total liberdade de escolha do que eles filhos gostariam de ouvir, e assim foi quando mais amadurecidos.

É por isso que, às vezes, eu vejo no YouTube e em alguns sites, pessoas insistindo que o que elas ouvem é melhor, se esquecendo que o ouvido humano tem resposta de frequência peculiares para cada indivíduo, e que o cérebro humano responde emotivamente da mesma forma, ou seja, o que é bom para mim provavelmente não o será para quem está do lado.

Durante a minha vida toda eu vi e ouvi preconceitos arraigados sobre áudio e música, e creio que mesmo hoje isto não vai mudar. Mas, a solução é simples: basta a gente se concentrar naquilo que se tem de melhor, auditiva e musicalmente, e que cada um seja feliz com o que quiser! [Webinsider]

 

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A saga dos discos de corte direto

 

A traição digital para os fãs do vinil

Avatar de Paulo Roberto Elias

Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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