Escrever um bom roteiro é fundamental para a qualidade do filme como um todo. Precisa de inspiração, criatividade e possivelmente inovação por parte de quem escreve. O que nem sempre acontece, como é o caso de Jogo Perigoso.
Em um icônico filme, o diretor Frank Darabont faz uma apreciação da vida de um roteirista, em plena era das listas negras e caças às bruxas (comunistas) que estavam sob suspeita em Hollywood. O filme, The Majestic (no Brasil, Cine Majestic), mostra, logo no seu início, o roteirista Peter Appleton sendo rodeado por produtores que alteravam o seu roteiro, e ele concordando, para não perder o emprego. As mudanças são, é claro, absurdas, mas no studio system era exatamente isso que acontecia.
Escrever roteiro exige criatividade, paciência, revisões (pelo autor ou autores) e capacidade de convencer a futura plateia o que está contido lá dentro, coisas como estória e trama.
Um roteiro técnico é normalmente precedido por um tratamento, que consiste em um resumo detalhado do que será o filme. A sinopse (resumo da estória) pode também ser redigida, mas deve se deter em apenas o espírito do que virá no roteiro. O roteiro propriamente dito pode ser ilustrado na forma de storyboards, onde designs descrevem como as cenas e sequências devem ser filmadas. Tudo correndo bem, entra-se na fase de pós-produção, com o trabalho de montagem, dublagem (se for o caso), sonoplastia, etc.
Geralmente, mas nem sempre, os atores e os diretores se reúnem antes para discutir o roteiro e fazer ensaios. John Ford não era adepto de ensaios, e dizia que, logo na primeira tomada da câmera, a interpretação dos atores era muito mais espontânea. Mas, os seus atores ensaiavam antes, escondidos…
Quando as coisas dão errado
É normal e compreensivo quando cineastas mais jovens escrevem ou dirigem roteiros se espelhando em obras ou cineastas do passado. Fazendo assim, os roteiros mostram a qualquer cinéfilo que se preze que o que se está vendo na tela é uma cópia de filmes anteriores.
Em princípio, não há nada de errado nisso, pelo contrário, ainda mais quando o novo roteiro mostra a admiração de um cineasta pelo outro, uma espécie assim de homenagem ou tributo.
Mas, nem sempre isso dá certo. Quando a cópia pura e simples não é sucedida por uma estória ou trama convincente, o filme acaba em uma colcha de retalhos e inconsistências, que qualquer cinéfilo percebe, e aí a suspensão da descrença (muitas vezes obrigatória) e o encantamento do desenrolar da trama desaparecem.
Tudo isso aconteceu quando eu assisti o filme Shattered (no Brasil, Caso Perigoso), de 2022, exibido no streaming:
O diretor e roteirista espanhol Luis Prieto abusa de fazer referências a filmes conhecidos, e no final não acrescenta nada de novo. Mas, se isso não bastasse, o roteiro tem cenas que nem com a suspensão da descrença convence a quem assiste.
Por exemplo, quando a futura ex-mulher e a filha da vítima são confrontadas pela criminosa, insistem em ver o ex-marido, são impedidas e convidadas a sair, mas, ao invés disso, ameaçam a criminosa de chamar a polícia, quando então a criminosa as subjuga.
A golpista Sky é interpretada por uma jovem e aparentemente escolada em cinema e teatro Lilly Krug. No entanto, a sua interpretação é por vezes um pouco exagerada. O mesmo se pode dizer do veterano John Malkovich, que chega a ser caricato.
As queixas de analistas amadores no IMDb se respaldam não só no exagero da cópia de outros filmes, mas principalmente da previsibilidade do que iria acontecer no desenrolar da estória.
E, de fato, o filme nem acaba e todo mundo sabe, ou presume, se quiserem, o que vem a seguir. Em uma cena absurda, Sky leva um golpe de um objeto cortante no pescoço, mas cai e se levanta sem nenhuma gota de sangue visível, com uma agilidade no contra ataque que nem parece ter ela levado aquele golpe. Neste caso, o filme bem que poderia ter sido uma paródia, mas não é, ele é classificado pelos autores como um “thriller” psicológico! Isso ele também não é, porque existe muito pouco mistério na sequência das cenas.
Bem, eu poderia me arriscar e dizer que Caso Perigoso é passável, mas não resistiria a uma segunda revisita pelo cinéfilo, tamanha a inconsistência de muitas cenas, difíceis de aceitar, até mesmo pelos mais crédulos.
O filme ainda mistura um pouco de nudez e sexo, na pele da atriz Lilly Krug, porém sem necessidade, porque, nesta altura da estória, já estava claro que a vítima (Chris Decker) tinha caído por ela.
Bons roteiros sempre marcam época, as cópias nem sempre! [Webinsider]
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Paulo Roberto Elias
Paulo Roberto Elias é professor e pesquisador em ciências da saúde, Mestre em Ciência (M.Sc.) pelo Departamento de Bioquímica, do Instituto de Química da UFRJ, e Ph.D. em Bioquímica, pela Cardiff University, no Reino Unido.