The Beekeeper: ultraviolência como background para algo mais importante

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The Beekeeper extrapola a mera ultraviolência para focar na vingança contra criminosos que subiram ao topo do poder político.

Criminosos cibernéticos usam a tecnologia para enganar aqueles que pouco ou nada conhecem aquilo que estão usando. The Beekeeper extrapola a mera ultraviolência para focar na vingança contra criminosos que subiram ao topo do poder político.

 

Existe uma miríade de filmes com conteúdo sem sentido, todos recheados de uma violência absurda, com o herói matando o que aparece na frente, como se ele estivesse jogando um videogame deste tipo.

Por isso, quando aparece algo diferente do habitual, é possível prestar atenção ao que está exposto no roteiro. The Beekeeper é um desses filmes.

Eu costumo me interessar em filmes de ação onde o ator britânico Jason Statham aparece como ator principal. Dá para notar que ele personifica mais ou menos o mesmo tipo de personagem. Nem todos os filmes são do mesmo quilate, mas alguns extrapolam a simples violência, para atacar um aspecto social relevante.

Assim, eu esbarrei no filme The Beekeeper, de 2024, no Prime Video da Amazon. O filme até já saiu em Blu-Ray 4K, mas importar hoje em dia é um tremendo prejuízo, então no streaming da Amazon dá para ver, mesmo sem Dolby Vision e Atmos, que fazem parte do lançamento.

Muita gente que viu não percebeu nada…

Não me causa surpresa que, em se tratando de Jason Statham e filmes de ação, a maioria que assiste procura somente a parte que envolve o personagem se vingando de alguma injustiça, com coreografias de artes marciais.

Mas, The Beekeeper passa muito além da mera violência (ultraviolência, neste caso) e mostra com clareza como a sociedade dos poderosos usurpa e tira a vida de quem não tem proteção contra criminosos cibernéticos. Na realidade, o filme é sobre a corrupção do sistema e daqueles que são protegidos pelo mesmo, pelas suas ligações nas altas esferas do poder constituído.

Os “Beekeepers” (“apicultores”) fazem parte de uma entidade secreta, treinada pelos órgãos de segurança, mas que se tornou clandestina. Por isso, Adam Clay (Statham) se aposenta e se recolhe a uma região rural, onde ele vive afastado, cuidando de suas colmeias. Adam aluga o galpão de sua vizinha Eloise, mantendo com ela uma amizade.

Desde o início do filme, o roteiro faz uma analogia inteligente entre o mel das abelhas, a estrutura das colmeias, e as vespas que atacam as abelhas, com a sociedade atual. E de posse desta analogia, Clay logo no início se livra das vespas, para “proteger” as colmeias da destruição.

O filme enfoca desta forma o golpe mais comum da vida on-line. O computador de Eloise é infectado, com a tela indicando um número para o qual ela deve ligar para supostamente ter acesso novamente aos seus arquivos. A ligação cai em um call center, onde o golpe é dado e ela perde tudo. Depois, desesperada, ela se suicida.

O apicultor da estória, revoltado com aquele golpe, resolve ir a fundo e depois sair destruindo o esquema, quando a partir daí, o filme se torna ultraviolento. Mas, no final, catártico, porque muita gente é vítima dos golpes no computador e no celular, guiados por criminosos que se valem da inexperiência e falta de conhecimento da vítima, no trato dos computadores!

O mais importante, porém, ainda vem depois: descobre-se que o golpe é dado pelo filho da presidente dos Estados Unidos, e aí o diretor do filme tenta mostrar até onde a corrupção do estado se estende. Novamente, a analogia com a abelha rainha serve de base para o herói vingador cortar o mal pela raiz, literalmente.

Quem hoje em dia não é vítima dos crimes cibernéticos?

O filme do diretor David Ayer se concentra principalmente em mostrar o prazer dos criminosos quando enganam suas vítimas, aumentando com o isso o escapismo e a catarse daqueles que conhecem ou são vítimas deste tipo de crime.

É incrível a gente perceber que a tecnologia que se espelha nos celulares e computadores, tornando ambos máquinas poderosas e que ajudam todos a ter facilidades para viver e se comunicar, pode servir também de base operacional para aqueles vigaristas que têm prazer de enganar os outros, e ganhar rios de dinheiro com isso. É muito comum saber de conhecidos que tiveram seus celulares clonados, ou de vítimas de ligação telefônica com propostas atraentes, nas quais as vítimas, ingenuamente, se deixam levar antes de cair no golpe.

O roteiro faz questão de escalar o esquema de golpes, ligando o grupo de criminosos a empresas envolvendo corporações e, neste caso, o próprio governo americano. Este script já foi visto em outros filmes de ação, mas em The Beekeepers ele é bem mais direto e didático.

As críticas sem base alguma

Depois que o personagem John Wick apareceu em vários filmes, se vingando dos algozes na base da ultraviolência, quem assistiu The Beekeeper achou que o filme era um clone. Na minha opinião, nem de perto!

Uma outra crítica que eu li, e sinceramente, não sei se tem relevância, é a do personagem da agente do FBI Verona Parker, filha de Eloise, protagonizada por Emmy Raver-Lampman, duramente criticada pela sua interpretação vista como de má qualidade. Muita gente que eu li nas críticas não gostou nem da personagem e nem da atriz. Sinceramente, não precisava tanto.

Aparentemente, Jason Statham ficou estigmatizado como herói de filmes de ação, mas em vários dos seus filmes o personagem encarna mais o indivíduo solitário, sem família, que é vítima de alguma injustiça ou quer depois proteger alguém. Heróis solitários já foi tema de dezenas de filmes, portanto não há nenhuma novidade aqui. Em termos de estigmas de personagens, o ator Sean Connery foi outro que se tornou vítima deste tipo de problema, e teve dificuldade de se livrar dele, fazendo outros tipos de filme.

Colocar Statham como um ator banal é, na minha modesta opinião, um equívoco e um erro de julgamento, por parte de quem assiste seus filmes. Aliás, ele não é, nem de longe, o único ator que se envolve em filmes de ação por ter sido, ou ainda é, um desportista, neste caso, adepto de artes marciais. Mesmo assim, os dublês em filmes de ação costumam ter as mesmas habilidades do ator e se colocam em risco em coreografias arriscadas, independente de efeitos visuais.

Eu entendo que a violência per se não pode ser usada a esmo, com roteiros de filmes que não têm trama e/ou que não fazem o menor sentido. Historicamente, o cinema se beneficiou de enredos deste tipo, vide A Laranja Mecânica, por exemplo, mas para fazer algum tipo de análise ou denúncia. O filme de Kubrick foi duramente criticado e retirado por ele para exibição na Inglaterra durante anos. Hitchcock filmou Psicose em preto-e-branco para evitar chocar a plateia com o derramamento de sangue, mas a violência está lá no filme.

Salvo melhor juízo, The Beekeeper é um desses filmes que não ficam só na violência ou no vídeo game. E a ultraviolência assim se torna uma maneira de aumentar a catarse de quem assiste e que não vai querer ser nunca a vítima de um golpe cibernético! [Webinsider]

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Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.

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